O COMEÇO DE TUDO

SÃO PAULO (sempre fui) – Pois que segunda-feira foi Dia do Jornalista. Que bom. Agora entendi por que recebi algumas mensagens de pessoas desconhecidas me dando parabéns.

Neste mês, salvo engano, completo 32 anos de profissão. Também tenho lá minhas efemérides. Considero o dia em que minha primeira coluna foi publicada no “Popular da Tarde” o marco zero da minha carreira. Acho que escrevi sobre os 30 anos dois anos atrás.

Mas há uma certa imprecisão aí. Porque eu jamais poderia ignorar a famosa “A Patada Quadrada”, periódico que teve apenas um número e foi descontinuado, provavelmente, porque naqueles tempos de ditadura não era nada fácil ser dono de jornal.

“A Patada Quadrada”… Saudades daqueles tempos, daquela redação destemida e arrojada. Foi fundada no dia 7 de agosto de 1973, auge do governo militar. Precisava ser muito corajoso para encarar os milicos e driblar a censura. No dia 8 pela manhã uma última notícia foi publicada no pé da página 6, e as demais ficaram em branco. Será que nos empastelaram?

Não lembro bem. Eu tinha 9 anos e a decisão firme de ser jornalista estava tomada. Acho que já contei. Resolvi ser jornalista graças a um jogo de tabuleiro cujo nome não lembro, mas que jogava com minha mãe. Os personagens eram um repórter, talvez um chefe de redação, um policial, um bombeiro, um assaltante. Jogávamos os dados e cada um tinha de cumprir sua missão. O assaltante, assaltar um banco; o policial, prender o assaltante; o bombeiro, apagar um incêndio; o chefe, mandar o repórter, no caso eu, que sempre escolhia o repórter, chegar antes do assaltante, do policial e do bombeiro às cenas dos acontecimentos. O repórter estampado no tabuleiro usava chapéu e tinha uma etiqueta onde se lia “Press” presa por dentro de uma fita.

Eu queria ser repórter e usar um chapéu daqueles. Nada mais me importava na vida.

Então, finalmente, no dia 7 de agosto, fundei “A Patada Quadrada”. No expediente, anotei o nome do diretor, Patinhas, e do repórter, Donald. Creio que fiz isso para que o DOI-Codi não me encontrasse. Daí os pseudônimos, porque na verdade o diretor era eu mesmo, assim como o repórter.

Em sua curta existência, “A Patada Quadrada” publicou 13 notícias e dois anúncios. E apenas uma ilustração, perpetrada por algum artista marginal da época, possivelmente ele também procurado pelos órgãos de repressão. Era uma almofada, que ilustrava a primeira notícia do jornal:

Hoje a Dona Wilma fez uma almofada nova.

Como se nota, e se notará nas demais notícias, “A Patada Quadrada” era moderníssima. Muito antes que seus concorrentes, já adotava textos curtos, antecipando o que 40 anos depois seria chamado de Twitter. Textos curtos e diretos, essa era nossa norma, era o que ditava nosso Manual de Redação. Como na segunda nota, uma denúncia grave que já vinha acompanhada do desfecho da apuração:

O Sr. Fernando hoje não quis tomar banho porque não estava com vontade.

Exemplo de “new journalism”. A denúncia, repito, grave: meu irmão não quis tomar banho. Caso investigado, a conclusão: não tomou porque não estava com vontade. O episódio certamente teria repercussão no dia seguinte, e é uma pena que “A Patada Quadrada” não sobreviveu por muito tempo, de modo que não saberemos nunca quais as consequências do ato tresloucado do Sr. Fernando.

Nesta página, aliás, talvez esteja uma das explicações para a falência de “A Patada Quadrada”: o primeiro dos dois anúncios da edição, no qual se lia “Assista o Disney On Parade” — a outra propaganda dizia só “Creditotal da Ultralar”, reclame barato e pequeno. Com tão parcas receitas, obviamente resultado de um boicote das agências de publicidade àquele jornal que nascia com ideias de esquerda, seria difícil pagar os salários dos funcionários, a gráfica e a distribuição.

Ainda assim, o valente diário foi às bancas com um vasto cardápio de notícias de várias editorias, como Esporte, Política, Cultura e Comportamento.

Hoje eu fiz uma arminha de “plastito”.

A “Rede Globo” fez um novo show. É o Fantástico.

Na novela “Cavalo de Aço” ninguém sabe quem matou o velho Max. Desconfiam do Atílio.

