Blog do Flavio Gomes
Automobilismo brasileiro

SONDERMANN

SÃO PAULO – Gustavo Sondermann não resistiu aos ferimentos e teve seu quadro neurológico declarado irreversível pelos médicos que o atenderam no final da tarde em São Paulo. Ele tinha 29 anos. Era companheiro de Rafael Sperafico quando este morreu numa prova da Stock Light em 2007 depois de um acidente no mesmo local. É […]

SÃO PAULO – Gustavo Sondermann não resistiu aos ferimentos e teve seu quadro neurológico declarado irreversível pelos médicos que o atenderam no final da tarde em São Paulo. Ele tinha 29 anos. Era companheiro de Rafael Sperafico quando este morreu numa prova da Stock Light em 2007 depois de um acidente no mesmo local.

É muito difícil, pelas imagens disponíveis, descrever com precisão a dinâmica do acidente. Não dá para ver direito se Gustavo bateu no muro e voltou para a pista, sendo atingido por Boesel. Ou se ele rodou, perdeu o controle e foi atingido. Ou se foi tocado, perdeu o controle, e foi atingido.

Mas há uma imagem, da foto em post um pouco mais abaixo, que deveria, pelo menos, nortear uma linha de investigação. Um pneu traseiro, de chuva, foi montado ao contrário. Isso poderia ter levado a uma instabilidade do carro, nas condições muito adversas de pista molhada, dificultando sua dirigibilidade.

Em acidentes fatais em corridas, a busca de culpados é sempre muito intensa e urgente, pelo inconformismo de todos. A história, no entanto, mostra que em geral não há um único culpado, mas uma sequência de fatos gerados por uma série de fatores que levam à fatalidade.

Os fatores são conhecidos: carros pouco seguros (me parece claro que esses carros tubulares têm deficiências), pistas perigosas (o Café já deveria ter sido alvo de um grupo de estudos sério e capaz de deliberar algo, tantos são os acidentes ali), dirigentes obtusos e covardes (em certas condições de piso e visibilidade, simplesmente não dá para correr; basta não autorizar a largada e pronto) e pilotos irresponsáveis (no Brasil, nem todos têm preparo para andar em determinadas categorias, há casos de doping, uso de drogas, álcool). Já contei aqui várias vezes que nas credenciais da F-1, para jornalistas e todos os outros, há a inscrição: “Motorsport is dangerous”. Claro que sim. Todos que estão numa arena onde carros, motos ou caminhões voam a sei lá quanto por hora correm algum tipo de risco. Uma batida, uma peça que voa na arquibancada, um incêndio nos boxes. A lista do que pode acontecer é enorme.

Mas a história também mostra que se deve aprender com acidentes. Estudá-los, entender sua dinâmica, agir para evitá-los ou, ao menos, diminuir a chance de que se repitam. Tem sido assim na F-1, é preciso reconhecer. Depois das mortes de Senna e Ratzenberger, a categoria passou por uma verdadeira cruzada pela segurança que aumentou, e muito, as chances de sobrevivência dos pilotos na maior parte das situações possíveis e previsíveis.

O que preocupa, incomoda, irrita no automobilismo brasileiro é que os envolvidos não agem. Que me lembre, aqui mesmo neste blog, relatei nos últimos meses uma morte em prova de arrancada em Curitiba, outra por atropelamento numa corrida de kart em Cascavel, mais um monte de feridos em eventos “amadores” com chancela oficial (arquibancada que caiu também numa arrancada, o tal do Múcio que atropelou espectadores num exótico campeonato de “manobras”), mais um morto num “track day” de moto em Interlagos…

Há federações, confederações, organizadores, promotores, construtores, preparadores, donos de equipe, mecânicos, engenheiros, patrocinadores, pilotos, um universo de gente que faz parte deste mundo da velocidade. E eles vivem numa inércia inaceitável. Morreu um, a indignação é geral. Mas dura pouco, até a morte seguinte.

Não devem ser tratadas como fatalidades, no caso de Interlagos, as duas mortes deste ano. Elas ocorreram no mesmo ponto da pista, embora os acidentes possam ter sido diferentes entre si. Está mais do que na hora de alguém pegar uma foto aérea daquela curva, chamar especialistas, propor mudanças e realizá-las.

Mais do que na hora.