Blog do Flavio Gomes
Grande Prêmio

SOBRE A REDAÇÃO

Por RENAN DO COUTO* Eu decidi que queria ser jornalista quando tinha uns sete, oito anos. Ficava narrando os jogos de futebol e as corridas de F1 no videogame. Passou mais um tempo e resolvi que queria trabalhar com automobilismo. Corridas em geral, mas principalmente a F1. E foi quando tinha de 14 para 15 […]

Por RENAN DO COUTO*

Eu decidi que queria ser jornalista quando tinha uns sete, oito anos. Ficava narrando os jogos de futebol e as corridas de F1 no videogame. Passou mais um tempo e resolvi que queria trabalhar com automobilismo. Corridas em geral, mas principalmente a F1. E foi quando tinha de 14 para 15 anos, e fui ter banda larga em casa, que conheci o Grande Prêmio. Pô, parecia um lugar bom para se escrever sobre F1. Quero trabalhar lá um dia. E o Flavio Gomes é bom, gosto das coisas que ele fala na TV e escreve no blog. Foda que ele parece meio mala no Twitter. Enfim.

Mais dois ou três anos, entrei na faculdade. A Cásper Líbero, do outro lado da rua da redação. E no começo do primeiro ano, o GP fez mais uma edição do ‘Grande Estagiário’. Fiz minha inscrição e fui cumprindo as etapas até ser chamado para a redação para uma entrevista com o Flavio Gomes. Era para ser às 14h, ou às 15h, e ele se atrasou meia-hora. Gomes… Fiquei lá esperando no corredor do oitavo andar, olhando a vista da Paulista até vê-lo sair do elevador. Pediu desculpas, deu algum motivo que não lembro qual era, e fomos para a salinha. Não era grande, tampouco moderna. Cheia de miniaturas, cheia de livros e revistas, de coisas na parede. Nem olhei muito, ou, pelo menos, nem guardei tanto na memória. Maio de 2011, tinha 17 anos e estava na minha primeira entrevista de emprego. Nervoso, claro. O Flavio, acendendo um cigarro, fazendo suas perguntas, sendo franco quanto à situação do site e o que poderia oferecer, e boa. Foram uns 30 minutos de conversa, valeu, falou, entramos em contato, e, enquanto eu saía, a Paula chegava para ser entrevistada.

Acabou que não fui contratado ao final do Grande Estagiário. Entraram a Ju e a Paula. E eu nem achei ruim. Tinha o Juca na semana seguinte, e não iam me deixar ir. Teria que trabalhar no GP da Europa, já estava avisado para o caso de entrar. Não deu certo, o Ricardo já tinha me chamado para trabalhar no Allkart.net, e chegou julho, estava lá com ele no Brasileiro de Kart. Estava quase toda semana na pista, fazendo alguma coisa, e é muito legal mesmo se trabalhar com kart. Ainda bem que pude, ainda que por pouco tempo. Um ano depois, o Victor me chamou para entrar no Grande Prêmio. Fiz um frila aqui, outro ali, e em maio, entrei de vez.

Na segunda vez que fui à redação, eu ainda estava no Allkart.net. Fiquei trabalhando de lá, com o Victor e a Evelyn. O Flavio chegou e, óbvio, não se lembrou de mim. Aliás, aquela entrevista não foi a primeira vez que eu o vi. Já tinha me apresentado a ele em Interlagos uma vez e na ESPN em uma outra. Bem, foda-se, um dia ele lembra.

A partir de maio de 2012, passei a bater ponto lá, todo dia. Todo mundo trabalhava de casa, mas eu preferia ficar lá na redação mesmo. Era bem cômodo para mim. Saía da aula, almoçava e ia para a redação. E a partir de então comecei a reparar bem em tudo o que havia.

Meu lugar virou a mesa mais perto da porta, que tinha o desktop. Abria o meu notebook do lado e ficava ali. Na parede da esquerda, a azul, o quadro com os carros de F1 da Honda dos anos 60, 80 e 90. Atrás de mim, as prateleiras com troféus de corridas e algumas outras coisas. Também o pequeno armário branco, cheio de pastas. Sei que boa parte delas eram com documentos de carro. Um dia, o Flavio me pediu para ajudá-lo a encontrar o documento de um. Sentei no chão e fiquei um tempão lendo os nomes dos carros até encontrarmos o que ele precisava. Mais difícil do que parece — e quem acompanha o blog já deve achar que é difícil. Em cima, ficava uma máquina de Fax, que eu usei algumas vezes para telefonar para entrevistados porque era o telefone que tinha viva-voz. À direita, na parede laranja, a pilha de caixas do Almanaque Warm Up 2. Em cima, um quadro de um F1 em Mônaco.

