Blog do Flavio Gomes
Pequim 2008

BRASIL COM “Z”

PEQUIM (ela tem a força) – Rosângela Conceição tem 35 anos e é uma lutadora. Domingo, inicia sua caminhada em Pequim como representante solitária do Brasil na luta olímpica, categoria livre, 72 kg. Em maio, chegou à final do Pré-olímpico em Edmonton, no Canadá, garantindo sua vaga nos Jogos. É sua segunda Olimpíada. Em 1996, […]

PEQUIM (ela tem a força) – Rosângela Conceição tem 35 anos e é uma lutadora. Domingo, inicia sua caminhada em Pequim como representante solitária do Brasil na luta olímpica, categoria livre, 72 kg. Em maio, chegou à final do Pré-olímpico em Edmonton, no Canadá, garantindo sua vaga nos Jogos.

É sua segunda Olimpíada. Em 1996, esteve em Atlanta. De quimono, na equipe de judô, como reserva de Edinanci Silva. Em 2003, não se classificou para Atenas, “fiquei deprimida”, e decidiu mudar o rumo, por sugestão do técnico cubano Eugenio Fontes.

“O judô começou a ficar muito esse negócio de catar a perna. Então, tem bastante semelhança com a luta olímpica. Difere um pouco a posição, porque a gente luta com o joelho flexionado, mas dá para usar muitos golpes”, diz. “Eu já tinha assistido a algumas competições. Fui ver como era e comecei a treinar com o Eugenio, que me mostrou uma luta apaixonante.”

Rosângela Conceição mora e treina em São Paulo, na estrelada academia Fórmula do Shopping Eldorado. Mas fala “tu” o tempo todo, porque é gaúcha “com muito orgulho”, de São Leopoldo. E é esse sotaque gaúcho que ela empresta três vezes por semana ao Hospital Infantil Darcy Vargas, no Morumbi, num grupo multidisciplinar que cuida de crianças com Síndrome de Down. Ela ajuda a garotada na parte física, motora e nos fundamentos do judô. “Dá um resultado maravilhoso. Quando saio de lá, percebo que quem está bem sou eu, elas me ajudam muito mais do que eu ajudo a elas. Cada vez que volto, sinto que estou melhor do que quando cheguei.”

Rosângela Conceição, linda, cheia das tranças no cabelo, sorriso largo e aquele olhar de quem sabe exatamente o que veio fazer no mundo, é lutadora e é o Brasil com “Z” da nossa série. Porque na verdade ela é a Zanza, como gosta de ser chamada.

Você é a única brasileira na luta olímpica. Como é que faz para treinar no Brasil?

O meu treino tem de ser diferenciado, por causa da minha idade e da sobrecarga de trabalho. Acabo treinando com uma pessoa só lá na Fórmula, o Felipe, que faz jiu-jitsu. Treino luta olímpica de três a quatro horas por dia. Ele me ajuda muito, porque aplica várias técnicas de luta que a gente precisa usar nessa modalidade.

Deve ser duro esse negócio de treinar com homem, não?

Nada, é normal. No judô eu fazia isso, também. Não tem mistério.

Do judô para a luta, como foi a transição?

A filosofia é diferente. O judô tem origem oriental e a luta vem da Grécia. Na luta se valoriza muito a educação, o respeito pelo adversário, o espaço e a higiene.

Higiene?

É. Por isso que a gente tem que ter sempre dois lencinhos prontos para usar no caso de um corte, um sangramento… E uma toalha para se secar sempre, o tempo todo. Homem tem de estar barbeado, tem todas essas coisas…

Depois do bronze no Pan do Rio, no ano passado, o que está esperando aqui?

 Eu treinei para fazer o meu melhor. Não vai ser fácil. Tem uma búlgara que é bicampeã mundial e uma chinesa campeã olímpica que são as adversárias mais fortes.

Você falou que treina com um rapaz que luta jiu-jitsu. O jiu-jitsu tem uma imagem meio negativa no Brasil por causa desses caras que saem brigando por aí nas ruas…

É verdade. Mas esses não são lutadores, são baderneiros. Estragam a imagem da modalidade, que é muito bonita, um jogo de xadrez. Os bons professores de jiu-jitsu são muito especiais, eles acompanham você não só no tatame, mas na sua vida toda, também. Infelizmente, as pessoas acham que jiu-jitsu é essa coisa de bad boys, mas isso não é jiu-jitsu.

E o seu trabalho social com crianças com Síndrome de Down?

É no Hospital Infantil Darcy Vargas, no Morumbi. Eu faço judô com eles, mostro os valores humanos que o judô ensina, trabalho a parte física e motora. E a gente usa sempre uma frase que é muito importante: “Ser diferente é normal”. Esse trabalho dá resultados maravilhosos. Eu sempre saio de lá melhor do que entrei.

Que idade elas têm?

A gente acompanha desde o nascimento, o trabalho desse grupo começa na gestação. Mas para mim eles vêm a partir dos 4 anos. E é lindo, eles estão me mandando e-mails desejando boa sorte, fizeram desenhos, me dão uma força muito grande.

Agora, as perguntinhas metidas a besta… Qual a maior luta da sua vida?

A luta pela sobrevivência. No dia a dia, nos tatames e na área de luta. É tudo muito difícil no Brasil. No nosso país falta tudo. Acho que é isso, a luta para sobreviver a cada dia.

Uma luta inglória…

O trabalho que faço pelo humanismo. Essa é inglória, porque quando tu chega com essa proposta, até tocar o coração das pessoas, ouve muita barbaridade e vê muita indiferença.

Um grande lutador…

Daisaku Ikeda, um educador e humanista japonês que roda o mundo fazendo trabalhos sociais e despertando o amor das pessoas, um cara que luta contra as guerras e as injustiças, como essa guerra ridícula entre Rússia e Geórgia, que têm atletas aqui e a gente vê eles se abraçarem e competirem de um jeito tão bonito, coisa que só o esporte pode proporcionar.

Para terminar, qual a luta que você compra de olhos fechados, contra o quê você acha que vale a pena lutar até o fim?

Contra a indiferença social.