FAJITAS (1)

faj-1SÃO PAULO (de carne e de frango) – Falemos do México. Desculpem o atraso, estava em reunião longe, o trânsito deu uma travada monstro, só agora consegui sentar ao computador.

Hermanos Rodríguez… Adoro o autódromo e a Cidade do México. Estive nas duas últimas corridas disputadas lá, em 1991 e 1992.

Aproveito para contar uma historinha, que já devo ter contado, mas tudo bem.

Em 1991, pela primeira vez levei um laptop para trabalhar. Até então, eu resistia bravamente com as máquinas de telex. Mas como o fuso horário era desfavorável, nossa marmitinha (era assim que chamávamos o Toshiba T1000 igual a esse da foto aí embaixo) seria necessária. O fim dos treinos e da corrida coincidia com o horário de fechamento do jornal. Era preciso mandar as matérias rápido, para não atrasar a bagaça. Por telex, o envio demoraria muito. Eu teria de escrever, picotar a fita, entrar na fila do operador, enviar para a máquina no Brasil, o texto chegaria a São Paulo e teria de ser digitado, não ia dar tempo.

t1000Fiz um breve treinamento na Redação (eu não curtia muito essa modernidade, adorava telex e achava que essas coisas informatizadas davam pau demais) e levei o Toshiba. Não fiz nenhum teste, mas não era muito complicado. Basicamente a gente tinha de escrever o texto como faz hoje em qualquer Word da vida, salvá-lo, conectar o pequeno computador numa linha telefônica e configurá-lo para ligar para um negócio chamado Infonet, que tinha números locais em tudo que era cidade importante do mundo — assim a ligação ficava barata, porque fazer um telefonema internacional custava os olhos da cara.

Quando conectava com a tal Infonet, a gente dava um comando qualquer e o texto era transmitido para um servidor sei lá onde, que por sua vez o retransmitia para o jornal. A vantagem é que chegava rápido, à estonteante velocidade de 2.400 bytes por segundo (ou seria por minuto? Vocês que entendem disso me digam), e já entrava no sistema de edição, sem ter de passar por um digitador. Tudo muito rápido e limpo. Ninguém sujava os dedos no carbono dos rolos de telex.

Só que naquele tempo a gente não alugava linha telefônica no autódromo, porque era muito caro. Então, o negócio era escrever o texto, pegar o Toshiba, levá-lo à central telefônica da sala de imprensa, pedir uma linha para fazer uma ligação local, conectar o laptop nessa linha (rezando para que a entrada na parede fosse igual à do cabo que levávamos; na verdade, eu tinha uma maleta só de plugs telefônicos do mundo inteiro, se fosse preciso, porque cada país tinha um padrão diferente), e, se tudo desse certo, o computador pegava a linha, identificava que aquilo era um telefone, discava o número (sim, porque se a linha fosse antiga, de pulso e não de tom, ele tinha de discar, mesmo), conectava com a Infonet e mandava o texto.

[bannergoogle] Bom, eu estava com pressa. Na quinta-feira, por conta do horário, nem usei o Toshibinha. Não tinha treino, escrevi mais cedo e mandei tudo por telex, mesmo. Depois de fechar o dia é que pretendia testar a traquitana. Mas no fim nem testei nada, porque a turma estava saindo para jantar e fui na balada. No dia seguinte resolveria a parada.

Aí, na sexta-feira, não é que o diabo do cara me capota na Peraltada? Puta que la mierda. No domingo anterior, ele já tinha tomado um tombo de jet-ski e machucou feio a cabeça. Senna dava esses sustos na torcida e na imprensa. A McLaren de cabeça para baixo seria manchete em todos os jornais no dia seguinte. Foi no primeiro treino oficial, que valia para formar o grid. Só sei que a correria foi enorme. O horário era muito ruim para todo mundo. Os europeus, coitados, ficavam desesperados. Consegui escrever tudo, deu até para pegar uma palavrinha de Ayrton e do doutor Sid Watkins, mandei bala no Toshiba e, com tudo pronto, corri para a sala onde ficavam os telefones.

pacific-telephonePuta que la mierda de novo. O mundo estava naquela sala. Todos os jornalistas do planeta enlouquecidos atrás de uma linha para despachar suas matérias, e no centro dessa sala duas pobres operadoras mexicanas diante de uma daquelas mesas dos anos 40 cheias de entradas e saídas, cabos elásticos, fones no ouvido, um caos. Parecido com isso aí do lado. Igual, eu diria. Com a diferença de que elas, coitadas, eram só duas. E só falavam espanhol.