A terceira página, de notícias policiais, tinha no alto o título dramático:

O grande apelo dos pais do menino raptado.

E, depois, um retrato das mazelas do Rio de Janeiro, onde “A Patada Quadrada” era editada, no segundo andar de obscuro prédio de Copacabana:

Quando eu fui no médico, teve um assalto na loja do lado.

Um testemunho forte e eloquente, colhido direto da fonte, nada de versões fajutas da polícia, o fato nu e cru: fui ao médico, vi a loja ser assaltada. Ninguém me contou. Eu vi.

Claro que um jornal combativo e de tendências subversivas como “A Patada Quadrada” precisava alisar o regime, também, e só isso justifica a nota anódina e desimportante que veio a seguir:

O ministro Jarbas Passarinho abriu uma sala de conferências que funcionará até o dia 9-8-73.

Esse tipo de notícia era muito comum em “A Patada Quadrada”. Os militares ficavam doidos, porque estava na cara que a frieza e distanciamento calculado da nota, a ausência de adjetivos e de loas aos nossos governantes, eram, no fundo, um ataque à ditadura. Era como se disséssemos: “O pulha do ministro vai inaugurar mais uma obra sem importância, enquanto nossos jovens morrem nos porões”. Isso me causaria problemas no futuro, como se verá, assim como a militância ecológica que incomodava muito os generais:

Uma baleia está dando cria nas praias do Guarujá.

Na seção de Esportes, mais afrontas ao regime. Nada de elogios à seleção, à CBD, ao gigantismo dos novos estádios que estavam sendo construídos no Nordeste. Somente duas notas, ambas eivadas de críticas à situação do esporte nacional:

O Gilson vai entrar no Campeonato de Autorama.

O jogo Flamengo x Bonsucesso que ia ser hoje foi adiado para o dia 14.

Gilson era um perigoso agente comunista, pseudônimo de um guerrilheiro que estava no Araguaia. Aquela nota era evidentemente cifrada, uma mensagem a alguém no Rio. O SNI percebeu. O adiamento do jogo do Flamengo expunha a bagunça do futebol brasileiro. Eles não suportavam tais críticas.

A pá de cal em “A Patada Quadrada” certamente foi a última nota do dia 7 de agosto de 1973, notícia de última hora, alarmante:

A agência União de Bancos foi assaltada. Os ladrões levaram 143.900 cruzeiros.

É só levantar nos arquivos. Óbvio que foi coisa da VAR-Palmares, e esse assalto não poderia nunca ter sido tornado público, para não levar o pânico à população e, igualmente, não entusiasmar demais os comunistas entocados nos aparelhos espalhados pelo país.

Daí que no dia 8 de agosto, “A Patada Quadrada” publicou sua derradeira notícia antes de encerrar suas atividades:

Hoje eu vou ter no colégio uma pesquisa sobre Santos Dumont.

E nada mais foi escrito. A história de coragem e valentia de “A Patada Quadrada” no combate à ditadura, de suas inovações gráficas e estilísticas, de sua militância pelo meio-ambiente e crítica ao regime ainda está por ser escrita.

Espero que a descoberta de seu único exemplar, que encontrei hoje numa velha caixa de sapatos, jogue um pouco de luz sobre esse importante capítulo da história da imprensa brasileira.

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peter von wartburg
9 anos atrás

que du caralho, fantástico esse início jornalistico. tô na turquia. vai querer sabonete?! hahaha.

Daniel
Daniel
9 anos atrás

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk… muito bom…

Luis felipe
Luis felipe
9 anos atrás

Fantastica a conclusao. O ativismo amniental que incomodava os militares rsrsrs

Ivan
Ivan
9 anos atrás

Esse texto tá lá no Nassif.

Anselmo Coyote
Anselmo Coyote
9 anos atrás

Muito bom. Excelente.
Eu senta no chão e a roda da máquina de costura da minha mãe era o volante da minha máquina de corrida. Era só afrouxar o parafuso da proteção da correia e ela virava um câmbio, como os da Simca Chambord. Ali eu voava em corridas imaginárias. Era o rei e só perdia por acaso e p/dar mais graça ao meu imaginário.
Não fui automobilista. A vida me mostrou e eu trilhei outros caminhos (e que caminhos!!), mas tenho meus karts, meus motores, meu box no kartódromo, minha carreta de carregá-los para outras pistas ou para a minha casa para brincar um pouco na mecânica, no acerto… ou só para ter um ou outro por perto mesmo. E corro toda semana. A turma é excelente, a camaradagem rola solta e as disputas para baixar o tempo e ser o P1 do dia são acirradas. Brigamos em cima de centésimos de segundo. Sempre fazemos umas corridinhas de 12, 15 ou 18 voltas e os pegas são insanos.
É possível ser feliz, graças a Deus (p/quem não acredita nEle também).
Parabéns, Flávio.