O resto da redação tinha os armários com miniaturas de carros, os quadros da Auto Union, o pedaço de carro do Victor, o pistão que ele ganhou do Luca di Montezemolo, os montes de revistas e livros no armário da janela, onde também ficava a TV. O que eu mais gostava eram os jornais com as matérias da Agência Warm Up. O do Villeneuve sendo campeão, o do GP da Áustria de 2002, com PALHAÇADA escrito em letras garrafais…

Sempre chegava lá às 12h30, um pouco mais, um pouco menos. O Gomes chegava um pouco depois, lá pelas 13h30, 14h. Abria a porta e falava “E aí, Do Couto?”. Se era segunda, ficávamos conversando sobre as corridas ou a rodada do fim de semana. Nos outros dias, sobre o que quer que fosse. Política, histórias de coberturas, jornalismo. Nos últimos cinco anos, com certeza passei mais tempo com ele na redação do que na sala de aula com os professores. Nada a ver com o cara do Twitter, que até hoje as pessoas me perguntam “ele é assim mesmo?”. Era engraçado quando o Seixas ligava, que em dois segundos já dava para saber que era ele do outro lado, e que a quantidade de bobagem da conversa era enorme. Ele ia embora no fim da tarde, para a rádio, e eu continuava lá. Depois, nos tempos da Fox, a coisa inverteu. Ele chegava às 15h30, 16h, e ficava até tarde, eu saía antes.

Engraçado que, nestes cinco anos, eu só encontrei o Flavio fora da sala no prédio do 807 da Paulista uma vez. Um dia que cheguei correndo, o elevador estava ali, entrei, encostei onde dava e fiquei. Depois de seis andares, olhei para baixo e tomei um puta susto. “ô, Flavio, chegando cedo hoje”. Juro que foi assim.

Ah, e como vocês devem imaginar, o monte de tralha que tinha lá juntava um monte de pó. Uma vez, fiquei uma semana sem voz porque o Victor saiu e esqueceu o crachá. Voltamos e começamos a procurar. Ficamos 20 minutos revirando tudo para achar a porra do crachá, que o sósia do André Marques então se tocou que estava no bolso. Foi o bastante para a minha rinite atacar e eu ficar uma semana sem conseguir falar.

Foram muitas madrugadas solitárias também no 802. Preferia fazer de lá os plantões dos GPs da Austrália, do Japão e afins para entrar forçadamente no fuso — essas mudanças de horário seguidas me matam. Teve também o sábado em que fui para lá de manhã porque tinha rádio depois. Coloquei a chave na porta e ela não virou porque tinha outra do lado de dentro. De repente, um sujeito que eu nunca tinha visto na vida abre. Era o Edu, que tomava conta da papelada do Flavio, descobri após alguns segundos de susto. Finalmente entendi o que era aquela sacola em que estava escrito “Edu, não mexer”, e que eu realmente nunca mexi, mas fiquei sabendo naquele dia que era onde ele deixava uma escova de dentes e alguma outra coisa que não me lembro, mas que lhe era útil para o serviço que ele fazia.

O Gomes pediu para que quem quisesse escrevesse sobre a redação porque é um “idiota apegado a coisas e lugares”. Também sou. Capaz que quando chegar à idade dele, vou ter tanta tralha quanto. Acabou que não consegui passar por lá para me despedir. No fim do ano passado, devolvi a minha chave — com o chaveiro da Lusa, que no verso destacava o melhor site de esportes de 98 — porque o Flavio perdeu a dele, e acabou que não consegui passar por lá. Mas não tem problema. Me apeguei tanto que está tudo bem guardado, acho que tão bem guardado que ao reler o texto, percebi que o texto está cheio de frases que vão sendo ligadas umas às outras pelas vírgulas, como essa daqui, sem parar, o que o Flavio faz o tempo todo, vai ver é algo que impregna na gente depois de certo tempo lá. Tirando o pessoal que trabalhou no site no começo dos anos 2000, eu com certeza fui o que passou mais tempo na redação. Tantas boas histórias, de automobilismo ou não…

Só espero que as paredes do novo escritório sejam azuis e laranjas. Ah, e eu deixei uma coisa ou outra para trás, espero também que consiga recuperá-las também. Se não conseguir, não tem problema, sei que estarão em boa companhia.

* Renan do Couto chegou ao Grande Prêmio quando tinha uns 19 anos. A impressão que tenho quando encontro o moleque é que continua com os mesmos 19. Foi um dos que mais frequentaram nosso pequeno cafofo na Paulista. Texto preciso, rápido na apuração, envolvimento permanente com qualquer esporte, memória de elefante. Também alçou voo, virou narrador da ESPN — ele sempre quis narrar, vai dar muito certo. Aliás, a ESPN tem três nascidos na Paulista, 807, conjunto 802. De nada.