Blog do Flavio Gomes
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Pequena historinha

SÃO PAULO (longa trilha) – Muita gente, acho que quase todos aqui, foi apresentada ao #96 e às corridas de clássicos através deste blog. Nesta semana começa a quinta edição de nosso campeonato, sábado em Interlagos. É uma boa hora para contar a historinha dessa categoria que, felizmente, cresce a olhos vistos e hoje tem […]

SÃO PAULO (longa trilha) – Muita gente, acho que quase todos aqui, foi apresentada ao #96 e às corridas de clássicos através deste blog. Nesta semana começa a quinta edição de nosso campeonato, sábado em Interlagos. É uma boa hora para contar a historinha dessa categoria que, felizmente, cresce a olhos vistos e hoje tem quase 40 carros no grid.

Tudo começou em meados de 2002. Levei uma Caiçara que tinha comprado em Curitiba para restaurar na oficina dos Klinchen em Interlagos, que ficava na rua onde, anos antes, eu tinha encontrado, empilhados, dois Copersucar.

O carro foi sendo reconstruído e, na oficina, havia uma carroceria de Belcar de um sujeito que pretendia fazer uma carretera de corrida, mas nunca fez. Gostei da idéia e como eles tinham mais uns DKWs no galpão, resolvi fazer uma para mim. Para guardar na garagem.

Uma segunda começou a ser feita. Na época, a idéia de um campeonato era apenas isso: uma idéia. Uma categoria até 1.200 cc, para DKWs, Gordinis, Fuscas, Interlagos. Havia poucos carros antigos de corrida largados pela cidade, resquício das provas da APCAH da década de 80, em sua maioria ralis de regularidade. A gente pensava em juntá-los de novo para alguma coisa.

Meu carro seria montado sobre um Belcar 1963 condenado ao ferro-velho, verde com a capota branca. Numa primeira olhada, um ser irrecuperável. Mas milagres acontecem. Ele era assim.

Não havia preocupação, de início, com preparação de motor. O carro, na minha cabeça, teria de parecer um carro de corrida, nada além disso. Até porque não havia onde correr. Mas ele começou a ser feito, os Klinchen eram ligados em corridas, outros interessados foram aparecendo e a coisa começou a tomar corpo.

Imaginar que daquela quase sucata sairia um carro de corrida era mesmo um exercício de ficção. Mas ele foi ganhando vida. Algumas partes em fibra foram feitas, o teto foi cortado… e a conta aumentando!

Mas era farra, resolvi levar a coisa adiante. Até porque surgiu um Gordini, depois um JK, depois um Fusca, e a idéia do campeonato passou a ser algo possível de realizar.

Ao mesmo tempo, animado com aquela algazarra, entrei em contato com a organização do GP do Brasil de F-1 para fazer um desfile de carros brasileiros clássicos de corrida, e por incrível que pareça, emplaquei o projeto.

O #96 seria uma carretera branca com bolota preta e número 17. Eu queria o meu como esse da foto aí embaixo, sem nunca ter sabido, com certeza, quem era o piloto. Mas era um carro da Vemag, e essa foto, não sei bem por quê, sempre me seduziu.

E tome trabalho na caranga, corta daqui, emenda dali, começa a busca por peças, pistões, bloco, banco, cinto, volante, rodas, pneus, grade… Pára-lamas moldados, capô e tampa do porta-malas eliminados, santantônio feito no Dudu, ali do lado…

…e chegou uma hora que parei de fazer as contas, porque senão desistiria. Carro de corrida custa caro, até mesmo um velho DKW cujo destino inicial seria a garagem de casa, só para olhar de vez em quando. Mas quando começa a virar de verdade, a gente desiste desse negócio de deixar parado. Carro é feito para andar. E carro de corrida, para correr.

Com o teto rebaixado, ele começou mesmo a ficar com cara de carro corrida. Como os da equipe da Vemag. Um sonho de criança que começava a virar realidade.

Mas o tempo escoava pelos nossos dedos, porque ele tinha de ficar pronto até o GP do Brasil, que aconteceria em março. Afinal, tinha fechado com a organização o tal do desfile.

A cor. Branco paina, foi o que os Klinchen decidiram usar. Um branco meio cremoso, que segundo eles era o que a Vemag usava. Não era, mas tudo bem. Era um branco bonito. E o dia da corrida chegando. Hora de mandar fazer os adesivos. E na véspera, um sábado, finalmente ficou pronto.

Ou quase. Faltava a correia de couro para colocar no capô. Onde iríamos arrumar aquilo? Não tive dúvidas. Arranquei o meu cinto. Da GAP. Vai esse mesmo. Chique demais, cinto da GAP. Está no carro até hoje…

Os acrílicos foram colocados de madrugada, banco idem, tudo numa correria de espremer os nervos, mas que alegria quando o motor virou! Funcionava, e berrava. Instrumentos? Nenhum. Apenas um medidor de temperatura. Nada de contagiro, velocímetro, picas. Só o essencial para que ele saísse do lugar.