Marcio Fidelis
Marcio Fidelis
9 anos atrás

Lindo mesmo!!! Vocação para ser!!!

Dan Patricio
Dan Patricio
9 anos atrás

parabéns!!! fico contente também por você não ter pego por acaso o “assaltante” no jogo de tabuleiro, as consequencias seriam catastroficas!!…(rsrs)

Pablo Vargas
Pablo Vargas
9 anos atrás

Muito bacana ter guardado essa jóia. Nos faz lembrar que já fomos crianças e que tivemos essa visão inocente e doce do mundo. Parabéns, Flavio.

augusto
augusto
9 anos atrás

parabéns e muitos anos de sucesso antes de se aposentar, se é que vai!

Alex
Alex
9 anos atrás

Meus parabéns! Eu sempre leio porém nunca comento nada. Dessa vez me senti na obrigação de lhe dar os meus parabéns. não apenas por esse texto ou pelo dia do jornalista mas sim por tudo que acompanho aqui desde 2007. Eu não consigo passar um dia sem vir aqui…Cara você é Foda.

Sandro
Sandro
9 anos atrás

Nossa infância foi sensacional, simplesmente fantástico esse texto.

Airton Silva
Airton Silva
9 anos atrás

O nome do periódico do Flavio foi inspirado nos Gibis da Disney dos anos 70, pois lembro que “A Patada” era o jornal de Patópolis e o seu principal repórter era o atrapalhado Peninha.

Anselmo Coyote
Anselmo Coyote
Reply to  Airton Silva
9 anos atrás

O famigerado e mais atabalhoado Morcego Vermelho. ;)

carlos lima
carlos lima
9 anos atrás

Flavio, que texto fantástico! Um presente aos privilegiados leitores deste blog. Bravo!

Ulisses
Ulisses
9 anos atrás

Parabéns Flavio!!!!

Segunda-Feira foi um dia para ser muito comemorado (passei batido), principalmente porque, nesses tempos de trapalhadas gastro-intestinais de nossa democracia que não se acerta nunca, a imprensa desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das liberdades democráticas no país. Está na linha de frente!
E você, sem dúvida, é uma das referências na forma com que o jornalismo brasileiro tem que ser conduzido, mesmo com opinião política bastante definida e mesmo que … você não queira!

Renan Bastos Leite
9 anos atrás

Se todos tivesse o amor pela profissão como você tem, as coisas seriam bem diferentes. Parabéns pela delicadeza do texto.

Renan Bastos Leite
Reply to  Renan Bastos Leite
9 anos atrás

*tivessem

Marino
Marino
9 anos atrás

Jornalismo puro na veia!!!! Além disso, dá pra perceber que voce já conhecia todas as táticas para “driblar” a censura e os milicos. Criou um jornal usando figuras e utilizando pseudonimos dos ianques capitalistas, golpistas do Walt Disney!!!! Ótima estratégia! afaga de um lado, e senta a porrada do outro (o assalto que não devia ser divulgado). É um prazer ler seu blog Flavio. parabéns!

do Pandeiro
do Pandeiro
9 anos atrás

É disso que eu falava ontem, quando comentei uma outra notícia do seu blog. Bravo! Faz a gente perceber que nós, pobres mortais desconhecidos, temos os mesmos sentimentos das pessoas famosas, quando nos apegamos a pequenas coisas de nossa infância, para a grande maioria totalmente sem valor. Emocionante.

Lincon Sousa
Lincon Sousa
9 anos atrás

Flavio, parabéns pelos 32 anos!!!

O que mais me impressionou é isso ainda estar guardado contigo… muito bom!

Abs,

Jeff
Jeff
9 anos atrás

Prefiro “A Patranha”, do Patacôncio.

Carlos Tavares
Carlos Tavares
9 anos atrás

Sensacional. Parabéns atrasado pelo Dia do Jornalista, e por ser um de verdade.

