VAI NA PAZ, TROVÃO

trovaofim44

SÃO PAULO (e valeu) – Ele nunca foi propriamente um adversário direto. Talvez tenhamos corrido na mesma categoria, quando a Superclassic era uma sopa de letrinhas, em meia-dúzia de corridas. Mas com motor AP 1.6, receita conhecida, andaria sempre mais do que o Meianov. No início, é possível que tenha sofrido um pouquinho. Pode ser que tenhamos largado perto em uma ou outra prova, trocado tinta em duas ou três curvas de início de corrida, lembro de uma ultrapassagem histórica, mas o normal era ir embora quando as coisas se assentavam.

O Passat #44 do brother Rogério Tranjan estreou em 2008, foi vice-campeão da divisão D1B em 2009, esteve mais de 100 vezes no grid de Interlagos, do Velopark, de Londrina, de Curitiba e do Velo Città, subiu ao pódio aqui e ali, mas algumas semanas atrás, numa das últimas corridas da Classic Cup em Interlagos, foi vítima de um acidente violentíssimo — Tranjan ficou apenas dolorido, felizmente nada de grave.

O carro, fabricado em 1977, já vinha sofrendo havia algum tempo, muita pancada e desgaste, o tempo é implacável, foi ficando torto e meio capenga, mas resistia. Era um automóvel valente e carismático. Trovão Azul. Carro que tem nome merece respeito e reverência, e assim era com o Trovão.

[bannergoogle] Mas a batida de Interlagos colocou um ponto final a sua gloriosa carreira. Não, não falo das glórias mundanas, vitórias e troféus. Falo da glória de existir e carregar, dentro dele, o amor e a paixão de um piloto pela velocidade e pela vida. Viver é correr, e isso o Trovão fez pelo Tranjan, deu a ele a vida que a vida não nos dá quando não estamos num carro de corrida.

Hoje, ele encerrou seus dias na Terra dos Carros e partiu para outra existência. Picotado, será vendido por quilo e reciclado, seu aço será derretido e acabará em alguma siderúrgica, que poderá transformá-lo em parafuso, geladeira, chave de roda, forno de microondas, turbina de avião, quem sabe…

Pode ser, também, que o metal que carregou durante anos os sentimentos, aflições, esperanças e emoções do amigo, por algum bafejo do destino, acabe numa enorme fábrica em São Bernardo do Campo, de onde saiu, para virar carro de novo.

Sim, eu acredito na reencarnação dos carros que foram bons para seus donos, e o Trovão foi.

Subscribe
Notify of
guest

28 Comentários
Newest
Oldest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Rafinha Gimenez
Rafinha Gimenez
8 anos atrás

Lindo texto Flavinho!
Disputei o campeonato de 2009 na D1B “contra” o veloz #44 e isso vai ficar pra sempre na minha memória.
Venci por 5 pontos por conta dos descartes. Meu amigo( nome Rogério também) cronometrava o #44 enquanto eu classificava SUANDO pra virar tempo suficiente pra pole da categoria.
Eu tenho orgulho e prazer de dizer que pude trabalhar na equipe em alguns momentos nesse carro e tbm trabalhei no “new trovão”.
Disputei e muito com esse Lindo carro em 2009 e 2010 e hoje somos grandes amigos. Adversários no passado e amigos e companheiros de equipe e pista hoje no presente.
pra mim, e principalmente pro meu Pai um dos Passats mais lindos e invocados que tivemos na Classic.
Trovão Azul #44 descanse em paz…
Rafinha Passat e Gol #13

James
James
8 anos atrás

Podia ter guardado e levado para o museu onde está o #69 e #96.

DMC-12
DMC-12
8 anos atrás

Aquela porta #44 poderia decorar perfeitamente uma parede de oficina ou até de um escritório grande. Para um carro com tanta história e significado para o dono e para a categoria, merecia ter um pedaço seu guardado…

lincoln falcão
lincoln falcão
8 anos atrás

kkkkkkkkkkkkk, do caralho esse seu texto!!!!!!!!!!!!

João Paulo Toledo Piza
João Paulo Toledo Piza
8 anos atrás

Trovão Azul sendo transportado por uma parceira de época ,uma gloriosa Kombi pick up Bege , com calotas originais ainda……….

Pablo Vargas
Pablo Vargas
8 anos atrás

Teve uma vida de glória enquanto viveu.
Quantos outros puderam ter a mesma oportunidade ?

