Blog do Flavio Gomes
Grande Prêmio

NOSSOS PATRÕES*

SÃO PAULO (são vocês, sempre foram) – Quinze anos no ar. É o que completamos outro dia, no Grande Prêmio — com esse nome, quando estreamos junto com o iG. Quase 20 de internet. Outro dia li que a internet comercial brasileira completou 20 anos. É possível. Em 1995, não me lembro de usar o […]

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SÃO PAULO (são vocês, sempre foram) – Quinze anos no ar. É o que completamos outro dia, no Grande Prêmio — com esse nome, quando estreamos junto com o iG.

Quase 20 de internet. Outro dia li que a internet comercial brasileira completou 20 anos. É possível. Em 1995, não me lembro de usar o computador para outra coisa que não escrever meus textos e imprimir etiquetas para colar em envelopes. Foi em maio de 1995 que a internet comercial foi inaugurada no Brasil. Em 1996, a Warm Up, minha agência de notícias que fornecia conteúdo de F-1 para mais de 50 jornais brasileiros, já tinha um site — embora eu não soubesse exatamente para quê servia um site.

Eu mandava matérias para esses jornais de graça. Quem me pagava era um patrocinador, que publicava seus anúncios nas páginas onde saía a cobertura de F-1. Conteúdo gratuito. Publicidade sustentando a roda. Lembra alguma coisa mais… atual?

Isso foi em 1995. Estamos em 2015. O Warm Up virou Grande Prêmio e o conteúdo segue sendo gratuito, como quase tudo na internet.

É o eixo da grande crise pela qual passa o jornalismo mundial. O conteúdo segue existindo, segue sendo produzido por milhares, milhões de jornalistas. Mas não confundam as coisas: estamos falando de conteúdo jornalístico, não de posts no Facebook ou tuitadas nervosas. Estamos falando de conteúdo produzido por jornalistas, com técnicas próprias, método, princípios, procedimentos — sem juízo de valor. O que fazíamos há 20, 30, 100 anos, continuamos fazendo: conteúdo. Tinha outro nome antigamente: “informação”, que era publicada em revista, jornal, rádio, TV, livro. Isso tudo — esses veículos de comunicação — disseminava o que hoje se chama de “conteúdo”. Através deles, tentávamos atingir o maior número possível de pessoas e levar a elas o produto do nosso trabalho.

Nós, jornalistas, ainda fazemos a mesma coisa. Conteúdo. Informação. Só que, agora, temos a internet para chegar às pessoas.

Está muito melhor, por um lado. O espaço é ilimitado. Os recursos, deliciosos. Uma matéria não é mais só uma matéria. É o texto, o vídeo, o gráfico com animação, o áudio, a foto, o link que ajuda a compreender determinado assunto ou a lembrar de algo que deu origem àquele tema. É o melhor dos mundos, quando se pensa nas plataformas, na tecnologia, na capacidade infinita de atingir leitores/telespectadores/seguidores/ouvintes em qualquer canto, a qualquer hora. Meu público, há 20 anos, era formado pelos leitores dos jornais para quem eu escrevia e pelos ouvintes da rádio para quem eu trabalhava. Dava quanto, isso? Dez mil pessoas, cinquenta, duzentas mil?  Nunca saberei. Mas a equação era: Todos os Habitantes do Mundo – {Leitores dos Jornais + Ouvintes da Rádio} = Público que Eu Nunca Terei.

Hoje, meu público é qualquer cidadão neste planeta que tenha um celular no bolso. Ou um tablet na mochila. Ou um computador em casa. A equação se inverteu. Meu público é todo mundo, todo o mundo, desde que ele saiba que eu existo, e cabe a mim mostrar ao mundo que existo. É fascinante, isso. Saber que um cara na Tailândia, neste exato instante, está lendo o que acabei de escrever chega a ser comovente. Isso nunca aconteceria há 20 anos. O cara na Tailândia não teria nenhuma chance de saber quem eu sou. Agora, pelo menos, tem.

Mesmo assim, nós jornalistas vivemos uma crise danada e um gigantesco dilema. A crise é visível a cada revista que fecha, a cada jornal que encerra suas atividades, a cada redação atingida por um “passaralho” — nome feio que inventamos para descrever as demissões coletivas que vez por outra atingem as empresas de comunicação. Muita gente perdendo o emprego e cada vez menos lugar para procurar emprego no que se chama de “mídia tradicional”.