Francis
Francis
9 anos atrás

Parabéns e principalmente, OBRIGADO. Obrigado por não fazer daquele jogo somente um sonho de criança, uma vontade que dá e passa, mas por ter seguido firme em um ideal e ter a coragem de assumir o que realmente queria fazer e ser. Acho que se tivesses escolhido seguir outra profissão, não serias completo e nem feliz. Sua determinação dá-nos, hoje, o resultado diário de uma boa escolha: sua redação – na forma e conteúdo – brinda-nos com o que há de melhor. Pena não termos mais Flávios Gomes espalhados pelo jornalismo, educação, política… Pois assim teríamos de volta aquele mundo legal que se foi. Agradeço imensamente essa luz que nos ilumina através de suas palavras. Continue sempre assim e, depois de tanto tempo, acho que você não muda mais…

Luciano
Luciano
9 anos atrás

Grande FG! É apaixonante seu amor pelo jornalismo, e muito legal seu texto!

fernando duarte amaral
fernando duarte amaral
9 anos atrás

se achou, por que nao escaneia e publica aqui para vermos ??? vai Lusa !

Emerson
Emerson
9 anos atrás

Eu só tenho que dizer que, depois dessa, virei teu fã. Eu acho engraçado o fato de que, só por ler os gibis da Disney, parece que separa as pessoas mais inteligentes das menos inteligentes. O meu favorito até hoje é o Tio Patinhas, eu ainda compro gibis e, quando eu tinha uns 9 anos dizia pro meu tio, um fanático por quadrinhos, que aprendia as coisas através dos gibis, isso fazia com que meus pensamentos se aproximassem dos dele, um cara na época com 49 anos. Parece que as aventuras dessas historinhas naturalmente despertam uma curiosidade investigativa, uma percepção à mais nas pessoas. Eu aprendi a ler e escrever (já fui colunista de algum jornal por aí) graças aos gibis. Chegamos a ter, eu e um amigo, uma “GIBLIOTECA”, que teve 5 sócios, o objetivo era unir os gibis de todos os sócios numa só garagem, para que cada um pudesse ler sem ter que pedir aos outros, bastava ter a carteirinha, que nós caprichosamente confeccionávamos em papelão.

E minha filha tem hoje 9 anos, e eu sinto uma pena dela porque ela prefere ler “A Turma da Monica”, que eu sempre odiei. Mas ainda estou tentando empurrar Almanaques do Tio Patinhas na gaveta do banheiro dela, é uma pessoa inteligente, vai que um dia dá certo…

Ah, eu também lia gibis do “Tex Willer”, meu faroeste preferido. Mas isso é outra história.

De qualquer forma, obrigado por compartilhar isso, eu também fazia coisas parecidas com essas, e isso só reforça minha teoria de que quem lê quadrinhos é mais inteligente.

Alexandre Giesbrecht
Reply to  Emerson
9 anos atrás

Tirando a figura do tio (no meu caso, sempre foi meu pai) e a leitura do Tex, o passado do texto acima poderia ter sido escrito por mim. No meu caso, meu filho agora está começando a aprender a ler. Por ora, curte o que se coloca em sua frente. Ele adora folhear revistas em quadrinhos e livros infantis. Vamos ver se ele “segue o caminho certo”. Obviamente, deixarei inúmeras histórias de Carl Barks à sua frente! Faça o mesmo com a sua filha. A idade em que ela está é perfeita para começar a se encantar com as histórias do Barks.

Christian Capato
Christian Capato
9 anos atrás

É como se diz em um certo reclame de refrigerante: “tudo começa com a diversão!”

Alexandre Giesbrecht
9 anos atrás

Caro Flávio, mil perdões por ter-me estendido tanto no comentário anterior. Mas a culpa é sua! :)

Alexandre Giesbrecht
9 anos atrás

Eu nem deveria começar a escrever minhas memórias aqui, pois corro o risco de cometer um texto gigantesco. Prometo, pois, ser o menos prolixo que eu conseguir.

Minha primeira memória também é dos nove anos de idade, um “jornal”, de cujo nome não me lembro, que publiquei durante uma viagem com meus avós a Itanhaém. O jornal já nasceu encadernado, publicado que era nas páginas de um caderno adquirido exatamente para esse fim. Alternava notícias gonzo — como a de quando meu avô foi ao mercado e esqueceu parte das compras no teto do carro, sobrando apenas o tapete de chuveiro, que ficou devidamente “grudado” — e hard news, como a explosão da Challenger, ocorrida naqueles dias. É exatamente por causa dessa notícia que me lembro da minha idade.