Obviamente eu não conseguiria nunca uma linha naquela bagunça incontrolável. Catei o laptop, desci da sala de imprensa, encontrei um orelhão, liguei a cobrar para o Brasil e pedi o redator mais rápido no teclado para que eu pudesse ditar as matérias. Acho que foi o grande Constantino Ranieri o incumbido da missão. Ele era um foguete. Deu certo. Fechou na hora. Sempre fecha. Para quem tiver curiosidade de ler os textos, estão aqui.

Depois daquilo, desisti do Toshiba. Achei muito precário, as corridas seguintes seriam na Europa, cinco horas na frente do horário brasileiro, as máquinas de telex estavam lá, lindas e maravilhosas, não queria nem ouvir falar de laptop.

Mas foi só naquele ano, porque em 1992 a FIA mandou tirar todas as máquinas de telex das salas de imprensa e tive de me render ao Toshibinha. No GP da África do Sul, abertura do Mundial, levei o bichinho na bagagem. Funcionou direitinho. Principalmente depois que descobri que a tomada para aparelho de barbear, no banheiro, não carregava a bateria.

Putz, que história longa.

Sobre os treinos de hoje, vi tudo meio picado. Notei que a pista é bonita, que o público está entusiasmado, que o asfalto é muito escorregadio, que a altitude contribui para reduzir ainda mais a pressão aerodinâmica e o “grip” (apesar de todo mundo carregar nas asas), e que o trecho do estádio de beisebol, onde ficava a Peraltada, é visualmente impressionante, mas inútil. Os carros passam por lá quase parando, acho difícil acontecer qualquer coisa de relevante naquele trecho. Depois, a entrada da grande reta estava um sabão só. Neguinho vai se perder lá — Verstappinho bateu logo no começo do segundo treino, pobrecito, ele que fora o mais rápido de manhã, tornando-se o mais jovem piloto da história a cravar um P1 numa sessão oficial de treinos da categoria.

A reta e o ar rarefeito, aliás, proporcionaram a maior velocidade absoluta registrada na F-1 em uma década: 362,3 km/h, de Hamilton, embora a média do circuito não seja muito alta. Rosberg foi o mais rápido do dia, a Red Bull andou bem e a McLaren surpreendeu, com Alonso em oitavo e Button em nono. O relato está aqui, com tudo que aconteceu na sexta-feira — que teve pista molhada pela manhã e chuva fraca no final do treino vespertino.

Mas apesar do assassinato da Peraltada, é México, a enorme reta dos boxes está lá, os “esses”, a reta oposta, e as lembranças dos anos 80 e 90, também. É legal demais quando uma corrida acontece onde o povo é apaixonado por velocidade. Arriba, México!

E pra fechar, uma foto de Alexander Rossi, coitado, já que a Manor nunca aparece aqui.

mexrossi

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Eduardo Cordeiro
Eduardo Cordeiro
8 anos atrás

Sobre esse carro da Manor, não sei porquê, mas acho um dos mais bonitos.

Marcelo Borges
Marcelo Borges
8 anos atrás

Essa pista do México sem a Peraltada é a mesma coisa que Spa sem a Eau Rouge.
Como fazem cagada esses caras da F1.

Estão matando a essência da F1 e nivelando por baixo os pilotos.

carlos lima
carlos lima
8 anos atrás

Ótimo texto! O leitor agradece e aplaude. De pé. Bravo!

flavio
flavio
8 anos atrás

Gomes onde encontro o seu livro para comprar?

Rafael
Rafael
8 anos atrás

Nem a meia hora final do TC vai passar na globo?!

valter
valter
8 anos atrás

Essas histórias que os jornalistas contam a respeito das novidades tecnológicas da época e as que já existiam no exterior são muito legais. Lembro do Juarez Soares, grande China, relatando sua primeira experiencia com um fax na sala de imprensa durante a cobertura da Copa na Espanha em 1982. Foi hilário e surpreendente para nós brasileiros que não conheciamos a tecnologia. Hoje, fax, tá mais prá peça de museu.

Vianas
Vianas
8 anos atrás

Aproveitando o gancho das lembranças nostálgicas, encontrei esse comercial, de 1988, da Citroën. A publicidade já foi mais interessante… e inteligente! Confere aí: https://youtu.be/4QOB1uBboSQ

Fernando fernandes
Fernando fernandes
8 anos atrás

Uma delicia estes textos do fg sobre historias de bastidores. Um circo que quase ninguem tem acesso, alem do mais com toda imprevisao e costumes e formas de trabalho dos diferentes paises.

Fg por favor, qdo nao tiver noticia, ou mesmo se tiver, qualquer historia de qualquer corrida mundo afora, seria um grande prazer p nos leitores do blog !

Chupez Alonso
Chupez Alonso
8 anos atrás

Arriba “Faster Than Alexander” Amonso!

