GUARUJÁ (e foi demais) – Lá nos anos 90, qualquer moleque que ganhasse uma ou duas corridas em qualquer torneio de kart era chamado de “novo Senna” pelos jornais, quando as assessorias de imprensa, que já existiam, eram eficientes. Foram tempos de pais sonhadores, que se deleitavam “naquelas manhãs de domingo” e gastavam os tubos com os filhos para ver se um dia estariam, eles, arrancando lágrimas do povo nas manhãs de domingo.
Bem, não muitos chegaram lá para derreter os corações verde-amarelos nas manhãs de domingo, e como se sabe nenhum deles virou algo que sequer se aproxime de ser um “novo Senna”.
Mas em 1993, fui ver de perto um desses, e é possível que tenha embarcado na onda. Não achei no acervo do jornal o que escrevi, mas lembro, sim, de ter usado “novo Senna” em algum momento, mesmo que fosse na linha “quem sabe”.
Mas não me arrependo de ter levantado a bola daquele garoto de 14 anos que empilhava taças e títulos no kart. Ricardo Maurício não se transformou num novo Senna, mas virou um dos maiores pilotos brasileiros dos últimos 20 anos. Hoje, conquistou o bi na Estoque. Já tinha sido campeão em 2008. Poucas semanas atrás, tornou-se também bicampeão brasileiro de Marcas.
O título veio numa corrida sensacional, em Interlagos. Pena que com menos gente nas arquibancadas do que o thriller merecia — ainda assim, um bom público, próximo da realidade do automobilismo brasileiro de hoje, que não arrasta multidões a lugar algum, esqueçam. Na ponta, uma disputa de pilotos de excelente nível, como Zonta, Camilo, Cacá e Ricardinho — assim tratado aqui, no diminutivo, muito menos por alguma intimidade com o próprio do que por seu tamanho de gnomo, como este que vos escreve, gnomo ainda menor.
Não errei com Ricardo Maurício, enfim. Ele deixou o kart, onde o conheci depois de ver algumas corridas realmente boas, para ganhar o Brasileiro de F-Ford em 1995 e seguir o caminho natural daqueles tempos, a Europa. Lá, foi o primeiro brasileiro, salvo engano, adotado pela Red Bull, a caminho da e na F-3000. Pena para ele que a Red Bull ainda engatinhava no mundo do automobilismo. Se ele tivesse tido essa chance uns cinco ou seis anos depois, quem sabe o que o futuro lhe reservaria.
Depois de esmurrar ponta de faca por um tempão na Europa, o que custou inclusive a saúde financeira de sua família, que nunca foi mlionária, longe disso, Ricardinho ainda deu um último suspiro nos monopostos ganhando um título espanhol de F-3, em 2003. Então, voltou. Com 25 anos, foi tentar ganhar a vida na Stock.
E ganha até hoje, como se sabe, assim como em outras categorias. É um piloto refinadíssimo, de inteligência rara e mais rara ainda capacidade de ler uma corrida, interpretá-la, usar os parcos recursos que os carros estoqueanos oferecem e deles tirar o máximo de rendimento e durabilidade.
Foi assim que, hoje, ganhou o bi em Interlagos, na prova (e no milhão) ganha por Zonta. Foi um final emocionante porque até o último instante Thiago teve a chance de ser campeão, se Cacá conseguisse passar Maurício na busca pelo segundo lugar, o que acabou não conseguindo, e não foi por falta de esforço.
Uma grande decisão, em resumo. Ricardo fechou a temporada três míseros pontos à frente de Thiago Camilo, outro que lutou bravamente até o fim e acabou traído pelo câmbio que travou em quinta, um pecado. Ganhou apenas uma corrida no ano, mas construiu seu campeonato, como de hábito, na regularidade, chegando ao pódio com frequência e pontuando sempre. A Stock fecha o ano em curva de crescimento, com novidades prometidas para 2014 e deixando uma boa impressão no que diz respeito àquilo que acontece na pista. Tem um monte de defeitos, mas depois de uma prova como a de hoje, seria injusto ficar falando deles.
Hoje vimos uma corrida entre grandes corredores. No fundo, é tudo que a gente quer.
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