Mas meu negócio, mesmo, era desenhar histórias em quadrinhos, apesar de eu ser um péssimo desenhista. Segui nessa toada até os catorze anos, graças à inspiração das histórias em quadrinhos desenhadas pelo meu pai na infância e adolescência. Tenho até hoje várias das revistas que ele publicou, acho que entre 1963 e 1970. Embora houvesse vários números acima do cem, desconfio que ele pulou alguns números. A coleção segue praticamente completa até por volta do número 80, depois começam a aparecer “buracos”.

A minha coleção foi muito menos longa, embora mais vasta, pois eu tinha umas quatro ou cinco publicações concomitantes. Eu fazia no mesmo esquema que o meu pai, colorindo apenas a capa e uma ou outra página interna, mais ou menos como era O Pato Donald nos anos 1950. Eram as referências do meu pai e também as minhas, já que ele mantém até hoje a coleção do Pato completa do número 1 ao 1900, mais ou menos.

Mas chegou uma hora em que percebi que desenhava como uma criança de seis ou sete anos, embora já tivesse quase quinze. Cessei as publicações de quadrinhos, embora não tenha fechado a editora, afinal eu orgulhava-me de tê-la fundado em 1981, dez anos antes, e não poderia deixá-la morrer. Eu só nunca consegui uma explicação da data. Em 1981, eu já sabia escrever, é verdade, e escrevia livros e desenhava histórias em quadrinhos, da maneira como se espera que uma criança de cinco anos o faça, mas não me lembro de ter inventado o nome de uma editora até, sei lá, uns dois ou três anos depois. Mas eu tinha definido que a data de fundação era em 1981, e, naqueles tempos, minha palavra era final na Editora Matriz.

A empreitada seguinte da editora serviria para suprir uma lacuna na minha vida, criada quando a Placar cessou suas publicações semanais, em agosto de 1990. A Matriz, claro, seria a responsável por uma revista que fizesse o mesmo papel. O nome, por mero acaso, era um sinônimo de “placar”: Escore. Mas havia um problema: devido ao Plano Collor, não havia verba para mandar fotógrafos aos estádios e coisa e tal nem para comprar material de agências. Ok, talvez o Plano Collor não tivesse nada a ver com isso, mas fica mais legal contando assim.

Então, em vez de cobrir o Campeonato Brasileiro de Futebol, a Escore passou a cobrir o Campeonato Brasileiro de Futebol… de Botão, realizado no meu quarto, mesmo. Como eu sempre quisera ver um campeonato em pontos corridos, o meu Brasileiro era assim, com oito clubes disputando o título. Havia até uma segunda divisão, uma Copa do Brasil e campeonatos regionais e estaduais. E a revista seguiu firme e forte, semanalmente, por mais de cinquenta edições. Confesso que o “forte” devia-se mais aos excelentes desenhos do meu vizinho Zé do que ao meu talento jornalístico. Acho que tenho todas as edições, guardadas em algum armário inacessível na casa dos meus pais.

Um ano após o fim da Escore, chegou o primeiro computador em casa. Para mim, a maior utilidade seria diagramar minhas revistas. No começo, eu usava o Paintbrush, mesmo. Imagine minha surpresa ao descobrir que dava para fazer em formato de papel, mesmo, em vez do formato padrão que o programa abriu para as primeiras edições publicadas. Eu pegava os cliparts que vinham com o Windows 3.1 e espalhava-os pelas páginas. Fazia as classificações no Excel e dava um jeito de importá-las para o Paintbrush, via “PrintScreen”.

Algum tempo depois, migrei para o Word. Para ter certeza de como poderia usá-lo com mais de uma coluna por página, passei dias tentando diagramar uma página do Estadão no Word. Por incrível que pareça, deu certo, e pude diagramar a nova revista esportiva da Editora Matriz, no Word: a Goleada. Seu auge foi em 1995, quando todas as segundas e terças eu dava um jeito de ir à Praça da República, para comprar jornais de outros estados e até de outros países. Eles serviriam de fonte para textos, fichas técnicas e fotos, escaneadas para entrar na edição daquela semana. Àquela altura, a cobertura tinha deixado os campeonatos de botão e resumia-se apenas ao bom e velho futebol profissional.

Não é difícil imaginar que, apesar de a publicação supostamente ser semanal, devido a todo esse processo e à quantidade de páginas, eu levava muito mais que uma semana para escrever cada uma delas, então elas saíam meio que mensalmente ou bimestralmente, dependendo de quantas provas eu tivesse na faculdade. Obviamente, eu pulava os números. Assim, por exemplo, o número 48 foi seguido, acho, pelo 53 ou algo do tipo.

