Blog do Flavio Gomes
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A última

SÃO PAULO (e ponto final) – Outro dia coloquei aqui minha penúltima coluna publicada na “Folha”, em 23 de abril de 1994, falando da morte de Dener. Pediram para eu achar a última, ei-la. A da semana seguinte, depois da morte de Senna, nunca foi escrita porque deixei o jornal antes. Este texto, publicado no […]

SÃO PAULO (e ponto final) – Outro dia coloquei aqui minha penúltima coluna publicada na “Folha”, em 23 de abril de 1994, falando da morte de Dener. Pediram para eu achar a última, ei-la. A da semana seguinte, depois da morte de Senna, nunca foi escrita porque deixei o jornal antes.

Este texto, publicado no dia 30 de abril de 1994, teve como título “Medo”.

Fico imaginando se isso acontece comigo. Medo não existe para esses caras que acompanho o ano inteiro. O acidente de Rubinho ontem me fez pensar duas vezes antes de entrar de volta no meu Fiat alugado que mal passa dos 100 km por hora.

Ele, com o nariz quebrado e deitado numa maca, duas horas depois de um vôo assustador, só pensava em voltar à pista hoje para correr de novo.

Não ria. Quando eu tinha uns oito anos, fazia natação. Era um promissor candidato a Mark Spitz, ganhador de sete medalhas de ouro na Olimpíada de Munique. Fui passar de uma margem à outra da piscina e quase morri afogado. Hoje nado, digamos, socialmente. Em piscinas de não mais que um metro e meio de “fundura”, como se diz no interior.

Isso se chama medo, pavor. Mas pilotos têm uma curiosa maneira de lidar com essas coisas que tiram o sono de qualquer ser normal. Combatem o medo desafiando-o.

Em minha curta carreira no meio de carros de corrida, assisti ao vivo alguns acidentes tenebrosos. O primeiro foi em 89, em Paul Ricard, França. Maurício Gugelmin, na largada, capotou e voou sobre uma porção de capacetes. Caiu de cabeça para baixo.

Foi apavorante. Mas ele saiu do cockpit e voltou correndo aos boxes para pegar o carro reserva. Estava com o capacete arranhado. Nem tirou para não ter idéia do que poderia ter acontecido.

Vi também o Martin Donelly, da Lotus, estendido desacordado no meio da pista, em Jerez. Até trouxe para casa um pedaço da carenagem amarela como souvenir macabro. No mesmo ano, Derek Warwick capotou na Parabólica, em Monza, e, como Gugelmin, saiu correndo para pegar o outro carro.

E foi Warwick quem melhor explicou essa esquisita atração pelo medo que os pilotos cultivam. Disse que, se naquele momento não entrasse imediatamente num carro de corrida, não dirigiria mais nem carrinho de supermercado.

É verdade. Assim dá para entender porque Piquet voltou a Indianápolis e porque Christian Fittipaldi, depois da pirueta espetacular do ano passado na Itália, não desistiu da carreira. Eles não têm medo de nada. Só de não poder correr mais.