Blog do Flavio Gomes
Pequim 2008

BRASIL COM “N”

PEQUIM (faz pensar) – Sete anos atrás ele pegou um ônibus em Capela, no Sergipe, e desceu para o Sul maravilha. Foi se juntar à mãe, que já tinha se instalado em São Vicente, perto de Santos, aonde foi atrás de trabalho. Ainda adolescente, via os meninos da sua idade remando no Canal dos Barreiros. […]

PEQUIM (faz pensar) – Sete anos atrás ele pegou um ônibus em Capela, no Sergipe, e desceu para o Sul maravilha. Foi se juntar à mãe, que já tinha se instalado em São Vicente, perto de Santos, aonde foi atrás de trabalho. Ainda adolescente, via os meninos da sua idade remando no Canal dos Barreiros. Um amigo o levou até lá. As aulas na escolinha de canoagem custavam 20 reais por mês. O amigo emprestou metade. Ele começou a remar. Levava jeito. Mas acabou o mês, e acabou o dinheiro. “Aí eu parei, porque não tinha condições de pagar as aulas.”

Um mês depois, o técnico Pedro Sena o encontrou numa feira. Lembrou dele e perguntou por que tinha parado. Por causa da grana. Tirou do bolso, e Nivalter Santos de Jesus, no final de 2004, voltou a fazer canoagem no Canal dos Barreiros.

No ano seguinte, estava na seleção brasileira e já era campeão sul-americano. No ano passado, no Pan do Rio, levou o bronze em sua especialidade, C1, prova de 500 metros — uma canoa rápida, na qual se rema ajoelhado sem tempo nem de olhar para os lados.

Nivalter Santos de Jesus, que não tinha 20 mangos por mês para praticar um esporte, é o Brasil com “N” de hoje. Ele vai à raia do Parque de Canoagem e Remo de Shunyi no dia 19 como primeiro e único representante brasileiro na canoagem em Pequim. Tem 20 anos de idade e uma humildade do tamanho da China.

Quando você começou, imaginava que pouco tempo depois estaria numa Olimpíada?

Eu não imaginava que ia ficar tanto tempo na canoagem. Porque não tinha dinheiro para pagar as aulas. Mas depois que eu voltei, os resultados começaram a aparecer e eu comecei a sonhar. Hoje estou muito feliz.

Quanto custavam essas aulas?

20 reais.

Por aula?

Por mês.

E como você conseguiu voltar?

O Pedro [Pedro Sena, seu técnico] me encontrou numa feira e me colocou de volta na escolinha da AFC [Associação dos Funcionários da Cosipa].

E onde você treinava, em Cubatão?

Em São Vicente, mesmo. Mas tem canal que passa por Cubatão.

Hoje você se sente realizado, por estar em Pequim?

Não. Por enquanto eu só dei um passo para realizar meu sonho de verdade, que é ser campeão olímpico, ou mundial.

E dá para pensar nisso aqui?

Todo mundo quer uma medalha, né? Se eu chegar a uma final, aí será bom disputar uma medalha.

E quais são seus principais adversários?

Rapaz, eu não me ligo muito nos nomes deles, não. Eu saio remando.

Mas quais os países mais fortes, os caras que vão dar mais trabalho?

Ah, da Hungria, Alemanha, Canadá. Eles são muito fortes.

Você já foi ver a raia?

Fui. É uma raia artificial. Parece que era uma plantação de arroz.

E como são as raias no Brasil? Você tem condições legais de treinar?

Não, porque no Brasil as raias são todas tortas, né? A gente vai remando e as bóias vão saindo do lugar. Quando chega no fim, não sabe nem em que raia chegou. Mas tem uma em Curitiba que é muito boa.

Isso não atrapalha nos treinamentos, na sua preparação?

Rapaz, acho que não adianta ficar pensando nisso, senão a gente não vai pra frente. Quando dá, a gente faz intercâmbios, fica um mês na Europa, o importante é aproveitar. Mas não dá para pensar em morar fora, não.

E dá para viver de canoagem?

Olha, eu vivo, mas é difícil. Às vezes o salário não dá para pagar as contas.

Quem te ajuda?

Eu tenho patrocínio de uma universidade [UNIMES, Universidade Metropolitana de Santos] e de uma firma de embalagens [Porsani, também de Santos].

Algumas perguntinhas rápidas… Você já remou contra a maré?

Remo contra a maré todo dia, correndo atrás de patrocínio.

Onde você sonha remar? Algum rio famoso, algum lugar conhecido?

Não, nenhum lugar assim. Acho que na praia da Biquinha.

Onde é isso?

Em São Vicente.

Qual foi a maior remada da sua vida?

Quando eu consegui me classificar em quinto na Copa do Mundo da Alemanha. Mas acho que a minha maior remada ainda está por vir.