Pablo Vargas
Pablo Vargas
8 anos atrás

362 km/h numa pista sabãozinho não é muito arriscado para uma categoria que tem procurado minimizar os riscos ?

Eduardo_SC
Eduardo_SC
8 anos atrás

Toque do cheff Tilke na peraltada. Já não basta a cagada no traçado de Hockenheim?

Alex Tréxi
Alex Tréxi
8 anos atrás

É importante que se diga que a volta do Verstappinho foi feita cortando uma curva. Além de não fazer a curva, ele passou sentando o pé. E avolta foi validada.

pedro araujo
pedro araujo
8 anos atrás

Gomes, esses relatos seus de antigamente são primorosos!

Piloto de carrinho de supermercado
Piloto de carrinho de supermercado
8 anos atrás

Que eu me lembre, o recorde de velocidade da F 1 em corridas é do Kimi Räikkönen, que atingiu 370,0 Km/h no GP de Monza em 2005. Parece, pelo menos para mim, que esse recorde será batido no GP de domingo. Meio irônico, já que todos reclamam da lentidão desses carros atuais – e com razão até, porque o que conta são os tempos de volta.

Piloto de carrinho de supermercado
Piloto de carrinho de supermercado
Reply to  Piloto de carrinho de supermercado
8 anos atrás

Haha, errei por 0,1 km/h… Deveria, antes de comentar, ter lido a matéria do Grande Prêmio…

Cláudio F1
Cláudio F1
8 anos atrás

Olá Gomes, vendo o seu relato sobre o Toshibinha me lembrei que você uma vez escreveu que de vez em quando ainda grava as corridas em VHS para assisti-las mais tarde. Eu também faço isso, mas o problema é encontrar fitas VHS novas (as minhas já estão pra lá de baleadas) , portanto, gostaria de saber se você sabe de algum lugar que ainda vende esse tipo de produto e, em caso de resposta positiva, qual seria o nome da loja. Ah sim, o meu videocassete é um Phillips VR788/78, apenas a título de curiosidade.

Se mais alguém do blog tiver alguma dica, sinta-se à vontade para comentar, toda a ajuda é bem-vinda.

Desde já, muito obrigado a todos.

Cláudio F1
Cláudio F1
Reply to  Flavio Gomes
8 anos atrás

Devo ter viajado, então. Foi mal, aí, kkk.

Cláudio F1
Cláudio F1
Reply to  Flavio Gomes
8 anos atrás

Desculpe-me por ser chato, mas pelo menos agora sei que não estou ficando doido.

http://flaviogomes.grandepremio.uol.com.br/?s=scooteria

Felipe Masr
Felipe Masr
Reply to  Flavio Gomes
8 anos atrás
Fred
Fred
Reply to  Flavio Gomes
8 anos atrás

Olá, Flávio!

Peço desculpas por me intrometer nesta questão, mas o Cláudio F1 não está te confundindo, não. Não o conheço, não sou seu advogado, mas me solidarizo com um parte do seu comentário, apesar de não poder ajudá-lo quanto às fitas VHS.

Suponho que ele esteja apenas se baseando no que você publicou, por exemplo, num dos posts do dia 28/07/15 sob o título “Foto do Dia”. Eis um trecho:

“Não posso deixar de registrar aqui o passeio que me tirou da TV nas últimas 30 voltas do GP da Hungria — vistas algumas horas depois graças ao meu videocassete Gradiente.”

A bem da verdade, segundo as tuas próprias palavras, você não gravou A CORRIDA, algo que faria “de vez em quando”, como afirmou o blogueiro. Gravou apenas PARTE DELA, e foi algo RARO, explicado assim:

“A escapada — rara, porque dia de F-1 é sagrado — se justifica. Era a III Girata D’Inverno, evento organizado pela Scooteria Paulista do Marcio Fidelis.”

Novamente peço desculpas pela minha intromissão, mas não pude me conter diante da tua contundente resposta negativa frente ao que dissera no supracitado post que, a propósito, chamou a minha atenção justamente por você ter citado o videocassete e, consequentemente, as fitas VHS, com os quais lidei por muitos anos.

Um abraço,

Fred.

Carlos
Carlos
Reply to  Cláudio F1
8 anos atrás

Minha TV é antiga. Eu sei que algumas mais modernas permitem gravar o que está sendo transmitido. E até onde sei, fitas VHS não são fabricadas mais.

Felipe Masr
Felipe Masr
Reply to  Cláudio F1
8 anos atrás

Cláudio F1.

Onde você pode encontrar:
http://lista.mercadolivre.com.br/fita-vhs-nova_OrderId_PRICE_ItemTypeID_N
Tome cuidado com os anúncios, para não comprar fita do Tipo VHS-C (compacta), que são aquelas pequenas para as câmeras portáteis.
Procure por algo perto de você, para não pagar valor de frete maior que o valor do produto.
Recomendo que, antes de utilizar uma nova fita, faça a limpeza das cabeças do seu VCR (Videocassete Recoder) para melhorar a qualidade de gravação/reprodução (e também evitar sujar as fitas novas com a sujeira que as fitas velhas deixaram).