Madrugada de domingo, sem dormir, o #17 rasgou as ruas de Interlagos rumo ao autódromo. Fazendo um barulho danado, acordando o pessoal nas filas do setor G, o maior barato. Amanheceu no estacionamento do Sol no domingo, ao lado de outros 30 carros, alguns do Trevisan (KG Porsche, Fórmula Vê), mais o Patinho Feio do Alex, mais um dos Mark da Willys que seria pilotado pelo Luizinho…

Eu trabalhava na Bandeirantes na época e montaram um microfone no meu capacete, mais um rádio transmissor. As quatro voltas, a partir das 11h, seriam narradas de dentro do carro por este que vos fala para o som do autódromo. Éramos a rádio oficial do GP, aquilo tudo fazia parte do show.

O microfone interno pifou, colocaram um grandão por dentro do macacão, fiquei parecido com o Silvio Santos.

Era apenas uma exibição, na fila muitos amigos, entre eles o Salomão em seu Fusca Okrasa, o Rodrigo, que comprara a outra carretera, o Seixas num Gordini de rua que ele acabou comprando, mas eu estava uma pilha de nervos, naquela emoção de andar no Templo com 70 mil pessoas nas arquibancadas. Aproveitei, claro, para mandar o recado via satélite na testeira do carro, já que os EUA tinham acabado de invadir o Iraque.

Tudo tinha de dar certo. Até Bernie Ecclestone, vejam vocês, se aboletou num Karmann-Ghia pilotado pelo presidente da Volkswagen do Brasil. Foi sem capacete, o cabra. Os dois, aliás. Mas como era um passeio, tudo bem. Ele curtiu. Saiu do carro sorrindo, dizendo que estava morrendo de medo que aqueles calhambeques jogassem óleo na pista.

Demos as quatro voltas atrás de um pace-car qualquer, e eu não tinha a menor idéia se o #17 era rápido ou não. Apenas queria que não quebrasse, que fosse até o fim, sem ferver o motor, sem pifar nada.

Deu tudo certo. Acho que só um carro parou no meio do caminho, os demais chegaram inteiros a um lugar combinado antes, cujo acesso se dava pela antiga Curva 1, e assim que estacionamos desabou o maior toró que já vi em Interlagos. Tudo bem, já tinha ido.

Voltei para a sala de imprensa de macacão e tudo, e o desfile foi muito menos notado por meus colegas do que eu imaginei que seria. Mas isso não importava. Ali nasceu o Historic Racing Cars, campeonato que começaria algumas semanas depois com… seis carros no grid!

Eu mesmo não corri, estava em Imola. O Salomão classificou meu DKW e, pasmem, largou na pole com alegados 2min46s. Digo “alegados” menos por seu depoimento, muito mais pela zona que foi aquele ano, sem carros para competir, uma tristeza. Confiar na cronometragem, nessas condições, era uma temeridade. Mas uma semente foi plantada. Salomão não concluiu a corrida. Deu algumas voltas, começou a esquentar demais, ele abandonou com medo de estourar meu motor.

Participei de umas três provas, no máximo, em 2003. A idéia de um grid até 1.200 cc não vingou. Mas algumas pessoas foram aparecendo e se envolvendo mais, como Monsieur le président Alberto Reis, Sérgio Spagnolo, Luiz Finotti… E foi para os Finotti que meu carro foi transferido no segundo semestre, diante de alguns probleminhas com os Klinchen que não vêm ao caso. Ali começou a virar carro de corrida de verdade.

Em 2004, criamos o AA, campeonato de Autos Antigos. Luiz Evandro Águia se juntou a nós com sua Berlineta Interlagos, ganhou o título, e a categoria cresceu ainda mais em 2005 e virou Copa São Paulo de Carros Antigos, e em 2006 foi o que vocês todos já sabem, a série rebatizada como Superclassic, com o #17, que já tinha virado #12 (os Carloni, que fizeram a réplica da Brasília do Ingo, queriam usar o 17 e, claro, troquei), transformado em #96 a partir do blog.

Nesses quatro anos, só mesmo em 2005 o #96 (#12) teve adversário direto, o DKW amarelo de Carlos Braz, que atualmente corre de Passat. Hoje é um participante solitário, mas carrega nos ombros o começo de tudo, o que não é pouco.

E é isso. Sábado, ele começa sua quinta temporada. Dos mais de 30 carros que estavam no desfile do GP do Brasil em 2003, é o único remanescente. Do grid magro que abriu o campeonato daquele ano, idem.

Só isso faz dele um carrinho especial.