O dilema é: como aproveitar estes tempos de possibilidades tão ricas, como chegar a todo mundo com nossas ideias, nossos recursos e nossa liberdade conquistada, sem amarras, sem censura prévia, sem ter de servir aos interesses de patrões que sempre detiveram o monopólio da informação?

Traduzindo e resumindo: como viver disso?

Ninguém paga nada para ler/ver/escutar o que for na internet. O conteúdo é democrático porque é aberto nas duas vias — para quem produz e para quem consome. É ótimo que seja assim. Mas é preciso arrumar uma forma de financiar isso.

O modelo que funcionava nas mídias tradicionais já era. Um jornal vivia dos exemplares que vendia e da publicidade nele veiculada. Uma revista, idem. Jornal e revista eram a única maneira que uma empresa tinha de anunciar seus produtos, de se fazer conhecer — estou falando de veículos de mídia impressa. Quanto mais exemplares um jornal ou uma revista era capaz de vender e entregar, mais caro podia cobrar por anúncios em suas páginas.

Depois veio o rádio, e pouco depois a TV, mas a lógica desse modelo de negócios permaneceu — apenas foram ampliadas as possibilidades de anunciar. Mais ouvintes, mais telespectadores, mais chances de chegar aos consumidores, e a publicidade pagava a conta. Sempre. Porque se revistas e jornais ainda tinham parte de sua receita advinda da venda de seus exemplares, avulsos ou por assinatura, a TV e o rádio sempre foram gratuitos (para ser fiel à história, existiam as rádio-clubes, mas isso é remoto demais, um dia falamos do assunto). Ninguém pagava para ver a Globo, ou a Tupi, ou a Excelsior. Nem para ouvir a Bandeirantes, ou a Guaíba. Bastava ter um aparelho em casa. Era de graça. A audiência garantia o fluxo de receita.

É a internet de hoje, de certo modo. Gratuita, todo o conteúdo possível do mundo à disposição.

Mas é claro que não tem almoço realmente de graça. Se você não paga pelo conteúdo, e não vai pagar jamais, está pagando para ter uma conexão que lhe permita consumir esse conteúdo. Conexão que, normalmente, vem associada a uma assinatura de TV a cabo. Ou, no caso dos celulares, você está pagando para uma operadora te abrir as portas da esperança virtual. De novo: na internet, o conteúdo é grátis; o serviço, não. Talvez você não tenha se dado conta, mas hoje pagamos por algo que sempre foi de graça, ver TV. É só olhar a conta da Net, ou da Claro, ou da Sky. E pagamos por algo que não pagávamos antes porque simplesmente não existia: uma conexão com a internet via celular — ou com a utilizaçãode um modem em casa.

Em compensação, você não gasta mais com jornais, nem com revistas. Aquela “Autosprint” importada que comprava toda semana, lembra? Que chegava com dias de atraso na livraria do aeroporto, e só lá, caríssima, tá lembrado? Pois é, não precisa comprar mais. É só procurar a “Autosprint” na web. Aquele anuário com estatísticas e fotos espetaculares de corridas, em francês, lembra? Preço que comia a mesada inteira e mais um pouco, você esperava o ano todo para comprar… Não precisa mais. Tudo que você quer saber está na internet. Todas as estatísticas, todas as fotos, todos os vídeos.

Mas alguém produz isso para você. E precisa receber por isso. É o grande dilema do jornalismo de novo. Quem financia o trabalho jornalístico? A publicidade, não mais. Ela se fragmentou de tal forma, administrada por dois ou três “players” (estou falando de Google e Facebook, claro), que ficou barato para um anunciante atingir muita gente gastando pouco — muito, mas muito menos do que se gastava, por exemplo, com uma página numa revista semanal, ou um comercial de 30 segundos no “Jornal Nacional”.

Com vantagens. O cara vai ao Google, ou ao Facebook, e diz: preciso falar com cinco milhões de pessoas das classes A e B, com idade média de 18 a 25 anos, moradores de cidades com mais de 200 mil habitantes, que acessam a internet das 11h às 13h em dias de semana, gastam mais de 4 salários mínimos em baladas e restaurantes, têm smartphones e moram com os pais. Os algoritmos do Google e do Facebook, alimentados pela monumental base de dados obtidos com a análise de comportamento em redes sociais como Twitter e Instagram, palavras-chave, consultas, sites visitados e tudo mais que fazemos quando estamos conectados, entrega a este cliente os cinco milhões de infelizes que das 11h às 13h nos dias de semana, quando acessarem a internet para qualquer coisa, verão o anúncio criado especificamente para eles. E a chance de funcionar é duzentas vezes maior do que se esse mesmo anúncio fosse veiculado numa revista, ou num jornal. Ou mesmo na TV.

