SOBRE ONTEM DE MANHÃ
A IMAGEM DA CORRIDA

SÃO PAULO (contagem regressiva) – Essa foto aí em cima chegou ontem tarde da noite, numa sequência que tem mais duas. O garoto Max e sua namorada Kelly, filha de Nelson Piquet, num momento da mais pura e genuína alegria quase juvenil. Achei melhor do que qualquer imagem de carro pista, embora o RB19 seja uma viatura merecedora de todas as homenagens. Como disse Christian Horner, vai para as páginas da História com H maiúsculo.
E vai mesmo. Esse automóvel superou o quase insuperável MP4/4 da McLaren de 1988, um carro lendário pilotado por duas lendas, Senna e Prost. Mas é gozado… Quando a gente olha para 35 anos atrás, quase sempre menciona o carro antes dos pilotos. Como será no futuro, quando falarmos desta temporada de 2023? Quem virá antes na fila do mérito, o carro ou o piloto?
Desconfio que o piloto. Max tem sido um personagem maior que seu instrumento de trabalho. Como foi Schumacher sobre a Ferrari, Hamilton sobre a Mercedes. Donde concluo que em algum momento do passado as máquinas, ao menos algumas, foram mais valorizadas que os homens que as pilotaram. A gente vive lembrando “a Lotus do Emerson”, “a Williams do Mansell”, “a Brabham do Piquet”. Façam esse exercício. E depois me digam se tenho razão. Um dos motivos para que se recaia sobre as figuras humanas antes do amontoado de lata, cabos e borracha talvez seja o hedonismo dos tempos em que vivemos. É Instagram aqui, Twitter ali, Facebook acolá, TikTok algures… Carros não dançam nem postam fotografias, não criam emojis e figurinhas, não elaboram legendas engraçadinhas. São discretos e, dentro do possível, silentes. Gosto mais deles do que das gentes.
Mas é apenas uma reflexão meio rasa, sem muita importância.
Em todo caso, viva Verstappen! E viva o RB19, carrão da porra!




A FRASE DE YAS MARINA
“A Red Bull ganhou com 17 segundos em cima do segundo colocado, e eles não encostam no carro desde julho, agosto. Então posso imaginar onde estarão no ano que vem…”
Lewis Hamilton
O inglês, que dominou a F-1 de 2014 a 2021 — com soluços em 2016, ao perder o título para Rosberg, e 2021, derrotado por Verstappen –, sabe bem do que está falando. Já experimentou uma hegemonia longa, e dela desfrutou empilhando números impressionantes e recordes que muita gente julga imbatíveis. Sabe como é difícil e quanto tempo leva para alguém escalar a mesma montanha — para usar expressão usada por Rosberguinho para explicar sua aposentaria.
A pergunta é: a Red Bull fará o mesmo que fez a Mercedes quando começou a era híbrida?




