Blog do Flavio Gomes
Gomes

WARM UP, 20

SÃO PAULO (já, sim) – Não guardei muita coisa, fisicamente falando. Deveria. O folhetinho que mandei rodar em duas cores, a mala-direta enviada a mais de 300 jornais do Brasil inteiro. Talvez tenha sobrado algum na bagunça do escritório. O projetão que só deu para imprimir uns quatro ou cinco, porque era caro demais fazer […]

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SÃO PAULO (já, sim) – Não guardei muita coisa, fisicamente falando. Deveria. O folhetinho que mandei rodar em duas cores, a mala-direta enviada a mais de 300 jornais do Brasil inteiro. Talvez tenha sobrado algum na bagunça do escritório. O projetão que só deu para imprimir uns quatro ou cinco, porque era caro demais fazer aquelas cópias coloridas. Os primeiros anúncios. Isso eu tenho, vou achar. Os recortes de jornais, também. Muitos, tudo encadernadinho.

O primeiro computador.

Era um IBM Aptiva, 486. Sobrou a torre, mas o Victor Martins deu um fim no monitor. Comprei financiado pelo ABN-Amro Bank.

27 de setembro de 1994. Essa foi a data que escolhi como de fundação da Warm Up. A empresa, legalmente falando, foi constituída no começo de 1995. E idealizada antes do 27 de setembro. Foi lá pelo final de julho, depois da Copa. Em maio, eu tinha sido mandado embora da “Folha”. Não recebi nenhuma proposta de emprego, então resolvi ficar em casa vendo todos os jogos para decidir depois o que fazer.

Um dia, me liga o Ricardo Tedeschi, ex-empresário de Barrichello, amigo de autódromos pelo mundo. Já com as contas apertando o calo, fazendo um frila aqui e outro ali, ganhando uns trocos da Jovem Pan, fui ver o que ele queria. O almoço foi no In Città, restaurante dele num flat do Itaim. Ricardo estava tocando uma equipe de F-Chevrolet e precisava de um assessor de imprensa. E ajudava também a cuidar das carreiras de alguns meninos, como Tony Kanaan e Cristiano da Mata. Mas eu não queria ser assessor de imprensa.

Então, me deu um estalo. Antes mesmo de irmos para a mesa, em meio a amendoins e um suco de tomate, tive uma ideia repentina. O Ricardo era um cara bem relacionado, conhecia empresas ligadas ao automobilismo, patrocinadores de pilotos e equipes, e propus a ele, sem ter a menor noção de que poderia dar certo, uma agência de notícias. O quê? Sim, uma agência de notícias de Fórmula 1. Olha só: eu vou continuar viajando pela rádio, só quatro jornais têm repórteres cobrindo F-1, a “Folha”, o “Estadão”, “O Globo” e o “JB”. Vamos oferecer minha cobertura para todos os outros. De graça. A gente só pede um rodapé da página em quatro edições por GP. Você arruma um patrocinador e a gente racha a grana.

O Ricardo gostou. Vem trabalhar no meu escritório, convidou, e alguns dias depois lá estava eu numa mesa dividindo a sala com ele no último andar de um lindo e modernoso prédio na esquina da Joaquim Floriano com a Bandeira Paulista.

Comprei o computador. Comprei o anuário do “Meio & Mensagem” com endereços, telefones e fax de todos os jornais do Brasil. Estávamos em 1994. Não existia e-mail, nem internet. Mandei fazer a mala-direta. Comprei uma caixa de etiquetas adesivas e um programinha em disquete para imprimir endereços nelas. No dia 27 de setembro de 1994, levei uma caixa de papelão com 300 envelopes etiquetados a uma agência dos correios na Brigadeiro Luiz Antonio. A caixa foi colocada no porta-malas de um Twingo vermelho. No dia 27 de setembro de 1994, lancei a minha sorte pelo correio, levado por um Twingo.