Grande, o texto, não? Victor Martins vai me matar.

Fiz esse tratado apenas para apresentar o novo projeto do Grande Prêmio. Que não vai passar a ser pago, nem vai fechar seu conteúdo noticioso para ninguém. Na internet isso não funciona, nunca vai funcionar. O que funciona neste admirável mundo novo é um negócio chamado “engajamento”.

Qual a nossa capacidade de seduzir leitores e usuários? Quantas pessoas nesta rede sem fim querem realmente que continuemos a existir? Quem estaria disposto a contribuir com nossa existência em troca de alguma coisa além do conteúdo que continuará sendo produzido, e de graça?

Em outras palavras, transportando-nos para a década de 80, numa hipotética reunião de lançamento de uma publicação especializada em automobilismo: quem é que vai comprar a nossa revista? E o que daremos ao nosso leitor além de textos bacanas e fotos bonitas?

Muita coisa. O leitor é nosso patrão, e sempre foi assim, de certa forma, na velha imprensa. Sem leitor, não tem venda. Sem venda, não tem publicidade. Sem publicidade, não tem dinheiro. Por isso, sempre me preocupei com um único patrão: o consumidor da informação que produzo. No caso do Grande Prêmio, que produzimos — a equipe é grande.

Patrão. Patreon. Descubri esse negócio outro dia, meio sem querer. Não é crowdfunding — uma ideia excepcional, a do financiamento coletivo, que tem permitido a concretização de muitos projetos legais em todas as áreas que você puder imaginar. O Patreon é uma ferramenta de relacionamento, mesmo, entre patrão e empregado. Com a diferença de que são vários patrões — os que contribuem — e um único empregado — o Grande Prêmio.

E o que oferecemos em troca? Nossa existência é a primeira “recompensa”. Continuaremos produzindo, escrevendo, reportando, opinando. Mas é pouco, você pode pensar. Por que vou contribuir com isso se já é de graça?

Explico. Porque os nossos patrões passarão a fazer parte de uma verdadeira comunidade. Muito real, nada virtual. Uma comunidade de amantes do automobilismo que terá, por exemplo, descontos em ingressos para a F-1 no Brasil. Ou a possibilidade de ganhar viagens para ver as 500 Milhas de Indianápolis. Ou de ganhar descontos enormes em produtos da Red Bull e da adidas — nossos primeiros parceiros comerciais. Ou ainda a chance de ver uma prova de Stock num camarote, ou de fazer um curso de pilotagem, ou de assistir a um GP num determinado bar em São Paulo junto com integrantes da nossa equipe, ou de publicar textos de sua autoria, numa real experiência de jornalismo colaborativo. E verá vídeos, programas temáticos, reportagens especiais que passaremos a produzir.

O projeto é ambicioso e é a forma pela qual entendemos que o bom jornalismo conseguirá se autofinanciar no futuro: sendo relevante para o maior número possível de pessoas, relevante o bastante para que essas pessoas tomem a decisão de garantir que esse jornalismo continue a existir. Pagando, se acharem que devem. E sabendo que, ao pagar alguma coisa, irão receber algo em troca. Não apenas o conteúdo — de novo, esse é de graça. Mas muitas vantagens reais, concretas, que têm valor real, concreto. Do boné à camiseta, da caneta à caneca, do ingresso ao curso, da chance de ganhar uma viagem à oportunidade de conhecer ídolos de perto.

E, de quebra, ajudar quem precisa. Parte de tudo que este novo projeto do Grande Prêmio arrecadar será destinada ao instituto mantido por Ingo Hoffmann.

Os detalhes para se tornar um patrão do Grande Prêmio estão aqui. A pessoa pode contribuir com o valor que bem entender a partir de um dólar por mês. Temos uma meta a atingir, e vamos conseguir. Pague o que você acha que valemos. Se acha que não valemos nada, não pague nada. Mas sempre tenha em mente o seguinte: o bom jornalismo depende de seus leitores. Que sempre foram, no fim da linha, nossos patrões.

* “Patreon”, se fosse traduzido, estaria muito mais para “patrono” do que para “patrão”. Apenas fiz uma brincadeira com a semelhança entre as palavras, antes que me perguntem.