Blog do Flavio Gomes
Futebol

SÓ O FÉLIX

SÃO PAULO – Há coisas da infância que a gente não sabe direito por que lembra. Lembro do Félix por causa de Dom & Ravel, dos Incríveis, do meu pai e de uma música que tocava sem parar em 1970. “Eu te amo, meu Brasil” era um hino nacional informal escrito pela dupla Dom & […]

Félix com Aldo, do Corinthians, no Pacaembu (Foto reprodução “SP Antiga”)

SÃO PAULO – Há coisas da infância que a gente não sabe direito por que lembra. Lembro do Félix por causa de Dom & Ravel, dos Incríveis, do meu pai e de uma música que tocava sem parar em 1970. “Eu te amo, meu Brasil” era um hino nacional informal escrito pela dupla Dom & Ravel, gravada pelos Incríveis, distribuída em disquinhos compactos junto com caixas de sabão em pó ou revistas semanais. E tocava o dia inteiro em casa, no rádio e na TV.

Diante da letra de Dom & Ravel, Joaquim Osório Duque Estrada talvez fosse preso pelo regime militar em 1970 caso participasse de um concurso para escolher o Hino Nacional. Povo heróico, brado retumbante, penhor dessa igualdade, ó liberdade, isso é coisa de comunista. Desconfio até que algum general deve ter pensado em revogar o hino original e adotar os versos dom-ravelianos, imortalizados pelos incríveis Incríveis. Como resistir?

As praias do Brasil ensolaradas
O chão onde o país se elevou
A mão de Deus abençoou
Mulher que nasce aqui
Tem muito mais amor

O céu do meu Brasil tem mais estrelas
O sol do meu país mais esplendor
A mão de Deus abençoou
Em terras brasileiras
Vou plantar amor

Eu te amo meu Brasil, eu te amo
Meu coração é verde, amarelo, branco, azul, anil
Eu te amo meu Brasil, eu te amo
Ninguém segura a juventude do Brasil

E aí entram o Félix e meu pai. A gente, eu e meus irmãos, sabia a letra de cor. E quando chegava nessa história de segurar a juventude do Brasil, meu pai interrompia a cantoria e gritava: “Só o Félix!”. A gente não entendia nada, não conhecia aquele tal de Félix que segurava a juventude do Brasil, eu nem sabia direito o que era juventude, mas era tudo muito gozado e ríamos às pampas.

Félix morreu hoje. Foi goleiro da Portuguesa entre 1955 e 1968. Jogava sem luvas, era considerado um goleiro baixo e carregava uma mágoa eterna. A seleção foi tri no México “apesar de Félix”, diziam, ainda dizem alguns que se dizem entendidos. Esquecendo-se, talvez, do jogo mais difícil daquela Copa, contra a Inglaterra, 1 x 0, gol fechado pelo “Papel”, como os colegas o chamavam.

Afável, gentil, simplório, Félix morreu pobre. Alguns anos atrás, não muitos, fugi do trabalho numa tarde qualquer para ir à Rua Javari ver Portuguesa x Juventus com o Eduardo Affonso, meu colega de rádio. Na saída do estádio, emparelhamos com um carrinho popular parado no trânsito, olhei para o lado e quem estava dirigindo era o Félix, goleiro da maior seleção que o Brasil já montou. Félix, um imortal, saindo da Javari onde foi ver a sua Portuguesa e o seu Juventus, onde jogou de 1951 a 1954.

Félix, um imortal, morreu como morrem todos, até os imortais.

Félix na Portuguesa em 1964. Ao fundo, a Concha Acústica (Foto reprodução “Terceiro Tempo”)