Blog do Flavio Gomes
Grande Prêmio

O ESCRITÓRIO E AS PAREDES COLORIDAS

Por RAFAEL SOLA* Durante boa parte da minha infância, a profissão do meu pai foi um grande mistério pra mim. “Gerente financeiro”. Era isso que ele me respondia quando eu perguntava o que ele fazia. Se não me engano, cheguei a perguntar pra minha mãe, na esperança de alguma resposta diferente, mas ela também não […]

Por RAFAEL SOLA*

Durante boa parte da minha infância, a profissão do meu pai foi um grande mistério pra mim. “Gerente financeiro”. Era isso que ele me respondia quando eu perguntava o que ele fazia. Se não me engano, cheguei a perguntar pra minha mãe, na esperança de alguma resposta diferente, mas ela também não conseguiu me ajudar.

Eu pensava que seria muito mais fácil se o meu pai fosse taxista ou bombeiro. Não tem erro. Um taxista dirige e um bombeiro apaga incêndio. Pronto.

Além disso, tinha um outro ponto intrigante, que era o lugar pra onde meu pai ia quando saía pra trabalhar. “Estou indo pro escritório”, ele falava pra minha mãe. Na minha cabeça, um escritório era o lugar onde os gerentes financeiros trabalhavam. E só os gerentes financeiros trabalhavam em escritórios. Demorou algum tempo até eu descobrir que muitos outros profissionais têm o escritório como local de trabalho.

O fato é que, graças àquele gerente financeiro, virei fã de automobilismo. E não havia outra alternativa já que, quando completei um ano, o presente que meu pai me deu foi um autorama, com o qual ele brincou sozinho até eu ficar mais velho e conseguir brincar também.

O tempo passou, a paixão pela Fórmula 1 foi aumentando e, anos depois, eu mandei um texto para o Grande Prêmio na primeira edição do Grande Estagiário e fui chamado para uma entrevista no 802 do 807 da Paulista.

Como estava muito nervoso, não consegui notar os detalhes do lugar, mas lembro que as paredes coloridas me chamaram a atenção.

Depois de algumas outras fases no processo de seleção, fui escolhido como um dos dois novos estagiários do GP. Assim, mesmo não seguindo a profissão do meu pai, eu iria trabalhar em um escritório.

Mas aquele não era um escritório qualquer. Ele tinha quadros, livros, credenciais de corridas do mundo todo, miniaturas, fitas de vídeo e, é claro, as paredes coloridas.

Tudo isso, eu iria notar mais tarde, seria minha companhia durante o período em que eu trabalhei lá. É que, na grande maioria das vezes, eu ficava sozinho na redação.

Nas sextas-feiras de Fórmula 1, eu chegava antes das cinco da manhã pra cobrir os primeiros treinos e via o dia amanhecer timidamente na janela. Todos os dias, na hora do almoço, eu pegava minha marmita e comia na mesa, enquanto escrevia. Emoldurados nas paredes, alguns pilotos me viram chorar de tristeza e raiva no dia em que derrubei meu celular novinho na privada.

O tempo passou, eu deixei o GP, mudei de cidade, de Estado, de estado civil, mas mantive a lembrança daquela época.

Hoje eu moro bem longe e, na minha cabeça, sempre imaginei que o escritório ficaria no mesmo lugar pra sempre, que um dia — numa visita a São Paulo — eu poderia passar lá pra dar um oi pro Flavio ou pro Victor.

Com um nó na garganta, eu li o post do Gomes se despedindo da Paulista e um filme veio na memória. A ideia da visita continua viva e espero que ela aconteça num futuro próximo, mesmo que em outro lugar, mesmo sem as paredes coloridas.

* Rafael Sola, o Mindu (nunca soube a origem do apelido), foi um desses não-jornalistas que passaram pelo Grande Prêmio porque, no fundo, eram… jornalistas. A ele, em glebas distantes, tenho a dizer que as paredes continuam coloridas.