VINTE ANOS
SÃO PAULO – Deu sete da noite. O programa acabava às oito e meia. O jogo era às nove e meia. Levantei, peguei minhas coisas e falei para o coordenador: vou embora. Mas não pode, como vou fazer? Não sei, vou embora.
Chovia muito. Os repórteres diziam que a cidade estava parada. Chama alguém para terminar o jornal, falei. Vão te mandar embora, disse o coordenador. Não tem problema. Tchau.
E fui.
A cidade estava mesmo parada, debaixo d’água. Vesti a camisa, peguei o carrinho pequeno, vermelho e valente, e encarei todas as águas.
Cheguei. Vestia a camisa listrada. Vai ter de secar até domingo, foi tudo que pensei.
Alguns dias antes, no mesmo estádio. Vestia a camisa xadrez, de um título recente. O rosto pintado, quarta à noite. Território conhecido, mas estranho. A gente não jogava lá. Mandaram jogar. O polícia não deixou entrar com o rosto pintado. Duas faixas em cada face. Com a camisa xadrez, tirei a tinta. A camisa está manchada até hoje.
Ganhamos, não fui ao segundo jogo, o único que não fui. Perdemos, mas passamos. Inacreditável.
Alguns dias antes, no radinho. Precisava acontecer um monte de coisa que nunca acontece. Este perder, aquele empatar, a gente ganhar. Este perdeu, aquele empatou, ganhamos, longe de casa. Passamos. Inacreditável.
Alguns dias depois, segundo jogo no estádio que não era o nosso, ganhamos de novo. Tinha mais gente, não muito. Domingo seria em outra cidade, meu irmão morava lá, peguei o avião, fui.
Entrei no estádio gigante e a arquibancada tremia. A torcida cantava um hino de forma impressionante. Vencer, vencer, vencer, lutar, lutar, lutar.
Lutamos, lutamos, lutamos. Empatamos. Passamos. Inacreditável.
Alguns dias depois, debaixo de chuva. Muita, muita chuva. Camisas dos outros times. Um a zero, dois a zero. Inacreditável.
Inacreditável.
No dia seguinte, fui ao nosso estádio. Ia ter um avião. Quanto custa? Dá dois. Ingresso incluído? Sim. Dá dois. Liguei para o irmão caçula. Parece que tinha um vestibular. Foda-se o vestibular, moleque.
Domingo de manhã, o carrinho vermelho, está dando certo, vamos nele, aeroporto, rostos conhecidos, bandeiras das nossas cores, avião cheio, era só nosso. O piloto falou meu nome. O moleque ficou orgulhoso. Acho que ficou, sei lá.
Chegamos. No outro aeroporto, bandeiras vermelhas, rostos desconhecidos, mas eram todos nós.
Alguns ônibus, bandeiras, carão para fora da janela, porrada na lataria, carreata de vermelho atrás da gente. A camisa tinha secado. Na bolsa de couro cru, uma bandeira pequena, uma boina, um maço de cigarros, alguns dinheiros, um isqueiro. Churrasco, cerveja, caipirinha.
Chegou a hora, fomos. Os de vermelho não puderam ir junto. Se foram, foram escondidos. Entramos. Tudo azul. Gritos, berros, xingamentos, pedradas, mas não me lembro de ter tido medo.
Quatro minutos, um a zero. Tive medo. Aí sim, tive medo.
Mas o tempo passou, como sempre passa, e um a zero, um a zero, um a zero. Vai dar, falei. E comecei a chorar. Faltavam vinte e cinco minutos e saí para chorar. Fui para o lado de fora, sentei no chão, debaixo da arquibancada. Chorei até secar. Voltei.
Faltavam dez minutos. Nove, oito, sete, seis. Dois a zero. Senti uma dor no peito, um punhal cravado para matar. Na morte, não sei se se chora. Não chorei.
Apenas sentei e morri.
Lindo texto Flávio, estava também envolvido neste clima, meu irmão mais ainda (foi por 2 vezes a BH de ônibus)
Era Trainee de uma empresa gaúcha nessa época, cheguei para um treinamento no aeroporto Salgado Filho, e vi torcedores do grêmio aguardando o time, que tinha passado pelo Palmeiras. Não tive dúvidas, tirei meu manto sagrado da mala e deixei aparente. Mal sabia que semanas mais tarde decidiríamos o título com eles
Lindo texto, assim como o do teu irmão. Parabéns!
Existem times grandes e times pequenos. O seu é pequeno. Lo siento.
Existem blogueiros que comentam aqui e outros que são bloqueados. Você será bloqueado. Lo siento.
A questão não é nem o tamanho do time. Esse comentário seria babaca mesmo que fosse com um Aperibeense da vida.