A resposta só a pista concede, mas a gente pode especular, claro. Eu acho que pelo menos nos próximos dois anos Verstappen e sua equipe seguirão controlando a F-1. Em 2026, a mudança de regulamento pode abrir brechas para outros protagonistas. Claro que esses prognósticos dependem de um monte de fatores: como Mercedes, Ferrari, McLaren e — vá lá — Aston Martin chegam no ano que vem, quais pilotos vão evoluir, quais vão enfiar o pé na jaca, quem vai descobrir algum pulo do gato como fez a Brawn em 2009, quanto tempo Max sustenta sua infalibilidade, como vai ser a parada da Ford na Red Bull, qual é exatamente a da Audi nesse negócio, Andretti vem ou não… Tem muita coisa para acontecer.
Mas é preciso raciocinar com base em alguma lógica. E a lógica, hoje, aponta para um período hegemônico da Red Bull e de Verstappen. Que pode ser longo como o da Mercedes, um pouco mais curto, como o da McLaren nos anos 80/90 ou o da Williams nos tempos da Renault, quiçá quase exasperante como a era Schumacher.
E é em algo parecido que aposto. Até pela semelhança entre Max e Michael.
O NÚMERO DE ABU DHABI
71
…anos se passaram desde a última vez que um Mundial de F-1 não teve pelo menos uma vitória de um piloto ou uma equipe da Grã-Bretanha. Foi em 1952. A primeira vitória britânica na categoria foi de Mike Hawthorn no GP da França de 1953. Desde então, a turma da ilha cravou vitórias em todos os anos — ou com um piloto, ou com uma equipe. A temporada de 2023 quebrou a série. Foram 21 vitórias de um time austríaco e uma de uma equipe italiana. Entre os pilotos, 19 triunfos de um holandês, dois de um mexicano e um de um espanhol.
Como vimos ontem no textão pós-corrida, a temporada dominante de Verstappen e da Red Bull produziu números impressionantes, derrubou recordes, robusteceu as cifras do piloto e de sua equipe. As 21 vitórias em 22 corridas (95,45%) talvez tenham sido a marca mais emblemática, por superar os 93,75% de aproveitamento da McLaren de Senna & Prost em 1988 — 15 vitórias em 16 corridas. Mas é bom lembrar que 35 anos atrás a McLaren só não emplacou 100% por duas meras voltas.
Aconteceu no GP da Itália em Monza, prova que teve Senna na pole, seu companheiro Prost com o motor Honda quebrado e o veterano Jean-Louis Schlesser, então com 42 anos, disputando seu primeiro GP. Schlesser tinha vasta história em categorias menores de monopostos e em provas de Endurance. Foi chamado meio às pressas pela Williams para substituir Nigel Mansell, com sarampo. Um carro de F-1, para ele, era indecifrável mistério.


Sem Prost para incomodar, Ayrton liderava a corrida com relativa tranquilidade, apesar da aproximação de Berger, da Ferrari, nas últimas voltas — o brasileiro precisou tirar um pouco o pé por causa do consumo de combustível, mas nada que ameaçasse sua vitória, mais uma. Mas quando foi colocar uma volta em Schlesser, na primeira chicane, o francês se atrapalhou na freada, saiu da pista, tentou voltar e aconteceu o choque. Foi a única prova que o MP4/4 não ganhou. Por conta de uma batida boba, não falta de desempenho — a Red Bull só não bateu 100% de vitórias neste ano porque em Singapura o carro não andou bem, mesmo.
Com o abandono de Senna, a torcida da Ferrari fez a festa com a dobradinha Berger-Alboreto. Festa ainda maior porque dias antes o fundador da equipe, Enzo Ferrari, tinha morrido, causando enorme comoção na Itália.
CURIOSIDADE – A Ferrari foi a equipe que impediu, duas vezes, uma equipe de vencer todas as corridas de uma temporada. Aconteceu com Berger em 1988 evitando os 100% da McLaren e com Sainz neste ano, derrubando as pretensões da Red Bull de ganhar tudo.

Mas há outros — muitos — números incríveis que devem ser anotados nos anais neste ano da graça de 2023, até que um dia caiam, se é que isso vai acontecer. Verstappen, por exemplo, marcou 575 de 620 pontos possíveis, 92,7% do total. Há casos de 100% na história, mas eles ocorreram em temporadas em que havia descarte de resultados. Em 1952, por exemplo, eram oito etapas e quatro descartes. Portanto, um piloto poderia somar no máximo 36 pontos (nove por vitória). Mesmo que marcasse mais, teria de jogar no lixo. É um desses casos de 100%, com Alberto Ascari. Como foram 100% as duas conquistas de Jim Clark em 1963 e 1965. Nos dois anos, os pilotos consideravam apenas os seis melhores resultados e descartavam outros quatro. O escocês ganhou sete corridas em 1963 e teve de jogar uma fora. Em 1965, venceu seis.
De qualquer forma, Max atingiu o maior aproveitamento de pontos de um piloto na F-1 desde 1966, quando Jack Brabham ganhou o Mundial com 42 dos 45 pontos que poderia marcar — 93,3%. Já a Red Bull pode se jactar de ter feito mais pontos do que a segunda e a terceira colocadas juntas. Foram 860 contra 815 de Mercedes + Ferrari.
Outra façanha de Verstappen: ele completou todas as voltas dos 22 GPs do ano. Antes dele, só Schumacher, em 2002 (17 corridas), e Hamilton, em 2019 (21), tinham feito o mesmo.
Já rolou uma caixinha aí em cima. Mais umas, agora?