Amanhã faz 20 anos. Naquele dia, os correios enviaram minha mala-direta para mais de 300 jornais do país inteiro, e fiquei esperando as respostas. Todo mundo ia querer F-1 de graça, como não? Ainda mais uma cobertura feita pelo Flavio Gomes, o grande Flavio Gomes, da “Folha” e da Jovem Pan.

Menos de cinco jornais se interessaram. O primeiro deles foi o “Diário de Votuporanga”. O primeiro a topar a cobertura da agência de notícias Warm Up. O nome vinha dos meus tempos de “Folha”. Quando o jornal resolveu fazer uma coluna semanal de automobilismo, no fim de 1991, creio, foi o nome escolhido. A sugestão foi da Alessandra Alves, minha querida editora e, hoje, apresentadora da rádio Bandeirantes.

Tínhamos o “Diário de Votuporanga”, pois. Mas a gente precisava de mais, muito mais, para poder oferecer a um patrocinador que o Ricardo teria de encontrar. E então foram meses pendurado no telefone, ligando de um em um. Comprei um mapa do Brasil, mandei emoldurar, e pendurei na parede do escritório. O primeiro alfinete foi espetado em Votuporanga. A cada telefonema, uma alegria ou uma decepção. Sim, queremos. Não, obrigado. Manda a mala-direta de novo. E os alfinetes de cabeça vermelha começando a se espalhar pelo mapa. Cascavel, “O Paraná”. Umuarama, “Umuarama Ilustrado”. Campinas, “Diário do Povo”. Santo André, “Diário do Grande ABC”. Belo Horizonte, “O Tempo”. Curitiba, “O Estado do Paraná”. Jaú, “Comércio do Jahu”. Araraquara, “Tribuna Impressa”. Petrópolis. Teresópolis. Maceió. Salvador. Vitória. João Pessoa. Macapá. Goiânia. Pelotas. Joinville. Itatiba. Campina Grande. Brasília. Cuiabá. Macapá.

No final do ano, eram 55 jornais formando a “rede Warm Up“, mais de três milhões de exemplares diários, sete milhões de leitores, agora vai ser fácil vender.

Enquanto Ricardo saía a campo atrás de um patrocinador, eu começava a me preocupar em como mandar matérias para toda aquela gente direto dos autódromos. Telex não se usava mais. Fax era a única opção, porque nenhum jornal tinha computadores em rede, capazes de receber arquivos de texto. No mesmo andar do nosso escritório havia uma pequena empresa de tecnologia. Conversando com o vizinho, ele me indicou outra empresa, de um amigo, que poderia criar alguma solução para essa comunicação autódromo-redações. Ao mesmo tempo, escrevia para todas as equipes pedindo tudo que elas pudessem me mandar de fotos em grande quantidade, para que eu enviasse aos jornais como parte do pacote editorial — textos e fotos, era o prometido. E chegavam pacotes e mais pacotes de cromos, fotos em papel, coloridas, preto e brancas, e eu ia mandando tudo para os jornais, gastando os tubos com correio. E com telefone.

Fui à empresa indicada. Ficava perto da PUC e se chamava, chama, ProdutoBrasil. José Otávio era, é, o dono, louco por F-1 e pela Ferrari. Prestava serviços para a Microsoft, seu escritório era cheio de computadores e eu não entendia nada do que acontecia lá dentro. Uma confusão dos diabos, computadores por todos os lados, e o fiel escudeiro Alex sempre pronto para resolver qualquer pepino a qualquer hora do dia da noite e da madrugada. Expliquei o que precisava. Zé bolou um esquema maluco, eu mandaria meus textos pelo laptop usando um programinha de fax, esses textos chegariam a um outro computador que distribuiria tudo por quatro linhas telefônicas que automaticamente discariam para os números de fax dos jornais e mandariam o material para eles. Mas ia custar caro. Tudo interurbano. OK, vamos nessa.

