FOTO DO DIA

SÃO PAULO (que coisa mais incrível) – Escrevo muito neste blog, já são mais de 11 anos de labuta, e alguns textos, vez por outra, releio porque gosto deles — e é raro gostar sempre, cada vez que releio algo que escrevi encontro defeitos, acho que poderia mudar uma palavra aqui ou ali, tirar uma vírgula, trocar uma frase, escrever é um negócio meio penoso.

[bannergoogle]Falo de “Copacabana“, de 2008, e “Rio“, de 2015, talvez porque eles me lembrem de um tempo que ficou muito marcado nesta vida de idas e vindas pelo mundo, geralmente o mundo me levando pra lá e pra cá sem que eu possa fazer muita coisa.

No caso desses dois, gosto também porque eles acabaram chegando a pessoas que eu jamais imaginaria que um dia iriam lê-los: parentes da senhora que dá o nome ao prédio onde morei no Rio, dona Martha Pinheiro de Lima, e um garoto que era nosso vizinho, morava no quinto andar, com quem a gente jogava bola na rua.

O garoto se chama Fabio Cury e ele me encontrou por e-mail alguns anos atrás, trocamos algumas mensagens e foi muito emocionante, 40 anos depois, se deparar com alguém que se lembrava da gente — a família recatada e discreta de paulistas que vivia naquele edifício. Esta semana, escrevi para ele. Não lembrava se tínhamos dado sequência a uma conversa anterior, essa vida de redes, caixas postais e celulares nos deixa meio tontos, e ele me respondeu com enorme simpatia e uma foto. “Amigo de infância Flavio”, começa a mensagem, e segue:

Estava lhe devendo uma foto da Claudinha Cabral. Eu estou do lado dela, só que sou FLAMENGUISTA!!! A foto com a camisa do Vasco é que naquela época se jogava futebol de rua e o nosso time, influenciado pelo Serginho Cabral, resolveu adotar esta camisa. Olha só a rampa da garagem que dava na sua garagem. Aquele carro da foto era o seu?

Sim, Serginho acabou virando governador, Claudinha é sua irmã, era uma menina linda, não sei que fim levou. Havia outro irmão menor, não lembro o nome, e o pai, Sérgio Cabral, jornalista e compositor dos mais importantes da história da cidade — está com Alzheimer há alguns anos, não sabe do que aconteceu com o filho, felizmente –, sempre nos chamava para almoçar no seu apartamento no primeiro andar. A gente morava no segundo.

Respondendo à sua pergunta, Fabio, sim, pode ser que essa Belina seja a do meu pai. A gente tinha só uma vaga na garagem — essa rampa e o fundo do prédio estão num dos textos dos links acima, são exatamente como me lembrava que eram — e, de vez em quando, meu pai pedia uma vaga emprestada para o segundo carro a alguém que tinha vendido o seu, ou que estaria fora do Rio naquele dia.

Claro que seria pretensão demais afirmar aqui que era a única Belina do prédio, mas pode ser que sim. Ela parece verde-maravilha? Se parecer, pode ser mais ainda. E com aquele monte de decalques nos vidros, começo a acreditar que era mesmo. A gente enchia os vidros de decalques…

Seja como for, a foto me tocou, Fabio. Me lembrei de você, do nosso time que usava camisa do Vasco porque o pai do Serginho é Vasco doente, da Claudinha, da minha canela rachada descendo essa rampa de bicicleta, da nossa inocência perdida.

Onde foi que a perdemos?

edmpl

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Javier Lorenzo
Javier Lorenzo
2 anos atrás

Efetivamente, tempo que pasa.

Maravilha de textos. Muito obrigado!

Luciano
Luciano
7 anos atrás

Li o texto de “Copacabana” e achei sensacional. Parabéns!!

Andre Decout
Andre Decout
7 anos atrás

Nascido e criado em Copa, vindo de uma família que vive desde 1928 em Copa informo que seu ex-vizinho o Serginho e o coleguinha, Dudu nos últimos 8 anos acabaram com o bairro.
Transformaram a saudável anarquia numa “casa da mãe joana” de eventos cafonas, passaram quase todo o ano enchendo as areias da praia de cacarecos, autorizaram a construção de hotéis para uma tal copa e olimPiadas, que nunca ficaram prontos, nem ficarão, quebraram aquele comércio legal. Alcazar, Cirandinha dentre outros acabaram. O bairro ficou amargo, uma suja e cara arapuca para turistas.
Hoje vejo aqui com o meu vizinho, J. Vongoli, tb exilado no mesmo bairro vizinho, que a princesinha (antes bem doidivanas mas com personalidade) vai virando cada dia que passa uma crackuda em delírio…

Zé Zanine
Zé Zanine
Reply to  Andre Decout
7 anos atrás

André

Devo ser um pouco mais velho que vocês, mas desfrutei de uma cidade ainda maravilhosa, tenho saudades do Rio que vivi, dessa época que vocês descrevem.
Os amigos serginho e dudu contribuíram para a destruição da maravilhosa cidade, somente para encher os bolsos, deve ser inacreditável para Flávio , Fábio e a turminha que conviveu com serginho, constatar hoje que aquele garoto das peladas na rua ter transformado em um horror viver no Rio.

