NA CASA DO DÚ (3)

SÃO PAULO (nublado, 24°C) – Este é meu 31º GP do Brasil trabalhando. Desde 1988, quando fiz a primeira corrida pela “Folha”, vim a todos, trabalhando para vários órgãos de imprensa: a própria “Folha” (até 1994), a ex-rádio Jovem Pan (de 1994 a 2001), a rádio Bandeirantes (de 2002 a 2005), a rádio Estadão-ESPN (foi um ano só e não lembro bem, deve ter sido em 2012; quem lembra de cabeça é o Everaldo Marques, porque na cabeça dele cabem muitas lembranças), os jornais da rede Warm Up (foram cerca de 70, de 1995 a mais ou menos 2010, quando parei com impressos) e, claro, o Grande Prêmio e este blog (desde 1996 o site e desde 2006 o blog, com muito orgulho, com muito amor).

Como prometi escrever feito doido neste fim de semana, vou rabiscar breves memórias de cada uma dessas corridas, desde 1988. Talvez sejam necessárias várias postagens. Começando.

1988calendarFoi a primeira de todas, em Jacarepaguá. Eu tinha acabado de deixar “Placar”, chamado de volta pela “Folha” porque meu editor à época, o Nilson Camargo, não conseguia achar nem a máquina de escrever depois que saí — tinha sido transferido para a pauta da editoria de Esportes e, sem falsa modéstia, dei uma organizada naquela bagaça. Uma das peças de sedução para voltar ao jornal foi a promessa de cobrir a corrida no Rio.

Todo mundo queria cobrir a corrida no Rio. Era uma forma de sair da Redação, viajar, passar alguns dias fora, num evento que tinha a — justa — fama ser uma putaria divertida, cheia de mulheres lindas, muita grana, festas e jantares. Fama justa, mas injustificada para jornalistas. A gente não vai a festas, não é convidado para jantares, não ganha muita grana e essa história das mulheres é conversa machista e sem sentido.

Senna estreava na McLaren. Estou escrevendo “Google-free”, então pode ser que cometa erros factuais — e só vou procurar foto depois de terminar o texto; se houver alguma discrepância entre textos e imagens, será por conta da minha mais absoluta sinceridade.

Até onde me lembro, Ayrton fez a pole e Prost não ficou nem na primeira fila. Na largada, o carro do brasileiro empacou. Na época havia carro-reserva, ele correu para os boxes e pegou o seu. Mas depois de autorizada a volta de apresentação, não podia. Mesmo assim, a McLaren enfiou Senna num outro carro, ele largou dos boxes e já estava, sei lá, lutando pelo segundo ou terceiro lugar quando os comissários avisaram a equipe que ele deveria recolher o automóvel porque estava desclassificado, para decepção do público.

Do que lembro: do calor infernal, do fiscal português que controlava as credenciais na área dos boxes (a minha não dava direito a ficar naquele gramado de Jacarepaguá junto à pista) e ficava me perseguindo o tempo todo (eu o encontraria em muitas outras corridas na Europa, até que um dia sumiu), de uns balões enormes — um deles com publicidade de uma marca de jeans (US Top?) –, lembro também que o Gugelmin estava estreando e que nos dias anteriores à prova viera à tona pelos jornais uma briga divertida entre Senna e Piquet, nascida nas páginas do “Jornal do Brasil”. Senna dissera que tinha sumido por uns dias porque ficava chato para um tricampeão não ser assunto às vésperas do GP do Brasil, e Piquet rebateu que ele tinha de explicar primeiro “por que não gostava de mulher”.

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Rio, 1988: os jeans eram Onyx, não US Top

89calendarEm 1989, voltei ao Rio para fazer o GP que seria o derradeiro em Jacarepaguá. Alguns dias antes, nos testes de pneus que aconteciam antes da abertura da temporada — para fugir do inverno europeu e tomar caipirinha, vinham todos para cá –, Philippe Streiff sofreu um acidente de AGS que praticamente riscou o autódromo do calendário. O francês era piloto da AGS. Na época, a equipe atribuiu às ondulações da pista a quebra da suspensão de seu carro, que se espatifou no guard-rail. O atendimento foi péssimo, tiveram de chamar um médico de São Paulo para operá-lo, e no fim Streiff ficou tetraplégico. Jacarepaguá estava condenado.

Senna tinha sido campeão em 1988 e já era unanimidade nacional, ídolo e tal. Acho que fez a pole de novo. Sim, fez. Consegui escapar do fiscal português e fui para dentro da pista, atrás do guard-rail da primeira curva, junto com os fotógrafos. Na largada, acho que foi o Berger que deu uma prensada no brasileiro e arrancou asa dianteira, bico, voou peça para todo lado e me abaixei para não tomar um aerofólio no meio da ideia.

Ayrton ainda voltou para a corrida, mas no fim as honras do domingo ficaram com Nigel Mansell, já na Ferrari, a primeira vitória de um carro com câmbio semi-automático na F-1. Era um caminho sem volta, e aquele troço tinha sido desenvolvido pelo Roberto Pupo Moreno no ano anterior em testes em Fiorano. Algum tempo depois ninguém mais trocaria as marchas com alavanca de câmbio.

Do que me lembro: Gugelmin chegando em terceiro, fazendo um pódio tão improvável quanto memorável, e desolado na coletiva pós-corrida porque ninguém perguntou nada para ele (depois os jornalistas brasileiros foram conversar com o rapaz, que voltou a sorrir), do pombal onde nos instalamos na Barra, ou Jacarepaguá, e de usar as lentes dos fotógrafos para espiar os apartamentos dos outros prédios; de um acidente de avião que acontecera naquela semana em Guarulhos, um cargueiro da Transbrasil que caiu em cima de várias casas matando muita gente em terra e toda a tripulação; de um bercinho no apartamento que alugamos, onde escreveram “cama do Flavinho”.

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Acidente em Guarulhos: na semana do GP

Vai começar a classificação agora, depois volto com lembranças das outras corridas. Faltam só 28.

Ô ideia de jerico, essa minha de lembrar 30 GPs do Brasil…

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Luiz AG
Luiz AG
5 anos atrás

Na linha de informações irrelevantes esse avião que caiu em Guarulhos foi o mesmo avião utilizado no filme “Airport” de 1970.

Marcio Negrão Marolla
Marcio Negrão Marolla
5 anos atrás

Adoro seus textos de lembranças.

Felipe Fugazi
Felipe Fugazi
5 anos atrás

Tou rindo demais com essa viagem no tempo.
Nem lembrava que já ouve um Onyx Jeans.
USTOP sim, acho que já tive um.

Sou saudosista.
Lembro do berro estridente dos Renault V10 da Williams em 1989.

Coisa linda…

Era fã do Senna, mas convenhamos… ele era uma vaca brava danada quando se tratava de GP Brasil.

Lucas
Lucas
5 anos atrás

Suave, vai no seu tempo.
To esperando os próximos posts.
Abraço

Gabriel
Gabriel
5 anos atrás

Continua! Sem pressa, vai buscando os detalhes, contando os percalços e essas curiosidades sem fim!
Ansioso para as próximas memórias