Prepotência demais essa coisa de achar que só o time grande é bom porque só a vitória importa.
Eu era uma das vozes do “vencer, vencer, vencer… lutar, lutar, lutar”; um dos que fazia o estádio tremer; um dos que sofreu desesperadamente por um desempate no final do jogo (e teríamos poupado vocês de um desencanto na final). Mas, mastiguei, engoli e digeri tudo, e depois fui um dos que ficou desencantado… sim, adotei a Lusa por uma final! Assim é o futebol!
É por essas e outras que o Zé Simão falava que os portugueses eram óbvios:
O capitão do time se chamada Capitão.
Acho que deveriam voltar os mata-matas no Campeonato Brasileiro. Daria mais chance para um time desses chegar à final e reescrever um pouco a história do esporte.
Quem sabe, eu volte a assistí-lo alguma vez, embora eu não tenha time nenhum, na prática (em teoria, torço para o Livorno).
Um grande abraço do fundo do meu coração vermelho de outubro de 1917,
Atenágoras Souza Silva.
Mata-mata já existe, chama-se Copa do Brasil.
Eu sou adepto dos pontos corridos.
Mas talvez a FIA atenda seu pedido (agora esta nas mãos de estadunidenses) e tenhamos a Fórmula Um com mata-mata tal qual a NASCAR Sprint Cup (que vai mudar de nome-vem aí Monster Energy Drink).
Sou Atlético-GO e Lusa. Atlético, pelo meu saudoso pai (com muito orgulho). Lusa, porque não tinha time em SP. Meus sobrinhos, levados pela onda do tricolor paulista campeão com Telê e etc, não admitiam que eu não tivesse um time aí em SP. Essa “exigência” ficou séria! Desde então, venho sofrendo com essa gloriosa agremiação. Muitos riem e zombam de mim mas tenho orgulho de ser LUSA. Vamos dar a volta por cima tal qual meu querido
rubro negro goiano.
“União Brasil Portugal” VIVA A SUA LUSA E O MEU VASCÃO, estamos juntos!!!!
Por pouco a Lusa não venceu… Que venham dias melhores lá pelos lados do Canindé…
Uma das maiores injustiças do futebol :-(
Bonito. Isso foi um jogo da Portuguesa?
Final do Brasileiro de 1.996 contra o Grêmio.
Gol do AIlton “eu sou foda” no fim do jogo.
Todos torceram pela Lusa (eu inclusive), mas deu Grêmio do Felipão
Flavio, li o seu texto e o texto do Julio ontem.
Cara, vocês são incríveis!
Obrigado por escreverem tão bem!
Bah…eu estava lá….mas do outro lado..vestido de azul….inesquecivel…
Admirável o seu amor pela Lusa. Lindo texto.
Parabéns Flavio pelo Belo Texto, e pela suas opiniões também pois compartilho de muitas delas, voltando ao texto, meu Fortaleza está me fazendo morrer todo ano também já fazem 7 anos, mas o importante e que no ano seguinte sempre temos a nossa ressurreição, e jesus que é jesus só teve uma….. então……………
Vc tem o dom de escrever. Belo texto, mesmo sendo sobre um episódio triste.
Parabéns pelo trabalho!
Consegui enxergar tudo. Parabéns.
Brilhante texto, são momentos que morremos um pouco mesmo.
Me parece que agora, a Lusa terá um presidente que, ao menos, não é ladrão e parece bem intencionado.
Tomara.
Ontem eu assisti a uma reportagem feita dentro do Olímpico, totalmente abandonado, a grama parecia ter uns 30 cm de altura. A incompetência e o descaso é tão grande que já faz quatro anos que o novo estádio do Grêmio foi inaugurado e o Olímpico nem demolido foi (até onde eu sei, esse era o destino final).
Um estádio que poderia ser reformado como o estádio do Inter, atenderia as exigências que um torcedor necessita atualmente, e ainda manteria intacta a origem do clube junto à identificação com o torcedor. Só que não.
Sou Gremista e vibrei muito com este título. E tenho muito orgulho de termos o conquistado sobre um grande time…
Espero que, dentro do teu coração, assim como no meu, fique a rivalidade e não sentimentos ruins. afinal: é futebol, só futebol…
Abraços de quem discorda de várias opiniões tuas mas não o deixa de te respeitar e admirar… Boas festas!!!!
Flavio
Acho espetacular você respeitar seu concorrente e ser respeitado por ele.
Please come back Audi!!!!!
Regards
Lembro bem deste jogo e deste ano…a Lusa merecia…como já mereceu em outras oportunidades também….belo texto…
Pena que Rodrigo Fabri não vingou plenamente, embora tenha tido bons momentos.
Zé Roberto ainda esta na ribalta.