Folheando alguma revista, descobri que a Microsoft estava lançando um programa para diagramação de páginas, chamado Publisher. Eu até lidava com PageMaker na faculdade, mas ele era caríssimo e eu não tinha como comprar. O Publisher custou-me R$ 120 na época (começo de 1996), tirados do meu primeiro salário em uma editora (como contato comercial). Mas, no fim das contas, usei-o muito pouco para diagramar revistas. Ele foi muito mais útil para diagramar trabalhos de faculdade, embora meus colegas de grupo sempre odiassem quando eu tentava fazer trabalhos com mais de uma coluna por página.

Minha relação com diagramação passou a ser exclusivamente por hobby. Sim, eu diagramo revistas como passatempo. Outro dia, mesmo, peguei o álbum de figurinhas da Copa União de 1988 — o Brasileiro daquele ano realmente chegou a ser conhecido assim, apesar de muita gente achar que Copa União foi só a de 1987 — e rediagramei, no InDesign, duas páginas. Apenas escaneei as figurinhas, que entraram no layout exatamente como foram coladas no meu álbum original, ainda comigo, embora com a capa colada com durex e maltratado pelo tempo.

Bem, pelo visto isto é o menos prolixo que consigo ser em um assunto tão apaixonante e que também faz parte da minha infância e adolescência. E olha que deixei vários episódios de fora… :)

GHG
GHG
Reply to  Alexandre Giesbrecht
9 anos atrás

Imagina se não fosse resumido.

Marcelo Masili
9 anos atrás

Absolutamente divertido. Parabéns e obrigado, bicho.

marcos andré Rj
marcos andré Rj
9 anos atrás

Parabéns pela profissão. Parabéns pelo texto.

Sempre gostei de carros e corridas, como não tinha grana e nem incentivo pra ser piloto, na adolescência pensei que poderia ser jornalista especializado, pois assim estaria nos autódromos do Brasil e quem sabe do mundo…

Na época aqui no RJ tinha um jornal especializado em corridas e como eu era voluntário no RAC ( rio auto cross clube) sempre mandava pra eles um relato das provas…nem lembro se publicaram, mas depois não sei porque acabei vertendo para o mundo do comércio, mais precisamente Farmacia e Drogaria ..seguindo os passos do meu pai.

Geraldo
Geraldo
9 anos atrás

O menino raptado no RJ era o Carlinhos ????

Iuri Jacob
Iuri Jacob
9 anos atrás

Não teria o próprio nome, “Patada Quadrada”, um teor sutilmente subversivo?

Gus
Gus
9 anos atrás

Parabéns Gomes, tu realmente nasceu para ser um ótimo jornalista – que graça encontrar um rumo na vida ainda sendo uma criança.

Tuta
Tuta
9 anos atrás

Bem escolhida a Maga Patalogika: é a mais gostosa de Patópolis!y

JT
JT
9 anos atrás

Meu irmão mais velho nasceu em 7 de agosto de 1973. Esse dia só poderia ser especial.
Lembro que desenhávamos casas em folhas de papel sulfite e distribuíamos ela sobre o tapete da sala, formando uma cidade.
Ele se formou engenheiro – e viveu como tal por exatamente uma semana. Eu me formei arquiteto e há 15 anos venho me reformando na profissão.
Também quis ser jornalista na infância. Na quinta-série apresentei um trabalho de Ciências em formato de revista, imitando a Super Interessante. Tirei nota “A”.
Parabéns aos jornalistas. Não é uma profissão fácil, mas é um ofício apaixonante.

Marcos Alvarenga
Marcos Alvarenga
9 anos atrás

Parabéns pelos 49 anos de jornalismo.

Continue sendo exemplar na escrita e referência pra muitos outros apreciadores e profissionais.

Henrique
Henrique
9 anos atrás

Sensacional.

José Brabham
José Brabham
9 anos atrás

Muito massa! Lembrei de minha infância… somos da mesma idade e esses seus artigos me fazem viajar no tempo!

Oi?
Oi?
9 anos atrás

Emocionante. Quase troquei minha profissão pelo jornalismo. Fui um “quase-super estagiário” do maior portal de automobilismo no Brasil. Até hj fico feliz por ter tido um texto lido e aprovado pelo GP. Feliz dia do jornalista.