Blog do Flavio Gomes
Futebol

SOBRE A SÉRIE B

SÃO PAULO (onde anda Belchior?) – Sábado, 80 mil pessoas foram ao Maracanã para ver o Vasco na Série B. Alguns anos atrás, num jogo da terceira divisão, o Fluminense levou mais de 100 mil ao estádio — não tenho os dados precisos, mas eles não importam. O Palmeiras caiu um dia e voltou nos […]

SÃO PAULO (onde anda Belchior?) – Sábado, 80 mil pessoas foram ao Maracanã para ver o Vasco na Série B. Alguns anos atrás, num jogo da terceira divisão, o Fluminense levou mais de 100 mil ao estádio — não tenho os dados precisos, mas eles não importam. O Palmeiras caiu um dia e voltou nos braços de sua torcida, que passou um ano feliz da vida, assim como os torcedores do Atlético Mineiro, do Grêmio, do Botafogo, do Corinthians quando eles caíram, e depois voltaram.

O maior público da Portuguesa no Canindé nos últimos anos foi na decisão da Série A2 do Paulista. Na Série D, a torcida do Santa Cruz encheu o Mundão do Arruda nos três jogos.

Ninguém olha para esses acontecimentos como deveria. A análise futebolística no Brasil (e deve ser assim no mundo todo) é de uma chatice atroz, limita-se a números bobos, 3-5-2, 4-4-3, 3-5-1-1, “duas linhas de quatro”, essas merdas, cientificismo fátuo que se desfaz no primeiro chute errado, no primeiro frango, discussões intermináveis sobre o toque de mão no gol e o pênalti que não existiu. Não é novidade o que estou dizendo, há uma corrente de pensamento que acha tudo isso muito chato, mesmo, e há bastante tempo. E tem gente que adora.

Parece até maluquice alguém como eu, que trabalha numa emissora de esportes que fala 90% do tempo sobre futebol, dizer essas coisas. Mas vá lá.

O futebol é a torcida e o torcedor. A arquibancada. O melhor do Museu do Futebol em SP é ficar debaixo das arquibancadas vendo as torcidas do Brasil inteiro nos telões. O sofrimento, a alegria, o riso, o choro, o canto, o urro. O resto é acessório. E o problema da crônica esportiva, há séculos, é que ela não frequenta a arquibancada, e por isso não compreende a essência do futebol. A arquibancada é um mundo, é o universo em escala, é a vida no seu estado mais puro.

Não fosse assim, o que explicaria essa repentina paixão de torcedores magoados e feridos por seus times nas divisões inferiores? Longe dos holofotes, da tal de elite, dos noticiários, dos álbuns de figurinhas, da TV às quartas e domingos? Esse é um fenômeno, compreendido só por quem está lá.

Não há solidariedade maior do que a que se vê numa arquibancada da segunda divisão, ou num jogo do Juventus, ou do América do Rio. É o sentimento do recomeço, que a maioria das pessoas tem medo de assumir, a mudança de rumo e realidade que na vida real assusta e apavora. No futebol, ela é forçada, o torcedor é levado a ela independentemente de sua vontade, então só resta mesmo recomeçar. E é ali, na arquibancada, que se vive esse recomeço do qual a gente vive fugindo. Ali, ninguém tem vergonha de começar de novo, não há olhares de censura dos amigos e da família, estamos todos no mesmo barco, dispostos a trocar o carrão e o apartamento de quatro quartos pelo fusquinha e pela quitinete, é a chance de ser feliz com menos e se orgulhar disso.

Futebol é isso aí, Albert Camus é o único cara no mundo que entendeu o que é o futebol. E Carlos Alberto Parreira, por vias tortas, tinha razão. O gol é um detalhe.