Farid Salim Junior
Farid Salim Junior
7 anos atrás

Por coincidência, eu também convivi com o “Serginho” Cabral, em 1975. Estudávamos no Colégio Pedro II – no Engenho Novo, em um horário esquisito, chamado de “corujinha”, já que ia de 16:40hs, á 21:40hs. Ele era um moleque quieto, observador e, baixinho. Creio que na época, morava no Lins de Vasconcelos.
saí do colégio no fim do ano e, só o reencontrei em 2008, quando era candidato ao governo do Rio, aqui em Nova Friburgo. Falei com ele, brincando: “_Alguém deu certo naquela turma, né, Sergio?”… Hoje, acho que errei no comentário… Pena…
Quanto ao pai, Serjão, como o chamávamos, é um cara muito legal, cheio de histórias na cabeça e, sempre solícito. Não sabia que estava doente…

Eduardo Britto
Eduardo Britto
7 anos atrás

Estou lendo “Ainda Estou Aqui”, do Marcelo Rubens Paiva, sobre o período da ditadura, a perda do pai quando a família morava no Leblon… Paiva narra o Rio de Janeiro mais ou menos desse período, 1970, 1971, mar azul, areia branca, biquinis e céu plúmbleo nas celas do DOI-CODI, contraste absurdo…

César
César
7 anos atrás

Sensacional. Esse muro de pedra com esse tipo de planta sobre ele, a entrada da garagem em curva e as lajes quadradas na rampa… Parecidíssimo com o prédio onde morei quando fiz estágio em Palma de Mallorca. De relance, parece o mesmo lugar.

LUCIANO MARCONE
LUCIANO MARCONE
7 anos atrás

Sensacional Flavio. De vez em quando fico um tempo sem acessar seu blog devido à correria do dia-a-dia, mas nunca deixarei de acessá-lo. Adoro o que você escreve sempre por aqui. Você é um cara que qualquer pessoa de bem adoraria ter como amigo. Um cara fácil de gostar, que aprecia as coisas simples da vida, gosta de carros antigos… É incrível como aqui neste blog, sempre me sinto em casa. Sinto-me sempre à vontade para ser eu mesmo. E as coisas que geralmente mais gosto são as histórias antigas. Sou saudosista por natureza. Vivo o presente mas sempre gosto de recordar. Parabéns por mais um texto excelente Flavio. Abraço !

Fabio Cury
Fabio Cury
7 anos atrás

O amigo de infância é como um “rio subterrâneo ” !!! sempre estará ligado de um ponto para o outro. Pode passar dias, meses e até décadas sem se ver mas quando se encontram é como se estivessem continuando uma conversa !!!

Zé Zanine
Zé Zanine
Reply to  Fabio Cury
7 anos atrás

Sempre digo que “amigos de infância” são separados fisicamente, mas é justamente como vc descreve, quandro se encontram….continuam a conversa”

João Henrique
João Henrique
7 anos atrás

Sempre achei “Copacabana” seu melhor post até hoje. Já mostrei para vários amigos e para minha esposa também, Flavio. Acho de uma delicadeza e de uma sensibilidade tocantes. Lembranças da infância sempre emocionam, e naquele texto vc foi certeiro.

lincoln falcão
lincoln falcão
7 anos atrás

achei que a loirinha da foto era voce Flavio Gomes…

sergio gp
sergio gp
7 anos atrás

Olá Flávio.
Realmente seus textos são deliciosos. Acompanho sua trajetória, primeiro por ser aficionado por corridas, seja do que for, depois por sua capacidade de expressão, em qualquer assunto. Jow falou que era uma pena não haver celular para que se eternizasse a época. Acredito que a época era boa, exatamente por não haver nada tecnológico, por vivermos intensamente as amizades e a oportunidade de brincar, namorar, curtir os carros dos pais, tios e vizinhos. Sou um pouquinho mais velho (1955) mas as lembranças de Santos e minha infância estão vivas, presentes, fazendo parte de minha história. Parabéns pelos textos.

Léo
Léo
7 anos atrás

Flávio, algo me diz que você vai gostar desta foto também:

http://wp.clicrbs.com.br/anmemoria/2017/01/13/an-memoria-de-sexta-sociedade-tradicional/?topo=84,2,18,,,84

César
César
Reply to  Léo
7 anos atrás

Studebaker!

RODRIGO MAZUCATO
RODRIGO MAZUCATO
7 anos atrás

Nostalgia é um bagulho bacana, saudade do mundo véio…
O mundo novo é dinâmico demais pro meu gosto!

João Paiva
João Paiva
7 anos atrás

Sensacional essa história!

Ivan
Ivan
7 anos atrás

E que bacana aquela sua resposta depois de 2 anos no texto “Rio”.

Ricardo Sandri
Ricardo Sandri
7 anos atrás

Curti o corcel I belina ao fundo da imagem. Belas lembranças

David Felix Krapp
David Felix Krapp
7 anos atrás

SENSACIONAL !!!

Carlos
Carlos
7 anos atrás

Que lindinha!
Apesar da “pauleira” desse blog, gosto desses momentos de ternura quando aparecem por aqui. Lembranças de infância, as amiguinhas, saudades de uma época tão diferente da que vivemos atualmente.
Talvez por termos quase a mesma idade ( eu, do final de 63 e você, do início de 64, estou certo? ), acabo me sentindo como participante dessas coisas.
Ainda que muitos condenem ficar lembrando o passado, acredito que vivenciamos algumas experiências que servem até mesmo para nos acalmar diante de tantos questionamentos, ainda que sejam apenas lembranças de momentos inocentes e felizes…
Boa lembrança!

Alberto
Alberto
7 anos atrás

Meu caro, escrever é uma arte. E você é um artista de mão cheia. Gosto de ler seus textos às vezes mais por sua habilidade do que pelo assunto em si.

Jow
Jow
7 anos atrás

Uma das melhores fases da vida. Pena que não existia celular pra tirarmos fotos.

Antenor
7 anos atrás

Esses momentos são únicos. Belas lembranças!!