FAÇANHA JAPONESA – Ao liderar cinco voltas do GP de Abu Dhabi, da 18ª à 22ª, Yuki Tsunoda se tornou o primeiro japonês a pontear uma corrida de F-1 desde 2004. Naquele ano, Takuma Sato, então na BAR, liderou duas voltas do GP da Europa em Nürburgring. Tsunoda ganhou do amigo internauta o título de “Piloto do dia” e ajudou a AlphaTauri a encerrar sua história com esse nome marcando pontos na oitava colocação. Não o suficiente, porém, para superar a Williams na briga pelo sétimo lugar entre os construtores. Terminou o ano com 25, contra 28 do time rival. Curioso é que a arrancada da AlphaTauri se deu mesmo no final da temporada. Nas últimas cinco provas, a equipe — que em 2024 deve se chamar Racing Bulls — marcou 20 pontos, contra cinco da Williams. Foi a despedida do querido e carismático Franz Tost da F-1. Ele estava na chefia do time havia 18 anos.



NADA GARANTIDO – Uma declaração de James Vowles, diretor da Williams, deixou com uma pulga atrás da orelha aqueles que apostavam na permanência de Logan Sargeant no ano que vem. O dirigente elogiou a melhora do piloto nos últimos cinco GPs, mas afirmou com todas as letras: “Logan está se esforçando para merecer [a vaga], mas não estamos em posição de confirmar [que ele vai ficar] neste momento”. É bom ficar de olho. A opção Drugovich ainda não está totalmente descartada.



CIAO, BAMBINI – Foram cinco anos alojada na Sauber, e não se pode dizer que a Alfa Romeo tenha muito a comemorar nesta sua nova passagem pela F-1 — a marca fez sucesso no começo dos anos 50, voltou meio capenga nas décadas de 70 e 80 e retornou agora no sistema “alugue uma equipe e coloque seu nome”. O contrato com o time suíço terminou e não rendeu muito. Nada de poles, pódios, primeiras filas. O sexto lugar no Mundial do ano passado foi o melhor momento, com 55 pontos dignamente somados, bem mais que os ridículos 16 deste ano — que deixaram a Alfa em penúltimo no campeonato. Mas, pelo menos, dois pilotos nos encheram de alegria no período: Raikkonen com sua pilotagem e seus maneirismos e Bottas com sua bunda branca. Ano que vem o time volta a ser Sauber, mantém Bottas e Zhou e em 2026 vira Audi.
É CAMPEÃO! – E teve título para um piloto apoiado pela marca. Ontem, Théo Pourchaire terminou a corrida longa do encerramento da F-2 em Abu Dhabi em sexto. Frederik Vesti, com quem disputava o título, foi o terceiro colocado. Mas o resultado não foi suficiente para descontar a diferença de pontos que o francês tinha aberto até então. Pourchaire fechou o campeonato com 203 pontos, contra 192 do dinamarquês apoiado pela Mercedes. Jack Doohan ganhou a última corrida do ano.
GOSTAMOS & NÃO GOSTAMOS
GOSTAMOS de ver como a McLaren reagiu a um começo desastroso de campeonato, terminando em quarto lugar com 302 pontos. Nas oito primeiras corridas, com um carro muito ruim, o time fez 17 pontos — média de 2,1 por GP. Nas 14 etapas seguintes, depois de estrear um carro praticamente novo na Áustria, foram 285 pontos, média de 20,3 por etapa. Se tivesse tido essa média o ano inteiro, chegaria em segundo no campeonato. De quebra, a McLaren ainda nos apresentou um jovem muito promissor, Oscar Piastri, que terminou a temporada em nono com 97 pontos — desempenho mais do que aceitável para um estreante.


NÃO GOSTAMOS do campeonato patético da Haas. Em 2018, seu terceiro ano na F-1, a equipe americana terminou o Mundial em quinto lugar com 93 pontos. Um desempenho sensacional para uma quase estreante na categoria. Nos cinco anos seguintes, somou 80. Foi duas vezes última colocada — como neste ano –, duas vezes penúltima e uma, antepenúltima. Em 2023, vexaminosos 12 pontos. Nem para nos divertir na Netflix serve mais.