Jornais fechados, esquema de transmissão definido, faltava o principal: um patrocinador. Nosso cálculo era de 30 mil reais por mês, para que pudéssemos rachar o lucro e pagar as despesas. E o tempo passando, e a economia derrapando, e no fim das contas o Ricardo não conseguiu vender. Eu estava fodido. Cinquenta e cinco jornais tinham contratado minha agência e eu não tinha um puto para bancar a operação. Tomei no cu de canudinho.

Mas sempre tem um jeito. E aos 44 do segundo tempo, eu mesmo consegui um patrocinador. Um santo, na verdade: o Beto, da Antenas Santa Rita. Era uma grande fabricante de parabólicas, que patrocinava até o Rubinho na Jordan. O Beto era doido por corridas, gostou da ideia, fechamos em 8 mil reais por mês. Daria para pagar as despesas de transmissão. Não mais do que isso. Mas era um começo.

Mandamos fazer os anúncios, tudo em fotolito, e tome correio de novo, as peças enviadas em envelopes enormes, uma empresa de clipagem contratada para que eu pudesse mostrar os anúncios publicados ao Beto, e assim nasceu a Warm Up.

Em 1995, a cobertura de F-1 em 55 jornais brasileiros foi patrocinada pela Antenas Santa Rita. No ano seguinte, 62 jornais. E consegui, com a ajuda do Milton Neves, vender o patrocínio para a Schincariol. A Pan me contratou com carteira assinada, aluguei uma salinha no mesmo prédio, na Paulista. E visitava empresas, tentava vender a publicidade, e comecei a apresentar um jornal diário na rádio, e viajava, e me virava. O Zé Otávio, da ProdutoBrasil, desenvolveu um novo sistema de transmissão, por BBS, os arquivos ficavam num computador e os jornais que começavam a se informatizar pegavam os textos nesse computador, e no ano seguinte vendi o patrocínio da cobertura para a Credicard, lembro até hoje quando eles me mandaram um fax para Monza para fechar o contrato para 1997, eu nem acreditava. Chorei sozinho em Monza no terraço da sala de imprensa. Ao mesmo tempo surgia o “Lance!”, para quem cobri as corridas até 2010. Veio a internet, o Zé Otávio criou o site, www.warmup.com.br, onde a gente republicava meus textos com um ou dois dias de atraso para não “furar” os jornais, e vieram os e-mails, parei de gastar com fax, e depois fechei com a Sonax, sozinho, eu mesmo vendi, era incrível, e em 1999 veio a Petrobras, e depois a Elf, a VW Caminhões, a Repsol…

E no final de 1999, o Grande Prêmio. A internet estava começando a bombar, surgiam portais e sites a cada minuto, e o Matinas Suzuki me chamou para fazer um site de automobilismo para o iG, um portal novo que estava sendo montado e que revolucionaria a internet dando acesso de graça aos usuários — que, naqueles tempos, tinham de pagar provedores para ter uma assinatura e uma conexão à rede.

Para tocar o site, que estrearia junto com o iG no comecinho de 2000, chamei um menino, Tales Torraga, que conhecera uns anos antes quando fui dar uma palestra numa faculdade de Mogi das Cruzes. Ele era maluco por F-1, conhecia tudo, um pequeno gênio, que resolveu fazer jornalismo por minha causa. Contratei também outro moleque, Everaldo Marques, que me ajudava a produzir o Fórmula Jovem Pan na rádio. Escrevíamos o dia todo, notas e mais notas, e eu viajava para os GPs, e apresentava a “Hora da Verdade”, e comentava as corridas e também fazia reportagens, dezenas de boletins diários, entrevistas, gravações…

Em 2003 a internet já era meu maior negócio e os jornais foram diminuindo. Ainda assim, fiquei com muitos deles até 2011, quando já não havia patrocinador nenhum para a cobertura no impresso e os poucos que sobraram me pagavam um pouquinho por mês para receber textos, fotos e colunas. E foi em 2003 que desembarcou no escritório da Paulista o Victor Martins, que hoje toca a bagaça e é a alma do site. O Victor, que trabalhava no Banco do Brasil, estudava na São Judas e me mandava e-mails de vez em quando divinamente escritos, e eu guardava porque achava que um dia poderia precisar daquele cabra.

