Blog do Flavio Gomes
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ESSA É A SUA CARA?

SÃO PAULO (boa) – As campanhas para prevenção de acidentes automobilísticos na Austrália são, em geral, fortes e impactantes — detesto essa palavra, assim como “foco”; mas não encontro outra melhor. Anos atrás publiquei aqui no blog um filme de uma campanha de Natal do governo do Estado de Victoria. Esta, em especial, foi muito […]


SÃO PAULO (boa) – As campanhas para prevenção de acidentes automobilísticos na Austrália são, em geral, fortes e impactantes — detesto essa palavra, assim como “foco”; mas não encontro outra melhor. Anos atrás publiquei aqui no blog um filme de uma campanha de Natal do governo do Estado de Victoria. Esta, em especial, foi muito marcante, violenta e eficiente. Os índices de acidentes no país têm caído ano a ano. O vídeo está aí em cima. Já aviso que é violento e doloroso. Mas necessário.

Agora, surge Graham. Graham é o nome desse protótipo de ser humano do vídeo abaixo — um boneco feito de fibra de vidro, resina e pelos naturais. Ele mostra como deveria ser um homem se seu corpo tivesse sido “projetado” para resistir a acidentes: sem pescoço, com vários mamilos, olhos deslocados para o fundo, cérebro envolto em fluido, e por aí vai. Um ser com essa aparência monstruosa seria capaz de sobreviver aos impactos que o corpo humano recebe em uma batida de carro.

Lá, essas coisas funcionam. As pessoas se sensibilizam e se tocam. Aqui, e falo sobre a cidade de São Paulo, somos obrigados a conviver com uma malta de pentelhos que não aceitam o resultado das medidas tomadas nos últimos anos para reduzir a quantidade de acidentes e de mortes no trânsito. A redução da velocidade em quase todas as vias da capital fez com que, no ano passado, o número de mortes caísse 20,6% — a maior queda desde 1998.

A desonestidade da imprensa paulista insiste que esses dados são influenciados “pela crise econômica que faz com que menos carros circulem”, sem apresentar um único dado a esse respeito. Ontem, na “Folha”, ao ser noticiada nova queda do número de mortes — 21% a menos no primeiro semestre deste ano do que no primeiro semestre de 2015 –, o texto me sai com essa aqui:

Especialistas consideram a desaceleração da economia do país como um fator que contribui para reduzir os acidentes. Com a crise, o número de entregas diminui, desempregados passam a não usar o veículo e quem deseja economizar deixa o carro em casa.

Quais “especialistas”? Nenhum foi ouvido, ou citado. Nada. Puro chute. No meu tempo de jornal, alguém que escrevesse uma baboseira/mentira dessas seria demitido. Não se citam “especialistas” se eles não têm nome, ou se nada disseram — não há ninguém falando em relação entre “desaceleração da economia” e redução de acidentes, nenhuma aspa, nenhuma declaração. O único verdadeiro especialista consultado pela reportagem, este com nome, sobrenome e função, disse o seguinte:

Para José Aurélio Ramalho, presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, foi determinante para o melhor resultado na capital paulista a redução dos limites de velocidade máxima, medida da gestão Fernando Haddad (PT) que ganhou força a partir do ano passado. “Com velocidade menor, há menos acidentes. Mesmo quando ocorrem, têm menos risco de serem letais. Além disso, a cidade tem fiscalização de infrações que causam acidentes muito superior ao que ocorre em municípios do interior”, afirma Ramalho.

A redução da velocidade nas marginais, que entrou em vigor há exatamente um ano, é algo que faz com que paulistanos histéricos, em seus carrões blindados e possantes, deem chiliques permanentes deste então. Eles não se conformam em ter de andar devagar. Quando se apresenta um dado concreto — no caso das marginais, a redução de acidentes com vítimas foi de 37,5% no primeiro semestre deste ano –, os chiliquentos começam a vomitar alguma bobagem sobre “indústria de multas”, “radares escondidos” ou outra merda qualquer.

É uma pena que a maioria não reconheça que alguma coisa tem sido feita. Que mortes têm sido evitadas. Que vidas têm sido poupadas. Que o trânsito tem sido algo menos agressivo e violento. É algo que, na Austrália, como se vê com Graham e com os vídeos de Victoria, é dito claramente. Velocidade, imprudêncuia, bebida. É o que mata.