Rogerio Tranjan
8 anos atrás

Boa Flávio. Que linda homenagem ao Passat #44, o Trovão Azul. Tomara que eu possa estabelecer uma relação tão bacana com o novo Passat.

gildo34
gildo34
8 anos atrás

Flavio e Rogério, amigos da Classic e de sempre!
Felizmente tudo bem com Rogerio! O Trovão Azul se tornou um ícone na categoria, assim como o 69, o LADA, meu Zé 34, dentre outros… Marcou muito junto a torcida pelo carro e muito pelo grande cara que é e foi seu único piloto….
Uma alegria comentar com ele ao final das provas como tinha sido a íntima relação entre carro e piloto na competição…
Como voce disse, em seu texto emocionante, vai reencarnar….é coisa boa!!!
Abraço,
Gildo34

Ricardo Linares
Ricardo Linares
8 anos atrás

Puts…. eu gostava pacas desse Passatão aí….

mauricio lima
8 anos atrás

Triste por ter sido o instrumento dessa situacao. Mas corridas sao corridas… #fusca27

Vapabuçu
Vapabuçu
8 anos atrás

O tempo passa mais rápido que qualquer carro de corrida! Inacreditável como já estamos sentindo saudades de tantos aposentados, que haviam sido ressuscitados para a pista, nas corridas da Classic, Força-Livre, Velô na Terra, etc…

Nós, mais rodados na idade, sentíamos saudades de Simcas, Berlinetas, DKW e demais feras da virada dos 60 para 70, como aqueles incríveis protótipos da época, o que fez brotar a sensação, que os renascidos para a Classic seriam então eternos, pois já eram clássicos, superiores ao bem, ao mal e ao tempo.

Engano primário! O tempo, além de passar mais rápido que qualquer carro de corrida é também inexorável e, como cantado por George, “Äll things must pass”.

O “44” do Tranjan foi-se, mas a notar que teve as honras de um funeral digno, numa doce Kombi pick-up!

Samuel Engel
Samuel Engel
8 anos atrás

Gosto de como se refere aos carros,principalmente aos de corrida.
É por isso que a gente assista à corridas,pelos carros.

Robertom
Robertom
8 anos atrás

Motor, câmbio e vários outros compenentes poderão ser aproveitados em outro Passat ou atá outro VW para que a “vida” de carro de corrida possa prosseguir…
E que volte o Campeonato Paulista de Automobilismo, com Interlagos sendo usado como Autódromo, e não como palco de shows…

Robertom
Robertom
Reply to  Robertom
8 anos atrás

…componentes…

Mauro Brisola
Mauro Brisola
8 anos atrás

Tenho uma estória parecida. Meu primeiro (e único) carro de corrida foi comprado em 1996 (Corsa – Kit GM Copa Corsa). Deste então eu e ele participamos de Copa Corsa, depois Paranaense de Marcas, Turismo na Terra, Copa GNV (parece que foi o único campeonato de automobilismo movido a GNV da história), e Paranaense de Marcas novamente. Corremos em Curitiba, Londrina , Cascavel, São José dos Pinhais (terra) e uma prova em Tarumã. Ao longo de 11 temporadas corremos de radial, slick, motor 1.4, 1.6, … Várias conigurações de motor, cambio injeção, suspenção…

Do ponto de vista de resultados sempre foi complicado. Juntando o braço duro com a falta de experiência, brigando na época como o único Corsa no meio de um grid com normalmente uns 30 ou 40 VW APs, dublê de piloto, preparador e transportador. Mas a recompensa foi uma pole na chuva em Curitiba em um grid com mais de 40 carros. Foi suficiente para provar o talento que até então eu disfarçava! rsrs

Durante estes anos foram várias batidas fortes. Frente completa trocada depois de encontrar o barranco no final da reta em Cascavel, lateral inteira “fatiada” depois de um exagero na Curva da Vitória em Curitiba, algumas capotadas correndo na terra além de inúmeras outras ocorrências variadas. O monobloco era tão comprometido que se acelerasse na reta sem as mãos no volante o carro virava para a esquerda.

Finalmente, em uma prova em Curitiba em 2007 fui atingido em cheio no S de alta após rodar e ficar na pista. Havia uma disputa atrás e me bateram “de cano cheio”, sem frear. Como resultado uma perna trincada sem gravidade e perda total do companheiro fiel de tanto tempo e tantas aventuras. Ele esta até hoje sob uma capa na minha empresa. Ainda não tive coragem mas o destino dele deverá ser o mesmo do Trovão Azul.

Zé Maria
Zé Maria
Reply to  Mauro Brisola
8 anos atrás

Bonita a história de vocês!
Apenas complementando, as picapes também chegaram a andar com GNV.
Abraço.
Zé Maria

r.castro
r.castro
Reply to  Mauro Brisola
8 anos atrás

Boa,Mauro; experiencias como essas é que fazem nossas vidinhas valerem a pena.