Dica extra: Quem não desejar utilizar VCR, pode utilizar um dispositivo de captura de áudio e vídeo pelo computador (geralmente conectado via USB ao computador — antigamente era necessário ser computador do tipo “desktop” para poder adicionar uma placa dedicada internamente), ou até mesmo modelos que fazem a captura sem necessidade de computador, conhecidos por “DVR” ou “PVR” (do tipo “Stand-alone”) — custam quase o preço de um computador modesto, e os mais conhecidos no Brasil são do fabricante AverMedia.
Cuidado: aparelhos DVR exclusivos para CFTV geralmente não possuem entrada para gravação de áudio, além de não possuírem entrada de vídeo padrão vídeo-composto, portanto, sendo inadequados para gravação da programação de TV.

Existiam aparelhos, tal qual um VCR, mas que gravavam diretamente em DVD (DVD Recorder), porém estes sumiram do mercado (além de geralmente serem incompatíveis com mídias “genéricas”/baixo custo).

E isto para quem deseja capturar de “sinal fechado” (TV por assinatura), pois se for de “sinal aberto”, a maioria dos televisores e conversores digitais permite gravar a programação em dispositivo de armazenamento externo via USB. Além disto, algumas operadoras de TV por assinatura já disponibilizam equipamentos do tipo “DVR/PVR” (geralmente associado ao decodificador – geralmente os decodificadores possui disco rígido interno para gravação ou porta USB para o cliente conectar seu próprio dispositivo de armazenamento via USB) para o cliente poder gravar a programação e assistir quando desejado, somente para seu próprio uso (a reprodução da gravação é feita somente pelo equipamento cedido pela operadora).

Espero que as informações tenham sido úteis a ti e a outros.

Cláudio F1
Cláudio F1
Reply to  Felipe Masr
8 anos atrás

Valeu pelas dicas, Felipe Masr, elas realmente foram bem úteis.

André Bueno de Moraes
André Bueno de Moraes
8 anos atrás

Que legal os relatos, divertido de pensar como era naquela época a tecnologia, que para vc ainda era feitiçaria, não? kkk

Realmente a pista estava um sabão… o Sainz pai faria miséria… kkk

Eu estava lendo as declarações no GP, quando vi a dos pilotos da Manor e me perguntei “Who cares?”. Quando vi a foto do post, ri litros! kkk

hamzi barakat
hamzi barakat
8 anos atrás

Pô, legal demais essa historia, pode contar outras e quanto mais longas melhor

Gerson
Gerson
8 anos atrás

Gomes, estou na República Dominicana e a cobertura da Fox México aqui é impressionante! São apaixonados por velocidade e estão eufóricos!!!!
Ontem rolou uma entrevista com Emerson Fittipaldi onde eles estavam quase emocionados em tê-lo, ao vivo inclusive. E o clamor por Checo Perez é impressionante!!!!
É de dar gosto! Principalmente pra quem gosta!
Abcs

Sanzio
Sanzio
8 anos atrás

Por segundo.
E eram 2,4 Kb (2.400 bits) por segundo. Era lento pra burro! xD

Marcos
Marcos
Reply to  Sanzio
8 anos atrás

Na verdade, 2400 bps (bits por segundo), o que dá 300 caracteres, ou bytes, por segundo.

Senão, da forma como descreveu, dá a impressão de ser 2,4 kilobytes por segundo, o que seriam 19600 bps. Um assombro de velocidade pra aquela época. Acho que não existiam os modems de 28800 ainda.

Jonivan
Jonivan
Reply to  Sanzio
8 anos atrás

Isso mesmo, 2400 bits por segundo. O bit (de “binary digit”) é a menor unidade de informação, basicamente é 0 ou 1. Tudo que é informação é formado por um conjunto deles. Pra ter idéia da diferença de velocidade da época, hoje temos em casa Internet de até 100 Mbps (milhões de bits por segundo). O FG deu sorte de contar com uma conexão rápida na época, pois eram comuns velocidades de 600 e 1200 bps. No mais, grande relato deste grande cronista. Admirável, sempre.

Thiago Leal
8 anos atrás

Agora sei como era a Internet dos primórdios. Obrigado. Você mencionou esse Toshiba aí no texto de homenagem tácita ao Mandela e eu fiquei confuso quando li, porque você diz que ia mandar umas linhas (do laptop) pro jornal e eu fiquei “Porra, como assim? Não tinha e-mail naquela época”. Agora entendi.