Pouco antes, no fim de 2001, saí da Pan e fui para a Bandeirantes, onde fiquei até o fim de 2005. Nesse mesmo ano, passei a fazer TV também, na ESPN Brasil. E no fim de 2005 estreou este blog dos infernos. Nesse meio tempo, vivemos uma baita crise na internet, entre 2002 e 2005, quando o dinheiro do iG simplesmente acabou. Nosso modelo de venda de conteúdo foi para o saco, me fodi, me endividei, mas mantive o Grande Prêmio no ar, consegui não mandar ninguém embora, acreditando piamente que um dia o jogo iria virar de novo, a internet era o único caminho possível para o jornalismo que a gente queria fazer.

Virou, a grana voltou, e ficamos no iG até o início de 2012, quando viramos parceiros do MSN, e agora, no mês que vem, vamos começar uma nova fase que ainda não posso dizer qual será — e nem sei se dará certo; 1994 revival para o bonitinho aqui.

Muita gente passou pela Warm Up nesses 20 anos. Certeza que esquecerei muitos nomes, mas na medida em que for lembrando (e o Victor vai lembrar de todos e me fará mexer neste texto 200 vezes) vou colocando aqui. Tales, Everaldo, Evelyn Guimarães, Victor Martins, Rodrigo Borges, Bruno Vicaria, Marcelo “Tuvuca” Freire, Rafael “Mindu” Sola, Marcus Lellis, Vitor Matsubara, Julyana Travaglia, Fernando Silva, Chico Luz, Thiago Arantes, Felipe Paranhos, Marcelo Ferronato, Luana Marino, Rafael Belattini, Paula Gondim, Juliana Tesser, Renan do Couto, Gabriel Souza, Paulo McCoy Lava, Gabriel Curty, Fagner Morais, João Paulo Borgonove, Felipe Giacomelli, Mauro de Bias, Pedro Henrique Marum, Andre Jung, Edgard Mello Filho, Rodrigo Mattar, Reginaldo Leme, Nathália de Vivo, Vinicius Piva, Eduardo Faustino, Hugo Becker, Gui Dorneles, Bruno Terena, Bruno Mantovani, Ivan Capelli, Américo Teixeira Jr., Daniel Balsa, Rodrigo Ribeiro, Rodrigo Berton… Muitos deles contratados através do sádico programa “Grande Estagiário”, concebido pelo Martins — uma espécie de Masterchef das letras. Espero que todos tenham lembranças doces daqui.

Fizemos muita coisa. Programas de vídeo no começo dos anos 2000, quando não havia banda larga. Revista impressa. Jornal para distribuir no autódromo. Podcast. Revista eletrônica. Livro com as colunas “Diários de Viagem”. Coberturas “in loco” maravilhosas, na contramão da maioria que fica sentada no sofá. Viajamos o mundo, fomos a todos os autódromos do Brasil, denunciamos casos de doping, de desvio de dinheiro público, de desmandos na cúpula do esporte, compramos brigas, fomos processados, somos odiados por alguns, admirados por outros, mas sobretudo, e acho que é o que mais importa, respeitados como uma empresa que faz jornalismo de verdade.

Sim, fizemos bastante nestes 20 anos. Ainda faremos mais, espero. Eu, pessoalmente, chego até aqui tão duro quanto sempre fui, dando as cabeçadas que sempre dei, mas dormindo tranquilo à noite, com a mesma esperança que tinha naquela tarde de 27 de setembro de 1994, quando levei uma caixa de papelão cheia de envelopes ao correio, de que um dia vai dar tudo certo.