Entrei no Wikipédia e estas as escalações de 15 de dezembro de 1996
Grêmio: Danrlei; Arce, Rivarola (Luciano), Mauro Galvão e Roger; Dinho (Aílton), Goiano, Émerson (Zé Afonso) e Carlos Miguel ; Paulo Nunes e Zé Alcino. Técnico: Luiz Felipe Scolari.
Portuguesa: Clemer; Valmir, Émerson, César e Carlos Roberto (Flávio); Capitão, Gallo, Caio e Zé Roberto; Alex Alves e Rodrigo Fabri (Tico). Técnico: Candinho.
Arbitragem de Márcio Rezende de Freitas (MG).
Gols: Paulo Nunes (3′ 1º tempo) e Aílton (39′ 2º tempo).
https://pt.wikipedia.org/wiki/Campeonato_Brasileiro_de_Futebol_de_1996
Que saudade da Lusa forte, como torci pra vcs nesse ano, uma pena!!
Cara que coisa linda e difícil de recordar! Abraços
Foi uma puta sacanagem a Lusa não ter ganho em 1996, assim como é uma puta sacanagem ela estar na situação em que está.
Velho, não sou torcedor da Portuguesa (bom, pouca gente é, né?) mas acho que a maioria torceu para a Lusa naquela final. Para mim, essa final foi difícil de assistir. Saí com um amigo para tentar assistir a final em um barzinho famoso na cidade, mas o lugar estava lotado, e não conseguimos um bom lugar. Começamos a andar pela cidade, mas não encontramos um bom lugar. E aí, começou a chover, mas muito, muito mesmo. Quando desisitimos de encontrar um bar, fomos para casa dele, mas, com a tempestade, o sinal de tv a cabo na cidade toda caiu. A solucão era encontrar alguem com tv a antena, o que acabou revelando-se não muito fácil. Bom, resumindo, começamos a assistir o jogo á partir dos, acredito, 25, 30 minutos do segundo tempo. Pena que não sou torcedor da lusa. Isso ia dar uma dimensão maior para a história…
Naquele dia todos choramos… exceto os Azuis…
Li o texto do teu irmão caçula ontem, Flavio. Não sabia que era teu irmão, deduzi pelo que ele foi contando. Legal ler a mesma história escrita por duas pessoas diferentes.
Sou sãopaulino, mas torci muito pela Portuguesa naquela final. Uma pena, como foi com o São Caetano em 2001 contra o Vasco. 2 x0 Golias…
Parabéns! Melhor texto do Brasil! Não torço para a Lusa, mas eu estava lá… O gol de falta do Galo foi algo incrível! Forte abraço Flaviano.
Portuguesa, Bangu, América-RJ e Guarani são times que fazem muita falta no topo do cenário nacional.
Ainda não descobri a qual jogo você se refere, Flávio. Foram 3 jogos importantes daquelas finais de 1996. Um contra o CUzero, o outro do pênalti (roubado) contra o Galão (normal) e a final contra o Grêmio. Na foto, um dos atletas parece ser o Valdir Bigode…
Ah Rodrigo Fabri…..
Todos morremos um pouco naquele dia, Flavio….e tambem fui ao Morumbi, so que de moto, entao, nao foi um perrengue enorme chegar…
Mais triste e saber, ter quase certeza, que nunca mais verei meu time como foi esse…
abracos
Foi um belo campeonato de ambos os clubes.
Rodrigo Fabri (acho) jogou muito naquele ano.
Saudações tricolores.
Torci muito pela Lusa nesse campeonato, mas ler as emoções de um verdadeiro torcedor me faz lembrar, mais uma fez, o motivo do futebol ser o que é.
Grêmio malvado. Belo texto.
Vista do espaço a Terra é Azul e Branca com umas manchas escuras quase pretas,
A Terra é Grêmio!!!!
Isso é a vida FG, os gremistaas tiveram sentimentos exatamente os opostos aos seus!!!
12 de abril de 1961! Enquanto os yankees estavam invadindo mais um país, a URSS enviou ao espaço Yuri Gagarin: o primeiro humano a circunavegar o espaço! Olhou a Terra e disse: A Terra é Azul! Era dia de jogo do Avaí!
Ainda essa semana, talvez 3ª ou 4ª feira, estava me lembrando do Brasileiro de 1996, mas não tinha associado às duas décadas tão rapidamente passadas. Lembro de bastante coisa dessa final, mais até que finais do time que torço (um dos 4 “grandes” de SP).
Não chorei, mas fiquei muito chateado.
Muitos parabéns pelo texto, muitos mesmo, e lamento pelo jogo.
Uma das maiores injustiças do futebol. Quis o destino que isso acontecesse, mas a história ficaria muito mais bonita e completa com este título da Lusa.
