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Denis

FLAVIO GOMES Foi a primeira notícia que eu recebi assim que coloquei os pés no Brasil, na madrugada de quarta-feira. Antes mesmo de tomar meu tradicional cafezinho expresso em Cumbica. Antes mesmo de tirar dinheiro no caixa eletrônico para pegar um táxi. Eram cinco da manhã. Aquele menino da Portuguesa, o Denis, morreu, disse alguém. […]

FLAVIO GOMES

Foi a primeira notícia que eu recebi assim que coloquei os pés no Brasil, na madrugada de quarta-feira. Antes mesmo de tomar meu tradicional cafezinho expresso em Cumbica. Antes mesmo de tirar dinheiro no caixa eletrônico para pegar um táxi. Eram cinco da manhã. Aquele menino da Portuguesa, o Denis, morreu, disse alguém.

Você pode se perguntar: que diabo esse cara tá falando numa coluna de automobilismo? Quem é o Denis?

O Denis morreu. Nesses momentos, os sentimentos são confusos. Emoção, curiosidade, raiva, impotência, choque. Tristeza talvez seja o mais próximo da realidade. Acho que a Fórmula 1 não vai se importar de ficar fora destas linhas hoje. O Denis morreu.

Nós, as duas mil testemunhas fixas que acompanham a Portuguesa em jogos noturnos e melancólicos no Canindé, tínhamos uma boa e secreta razão para ir ver a pobre lusinha jogar mesmo sabendo que ser campeão era uma ficção, que ganhar era acaso. A gente ia ver o Denis.

Não importa que o nome dele seja outro. Para milhares de pessoas que nesses últimos dias gritaram seu nome, aplaudindo minuto de silêncio em estádios de todos os cantos, ele era o Denis, o Dêni, variações sobre o mesmo tema.

Ele era o Craque. O Elo Perdido entre o futebol que o Brasil já teve um dia e essa coisa que eu vi quarta-feira pela TV.

Nós, as duas mil testemunhas, não sabíamos que as pessoas normais também sabiam quem era o Dener. Ele era nosso patrimônio. Aquele talismã que quanto menos for conhecido, melhor.

Já escreveram tudo que se podia sobre o Dener nestes últimos quatro ou cinco dias. Mas só nós, as testemunhas, sabemos exatamente o que era Dener. Quem viu o gol contra a Inter de Limeira num meio de semana escuro na zona norte? Quem estava lá para ver o Gol, o Gol Essencial? Eu estava. Eu vi o Gol, o Drible, o Arranque. E não consegui comemorar. Só aplaudi.

Dener foi menos aplaudido do que merecia. Brincando, quando Dener era apenas um lampejo de brilho com a camisa dez de um time obscuro e burro, que deveria programar seu futuro em função dele, eu dizia aos amigos que seu nome inteiro era Dener Arantes do Nascimento.

Não é heresia, nem pretensão. Dener não podia ter morrido. Esperem cem anos pelo próximo.

Texto publicado originalmente na “Folha de S.Paulo” no dia 23 de abril de 1994. Foi a penúltima que escrevi para o jornal. Hoje faz 13 anos que morreu Dener.