Robertom
Robertom
Reply to  Mauro Brisola
8 anos atrás

Compre um monobloco de leilão, em bom estado, monte com carinho e faça o voltar a vida…

Tohmé
Tohmé
8 anos atrás

Boa.

Mario Mesquita
Mario Mesquita
8 anos atrás

Que texto foda.

Mais um que crê que carros tem vida e personalidade. Bom que não vou pro hospício sozinho.

Tive uma namorada que jurava que sabia o que o meu Aero Willis dizia ou pensava. Eu botava fé, ela jogava tarot pra caramba e acertava coisas pacas. A coisa mais doida era quando eu queria falar com ela e o telefone tocava. “Tá querendo falar comigo?” – era ela.

Eu, hein… Não creio em bruxas, mas que elas existem..

oscar motta
oscar motta
8 anos atrás

Você escreve pra caramba! Queria escrever metade disso e ficaria feliz!

Luc Monteiro
Luc Monteiro
8 anos atrás

Mesmo só com duas corridas de verdade nas costas, dou-me o direito de me colocar em posição de entender perfeitamente o que o Gomes expõe nessas linhas carregadas de sinceridade e de coisas que, como ele observa, só quem já esteve dentro de um carro de corrida consegue compreender.

Tranjan, o #66 está lá no quintal de casa, morando de favor. Ainda faremos em dupla uma corrida de alguma coisa a bordo dele. Não me importo de mudá-lo para #44, embora fosse, a meu ver, uma afronta à memória e à história do Trovão. Vidas e corridas que seguem.

ms
ms
8 anos atrás

Flávio, se não acredito nem reencarnação de gente, muito menos acredito na de carros…..Agora, existiram carros que ficaram no imaginário dos pilotos e amantes da velocidade como verdadeiros monstros sagrados seja pela potencia do motor e velocidade que alcançavam seja pela história que carregam nas costas e de todos eles aquele que certamente ocupa o topo do pedestal é o já lendário e assombroso MP4/4 da MacLaren pilotado por Senna e Prost na temporada de 1988 e que já se tornou referência quando o assunto é esse……

Manfred W.
Manfred W.
8 anos atrás

O Dale Earnhardt Jr coleciona carros de corrida batidos…

Francis H. Trennepohl
8 anos atrás

Porra FG, terminei de ler chorando, não só por ser um belo texto carregado de emoção e pela história em si, mas porque também passei e senti diversas emoções opostas e extremas em janeiro do ano passado quando joguei no lixo (assim mesmo, pra virar parafuso, geladeira, chave de roda, forno de microondas, turbina de avião, quem sabe…) o meu #20, réplica do famoso “Juvena” do Gunnar Vollmer e do Toninho da Matta.
O meu havia sido “abençoado” pelo próprio Gunnar, que inclusive me deu a honra de levá-lo a bordo do Passat, porém o tempo, as pancadas que levou e todas as cicatrizes que ele carregava não me deixaram com outra opção a não ser fazer o que fiz.
Por falta de verba eu o Gabriel (meu filho) acabamos fazendo o “transplante” da mecânica do velho pro novo na garagem do prédio onde eu morava. Os vizinhos ficaram super felizes! hahaha
Aqui (http://www.poeiranaveia.blogspot.com.br/2013/03/brinquedo-novo.html) o início daquela história e aqui (http://www.poeiranaveia.blogspot.com.br/2014/04/construcao-de-um-sonho-3.html) o fim do Passat.
Boa sorte ao novo #44 e ao Tranjan, um cara que admiro pra cacete!

Thiago
Thiago
8 anos atrás

Entendo a opção de cada um, e nem tenho condições de ter um carro de corridas pra querer julgar.

Mas não sei se deixaria um carro desses sair da minha vida.

Meu pai deixou um fusca amarelo, ano 75, e ta guardado ate hoje. Nem sei se um dia terei condições de dar o tratamento que ele merece. Mas nada o leva embora da minha casa.

Mas em todo caso, bom descanso a um belo Passat.

Ricardo Linares
Ricardo Linares
Reply to  Thiago
8 anos atrás

Acho que vc está certo de não se desfazer do carro. Arrume nem que seja um pouquinho por mês….um detalhe de nada…. e fique com o carro amigo… abs!

pedro afonso scucuglia
pedro afonso scucuglia
8 anos atrás

Texto bom pracarai! Ave Cesar, morituri salut.