Me lembro como se fosse hoje! Já torcia pela Lusa em SP, mas meu time de coração é o Avaí! Senti a força daquele time no campeonato inteiro, mas a possibilidade de igualar orçamentos dispares possibilitou a junção dos pobres contra os ricos! A emoção aumentava a cada passagem de fase. Na semifinal (tem hifen?) torcia com todos os meus pulmões ( mais do que o Manga, que só tinha um!) Coisa linda, parecia que todas as pessoas que eu convivia eram Portuguesa! Era hora de mostrar pra humanidade que os grandes pequenos também poderiam… Aquela cabeçada do Cesar pra trás, ao invés de botar pro lado, tinha acabado meu ano! A partir daí acompanhei a Lusa com mais apreço… Depois do que o Castrilli fez no paulista, descobri aos prantos que nós não temos espaço no futebol capitalista…. (nunca te enviei nada, te leio a mais de zil anos! Não comento pois me representa no princípio de tudo que explanas,,.) Mas te confesso, naquele domingo, chorei muito!
fiquei puto, parecia q era meu time q tinha perdido. ganhei no ano seguinte e chorei pra burro, e chorei mais ainda qdo raul driblou toda nossa zaga no munidal de 98, deve ter sido o mesmo punhal.Mas chorei agora tb..lindo texto, moleque!! é por isso q essa internet vale a pena as vezes…porra show de bola
Que relato emocionante! Eu me solidarizo com toda a alegria e a dor desse texto belíssimo (incrível como o futebol faz isso conosco) não só porque eu torci pra Lusa em 96 mas porque havia passado pelo mesmo com meu Santos um ano antes. E ainda com erros do maldito árbitro M. R. de F. e depois daquela segunda semifinal de sonho no Pacaembu contra o Flu. Imagine como ficou o Gallo, que sentiu essas duas perdas no campo…
Fui nesse jogo. Do lado azul. Ainda piá, 14 anos. A expectativa era de que ia dar. “2 a 0 revertemos fácil”, era o consciente e o inconsciente coletivo de todos de azul. Pudera, naquele tempo, quando Felipão era um Zeus gaudério, tudo dava. O impossível simplesmente não existia.
1 a 0 no início do jogo com o Paulo Nunes mandando aquela bomba de canhota. Parecia coisa do destino, cartas marcadas, ou os dados que Einsten diz que Deus joga. Acho que o Paulo Nunes nunca havia feito um gol de canhota, e tenho certeza que até hoje não sabe chutar de esquerda.
A crença se tornara realidade. Era só uma questão de tempo. Mas o tempo passou, e nada mudou, e seguia sem mudar. Até que o Aílton, odiado por tudo e por todos, pelas suas finalizações tortas, passes errados, falta de entrega, sem gana, a definição da incompetência para – boa – parte da torcida, entrou. E sem provocar nenhuma aceleração nos batimentos cardíacos, já que aquela altura todos haviam ligado o foda-se devido ao receio de que o que se tornara certo e questão de tempo não fosse se concretizar, achou O chute da vida. Depois disso não lembro de mais nada. Abraços em amigos. Em estranhos. Gritos de euforia e lágrimas. Foi assim que eu acho que aconteceu.
Como o futebol é foda. Mas naqueles tempos era muito mais. Ao menos pra mim, piá, onde o meu time ganhava sempre, dos mais fortes, melhores, mais poderosos, não importava. Era nosso. E dessa vez foi também.
Parabéns por vc ser mais um de nós. ..Ama a bola ..qualquer torcedor da Lusa que contasse isso ,merece respeito. Mas Flavio Gomes. …é o cara! Curte seu Clube a qualquer preço….LUSA
Vinte anos atrás eu comemorei como nunca!
Saudades desses tempos, no futebol, apenas. Jogadores de fato, e não esses ídolos de cera de hoje. Pelo menos temos alguns Jornalistas de fato, e que ainda nos emocionam.
Como sao paulino torci muito pela lusa nesse dia mas o futebol é mesmo imprevisível.
Nossa, tô arrepiado aqui. Sou corintiano, e apesar da rivalidade com a Portuguesa (sim modinhas, a Lusa é rival de Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos), torci como nunca para a Lusa nas finais do Brasileiro de 96. Foi uma campanha épica, passando por cima de Cruzeiro e Atlético MG, e o grito de campeão estava quase saindo quando o Ailton pegou aquele chute inacreditável. Ah se o César deixa aquela bola sair, quem sabe a história seria outra. Esse time da Lusa era foda! E pensar que os dirigentes colocaram o clube nessa situação atual, é de deixar indignado. Mas tenho certeza que a Portuguesa sairá dessa.