DIÁRIOS, JAPÃO

SÃO PAULO (muita saudade deles) – Ôps, tem de publicar diário antigo em semana de corrida, senão a Alessandra Alves manda a chibata. Minha editora atende pelo [email protected] e garante que quando esses textos são republicados, consegue vender 200 livros em meia hora. É só pedir pelo e-mail.

E esse texto aqui me traz muitas lembranças. Foi escrito em 1997. Putz, parece que foi noutra vida.

SUZUKA, BRASIL

O GP do Japão sempre foi um dos mais complicados para os jornalistas do mundo inteiro, que atravessam o planeta para chegar à pequenina Suzuka, a mais de 400 km de Tóquio. Há a barreira da língua, quase intransponível. É lenda a história de que muitos japoneses falam inglês. Ninguém fala. Nos hotéis, via de regra, os funcionários sabem, no máximo contar até dez e dizer good morning.

A fonética do idioma é muito diferente e o falar inglês torna-se uma tarefa penosa para a maioria dos japoneses. Num lugar como este, então, é virtualmente impossível se comunicar. Se não bastasse, há as distâncias e a precariedade de acomodação. Por isso, há anos que é assim, a imprensa se espalha por cidades como Tsu e Yokaishi, a uma hora e meia, de ônibus, do circuito.

Azar de todo mundo, menos dos brasileiros. Depois de uma década, descobrimos, terça-feira, que em Suzuka está uma das mais numerosas comunidades brasileiras do Japão, com cerca de cinco mil descendentes trabalhando nas fábricas da região. São 200 mil no país. Aqui há açougues, pastelarias e restaurantes onde se fala português. A turma faz baile de carnaval e vai em caravana a Nagoya assistir, por exemplo, a um show de Leandro & Leonardo.

Eu estava com uma reserva em Tsu, mas nem vi a cara do hotel. Na chegada, no aeroporto, conheci o Giba, um rapaz de Curitiba que trabalha para uma empreiteira que coloca brasileiros nas fábricas locais. Há seis anos no Japão, ele já nem passa mais por estrangeiro. Fala japonês sem sotaque, assim como Cristina, sua mulher, e a Hitome, sua filha, uma linda garotinha de sete anos. Giba me convidou para ficar em sua casa, a um quilômetro da pista. Aceitei.

Ganhei uma família no Japão. A F-1 tem dessas coisas. O Giba, o Arnaldo, seu irmão, a Vânia, que é cunhada, os amigos David e Farol (se chama Renato, mas ninguém o conhece pelo nome aqui), o Daniel, que é gerente do boliche da cidade… Há cinco dias eles praticamente não dormem, mudaram seus turnos de trabalho para, durante o dia, fazer companhia a mim e aos outros quatro brasileiros que estão aqui para cobrir a corrida.

Já tenho até a chave de casa, faço meu café da manhã e vou de bicicleta para o autódromo. À noite, assisto à novela das oito e ao Jornal da Globo na TV. Vi até o jogo do Vasco com o Cruzeiro, sempre com um dia de atraso, mas o que é um dia, afinal?

Com eles, descobri os fascínios do Japão e seu dia-a-dia. Não há espaço neste texto para contar tudo que já aprendi e passei a entender sobre este país, o japonês e seus descendentes, em tão pouco tempo. Parece que vivo aqui há anos.

Tudo, da comida à educação, das regras de trânsito aos sistemas de saúde, das reverências ao gesto simples de tirar os sapatos ao entrar em casa, tudo é particular e diferente do nosso jeito ocidental de encarar o mundo e a vida.

Não é a primeira vez que venho ao Japão. Mas pela primeira vez tenho a chance de viver o país. E, mais uma vez, constato que o brasileiro, esteja onde estiver, é de uma generosidade do tamanho do universo, tenha ele olhinhos puxados ou não. Você, que me lê agora, talvez não faça idéia do que é ter um amigo como o Giba do outro lado do mundo. Paga tudo, as horas intermináveis em aeroportos e aviões, a distância de casa, os dias longe dos amigos e da família, aquilo que a F-1 exige daqueles que a seguem.

Arigatô, Japão.

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Rico
Rico
13 anos atrás

Flávio, gostaria de comprar o seu livro, como faço?

