Blog do Flavio Gomes
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Cheguei – take 3: Reverência

POUSO ALTO (torresmo, pão de queijo) – Sempre que estou sozinho na estrada, penso nos caminhoneiros e em sua sensação de liberdade, apesar dos perigos, da dureza. Bem, não estou num caminhão, apenas num carrinho de quase 40 anos. Sem velocímetro ou odômetro, é duro calcular tempos e distâncias. O que é bom. Tenho todo […]

POUSO ALTO (torresmo, pão de queijo) – Sempre que estou sozinho na estrada, penso nos caminhoneiros e em sua sensação de liberdade, apesar dos perigos, da dureza.

Bem, não estou num caminhão, apenas num carrinho de quase 40 anos. Sem velocímetro ou odômetro, é duro calcular tempos e distâncias. O que é bom. Tenho todo o tempo do mundo. Não chove, o céu tem algumas nuvens e está começando o entardecer.

16h, faltam poucos quilômetros para a Dutra, informa a placa. Olho no espelho e noto que faz algum tempo que tem um Audi branco atrás de mim, guardando respeitosa distância.

E ele fica ali, àquela respeitosa distância, suas quatro argolas não se aproximam. São parentes. Talvez o motorista do Audi não saiba, e esteja sem entender por que o carro dele ficou lento de repente. Eu sei. É que carros sabem prestar reverência aos seus antepassados.

Ali fica o Audi até a alça para a Dutra. São 16h07. Eu saio à direita, o Audi branco desaparece. Claro, seguiu em frente. Ou era um fantasma.

Rodovia Presidente Dutra.

Morei três anos no Rio. Quase todo feriado vínhamos para SP visitar os parentes. Meu pai gostava de viajar de noite. Saíamos de madrugada, de Belina, banco traseiro rebatido, os três deitados, como se fosse um trailer. Dormindo a viagem toda, o rádio chiando baixinho, até o sol nascer. Dependendo da hora, se já estivesse aberto, parávamos para tomar Ovomaltine.

E sempre que passávamos diante do Clube dos 500, na outra pista, sentido SP-Rio, meu pai falava que era excelente o Clube dos 500. Eu achava que era um clube. Era um restaurante.

Estou na Dutra, com fome. Decido parar no Clube dos 500. Faltam 31 km. É lá que vou comer rodízio.

16h27, primeiro pedágio da Dutra. Tem encontro de DKW?, pergunta o rapaz. Digo que sim, e ele me conta que já haviam passado quatro durante o dia.

16h50, Clube dos 500. Tem um posto Ipiranga, paro e abasteço. A menina que coloca 50 paus de gasolina diz que outros carros parecidos com o meu tinham passado por ali. Peço para ela sorrir, é bonitinha, e tiro um retrato.

Encosto o carro no estacionamento do restaurante, um cara me aborda. Tinha piercings até entre as sobrancelhas. Diz que me viu na estrada, e que tinha um grande negócio para mim: um Candango 1949. Não pode ser, digo eu. Candango, só depois de 1958. O cara insiste, diz que é todo original, está em Cabo Frio. Tem certeza que é 1949. Não é, digo, só depois de 1958. O cara, com camiseta dos Abutres, diz que o negócio dele é moto, mas tem certeza que o Candango é 1949. Está no documento.

Me deixa o telefone. O apelido dele é Brinco. Cara esquisito do cacete.

Bem, o restaurante do rodízio fechou às 15h30. Vou para a lanchonete. Na TV, os últimos segundos do jogo de basquete do Brasil. Peço um sanduíche americano, vejo as australianas comemorando, pago a conta e área.

Mas eu estava no Clube dos 500, debaixo daquela marquise inclinada sobre colunas em V que sempre me fascinaram na infância, essas colunas em V. Tiro uma foto bonita, a luz ajuda. Um ônibus da Expresso Brasileiro teve de esperar para estacionar. O motorista nem reclamou, sorriu e esperou, reverente. Ao DKW, claro.