Blog do Flavio Gomes
Grande Prêmio

FOI NO 802

Por EVERALDO MARQUES* Foi no 802 que eu assinei uma nota pela primeira vez. Foi no 802 que eu xingava por ter que digitar as tabelas de tempos dos treinos livres da Nascar, com 43 pilotos, porque a nota tinha que ser completa. “Por quê?” “Porque ninguém faz isso, só nós. Escreva”. Foi no 802 […]

Por EVERALDO MARQUES*

Foi no 802 que eu assinei uma nota pela primeira vez.

Foi no 802 que eu xingava por ter que digitar as tabelas de tempos dos treinos livres da Nascar, com 43 pilotos, porque a nota tinha que ser completa. “Por quê?” “Porque ninguém faz isso, só nós. Escreva”.

Foi no 802 que um erro de digitação durante essas tabelas intermináveis, a troca de um B por um F, ajudou a desmascarar o cara que roubava as nossas notas e publicava com horário alterado pra bater no peito e dizer que ‘dava na frente do Grande Prêmio’.

Foi no 802 que atendi o telefonema de um assessor de imprensa que queria me forçar a mudar uma nota porque o que estava escrito num comunicado da FIA ‘não era bem assim’. Lamento, a nota não mudou. Estávamos certos.

Foi no 802 que eu conheci o Tales Torraga, a mais brilhante memória sobre Fórmula 1 de que se tem notícia, nesta e em outras galáxias.

Foi no 802 que o Tales me apresentou a combinação pizza de atum da Piacello + Red Bull. Cabia no bolso e sustentava durante as madrugadas viradas em coberturas de corridas do outro lado do mundo.

Foi no 802 que eu vivi dias mais, também, gastronomicamente falando, graças ao grande Edgard Mello Filho e suas ‘visitinhas de dez minutinhos’ que duravam a tarde inteira. Nestes dias, tinha x-salada d’A Chapa, com uma maionese que quase saía pelo nariz, tantas eram as risadas.

Foi no 802 que, na era da conexão discada, o ICQ era a ferramenta mais espetacular de comunicação inventada até então.

Foi no 802 que a gente entupiu o computador de músicas baixadas no Napster, que ficavam rodando aleatoriamente o período todo, sob protestos do Gomes. No fim, ele até gostou de algumas músicas ali.

Foi no 802 que surgiram os apelidos e músicas mais impublicáveis da história. As risadas eram tão altas que um dia as vizinhas vieram ver o que estava acontecendo. Saudades, Hildy.

Foi no 802 que eu vivi parte do dia em que mais trabalhei na vida. Primeira vitória do Barrichello na F-1, julho de 2000. Produz a transmissão da rádio. Desce pro 802 e ajuda a fazer a repercussão da corrida, ainda emocionado com a volta inesperada do Nílson César às transmissões – história pra outro dia. Volta pra rádio e faz o plantão da jornada. E produz a pós-jornada. E volta pro 802 pra continuar enchendo o site de nota. E volta de novo pra rádio pra fazer a edição que ia abrir o Jornal da Manhã do dia seguinte. Das 8h de domingo às 5h de segunda-feira, sem parar.

Foi no 802 que eu testemunhei o nascimento do melhor texto que li sobre o 11 de setembro de 2001 entre os escritos feitos ali, no calor dos acontecimentos. Planeta das Baratas.

Foi no 802 que eu matei as primeiras baratas.

Foi no 802 que eu vivi pela primeira vez a esperança de ter uma chance como narrador, que já me havia sido negada algumas vezes 16 andares acima. Não deu certo, mas não importa, só ajudou a alimentar o sonho que eu continuei perseguindo até conseguir.

Foi no 802 que eu aprendi a trabalhar com imprensa escrita, amadureci como jornalista e ajudei a dar vida, há 16 anos, ao maior site sobre automobilismo em língua portuguesa do mundo.

Foi no 802 que eu cresci como pessoa.

Foi no 802 que, aos 21 anos, eu virei um chefe de família.

Foi no 802 que eu tive o emprego que completou a minha renda e me permitiu fazer com que minha mãe pudesse parar de trabalhar e passasse a viver, cuidar melhor de si, depois de ter cuidado tão bem de mim, agora sem fantasmas, sem ameaças, sem medos.

Foi no 802 que a minha vida mudou definitivamente.

Valeu, 802. Foi muito legal.

* Convidei o pessoal que já trabalhou no Grande Prêmio para escrever algumas linhas sobre nossa salinha na Paulista que foi desativada sexta-feira, depois de 20 anos. O texto acima é de Everaldo Marques, hoje narrador dos canais ESPN. Não sei como reagir a tanto carinho. Talvez apenas dizendo obrigado.