Blog do Flavio Gomes
Arquitetura & urbanismo

AS CORES

SÃO PAULO (e eu tenho saudades) – Enviado pelo Joannis Mihail Moudatsos, o cartão postal mostra a antiga Rodoviária da Luz. Inaugurada em 1961, foi desativada em 1982, quando passaram quase tudo para o Terminal Tietê. Ficou saturada, o centro da cidade já não comportava mais tantos ônibus e com a desativação a região, que […]

SÃO PAULO (e eu tenho saudades) – Enviado pelo Joannis Mihail Moudatsos, o cartão postal mostra a antiga Rodoviária da Luz. Inaugurada em 1961, foi desativada em 1982, quando passaram quase tudo para o Terminal Tietê. Ficou saturada, o centro da cidade já não comportava mais tantos ônibus e com a desativação a região, que já era degradada, piorou ainda mais. Hoje é o coração da Cracolândia. O prédio chegou a ser transformado em shopping popular, mas acabou desapropriado em 2007 para a construção de uma escola de dança e centro cultural públicos. Claro que nem começaram. Na verdade, por enquanto só derrubaram a rodoviária antiga, o local está cheio de entulho e de noias fumando o dia inteiro, e já devem estar pagando o caríssimo escritório de arquitetura suíço. 600 milhões de dinheiros é o valor estimado da obra. E não conseguem acabar com o crak. Um orgulho da cidade.

Olhando assim, o prédio parece um horror. De certa forma, era. Era todo revestido internamente com pastilhas coloridas, assim como o prédio da “Folha”, a poucos quarteirões dali. Explica-se. Os sócios do jornal, Carlos Caldeira e Octavio Frias de Oliveira, parece que receberam um quatrilhão de pastilhas como pagamento de uma dívida. Pelo menos era a lenda que ouvíamos. Eles também atuavam no ramo de incorporação e eram brothers do poder, sacumé. Aí construíram a rodoviária e a “Folha”, e enfiaram pastilhas coloridas até no rabo. Na “Folha”, tinha pastilha no chão, nas paredes e no teto. A gente entrava na redação e ficava imediatamente tonto.

De tão feio, ficou bonito. Ao menos, folclórico. E os acrílicos coloridos da fachada eram um charme, de tão cafonas. O problema era a manutenção. Viviam sujos.

Usei essa rodoviária muito. Muito mesmo. Morava em Campinas e vinha a SP pelo menos duas vezes por semana, para ver a Lusa jogar. Isso durante quatro anos. Pegava o Cometão, descia na praça Julio Prestes, caminhava até o metrô Luz, pegava o trem até a Ponte Pequena, atravessava o terreno da Escola Técnica Federal e estava no Canindé. Na volta, sempre comprava um Asterix ou Tintim na enorme livraria do piso superior. Começava a ler exatamente quando o ônibus entrava na Anhanguera. Pontualmente uma hora depois chegava a Campinas, nem via o tempo passar. No total da viagem, 90 minutos. Conto nos dedos as vezes em que atrasou um pouquinho, ou chegou adiantado. Os motoristas da Cometa eram uns fodões.

E foi num desses que fui roubado pela primeira vez. Meu ritual de garoto era, enquanto o ônibus não saísse da cidade, ficar com a janela aberta e o vento na cara, olhando para as ruas onde eu queria voltar a morar de qualquer jeito — gostava de Campinas, mas era doido para viver em SP de novo, queria entrar logo na faculdade, me formar, trabalhar em jornal. Com o bração para o lado de fora, o ônibus parado no farol, veio um garoto da rua, saltou feito um gato e arrancou um relógio do meu pulso. Era um Casio digital com pulseira de borracha.

Fiquei bem puto do alto dos meus 14 anos. Eu tinha comprado com a minha mesada.