Flavio Gomes
Flavio Gomes
Reply to  Rico
13 anos atrás

Escreva para a Alessandra no e-mail acima.

Thiago
Thiago
13 anos atrás

Ela só nao envia o livro com muita rapidez… comprei o meu já tem uns 2 meses e ainda nao chegou!!! Essa sua manager ta fazendo entrega com o meianov?

Robinson X-JAPAN7
Robinson X-JAPAN7
13 anos atrás

De grande valor este texto principalmente para um fã da CULTURA JAPONESA.
Como é bom poder contar com uma pessoa no SOL NASCENTE que fala a nossa língua para poder mostrar o Japão que dificilmente poderiamos descobrir. Meu sonho é visitar o JAPÃO e se tivesse esta mesma condição estaria completado minha jornada neste MUNDO, pelo menos uma boa parte. Arigato.

marcio
marcio
13 anos atrás

NoJapão a comunidade brasuca parece, pelo seu relato, ser muito afavel.Mas, nos EEUU, onde vivi 6 anos, brasuca era sinonimo de traição, desonestidade, contravenções e etc. Pessoal louco para tirar vantagens de recem chegados, e dar golpes nos nenos avisados. Alem de explorar aqueles que infortunadamente eram empregados de brasileiros.

Marilia Compagnoni
Marilia Compagnoni
13 anos atrás

Faço coro ao Egon Kniggendorf Jr:

Quando teremos um próximo livro? Talvez uma compilação de diversos posts desse blog?

Egon Kniggendorf Jr.
Egon Kniggendorf Jr.
13 anos atrás

Os que conhecem as diversas escrivinhações de FG sabem que é impossível eleger o melhor texto. O acompanho a muitos e muuitos anos… e posso afirmar: Desistam de tal empreitada.
Certa vez enviei um e-mail a ele, por ocasião de sua saída da Radio Bandeirantes, onde o acompanhava e assistia as corridas ouvindo a Rádio pela riqueza, ponderação e superioridade da cobertura naquela época em que ele fazia uma dupla irretocável com Fabio Seixas, com entrevistas direto da pista.
Ele nasceu pra escrever!… E falar… E andar de carros antigos… E….. ahh… várias outras coisas que o diferenciam dos Jornalistas que vivem por aí.
Cadê nosso próximo livro heim?!?!?!

Wanderson Aurelio de Camargos
Wanderson Aurelio de Camargos
13 anos atrás

Ei Flavio, é impressão minha ou nessa época vc me parecia muito mais afável meu caro, pelo menos é o que o texto me passou.

Fernando C
Fernando C
13 anos atrás

Textos brilhantes, sempre leio! Mas o melhor é o que deu nome ao livro!
Abraços

Vagner
Vagner
13 anos atrás

Excelente texto.. retrata bem a comunidade brasileira aqui no Japão.
Moro uns 200 km de Suzuka, em uma região onde há muitos brasileiros também.
E realmente, é uma lenda que todo japonês saiba falar o inglês.
Quando cheguei aqui, vim nessa expectativa, rs.. apesar que não sabia bem o inglês, ao menos o básico para comunicar conhecia.. não dei muito bem.
Abraços Flávio, saiba que tem muitos brasileiros do Japão que acompanham seu blog.
obs.: Saiu um documentário sobre o Ayrton Senna, está em alguns cinemas japoneses.
http://senna-movie.jp/

ags
ags
13 anos atrás

FG…………………… SE A PREVISÃO ACERTAR,,,,,,,,O AMASSA BARRO VAI SE MELEKAR TODO ESSE FDS…..E MAIS UMA VEZ..EL FODON VAI FAZER A SF SAIR NA FRENTE………….QUEM DISSE QUE A DF TEM PILOTO NUMERO UNO…ELA TEM EL FONDON…I EL MARIACHI DI PILOTI…OR ZACARIAS.PARA OS BRAZUCAS..RSSSS

Carlos B
Carlos B
13 anos atrás

A titulo de curiosidade, “Arigatô” vem da palavra portuguesa “Obrigado”

jackie chan
jackie chan
Reply to  Carlos B
13 anos atrás

Errado. “Arigatô” faz parte da língua japonesa desde muito antes dos portugueses chegarem lá. Ou você acha que antes os japoneses eram todos ingratos? rsrssr