Blog do Flavio Gomes
Arquitetura & urbanismo

O EMBUSTE VENCEU

RIO (pff) – Eu, realmente, acho que as pessoas estão perdendo a mão. Recebi um release de uma assessoria de imprensa — muito bem escritinho, por sinal, enxuto, direto, pouca coisa a reparar, uma pontuação errada aqui, outra ali, mas nada de muito grave — me informando e/ou oferecendo um imóvel em… Miami. Eu jamais compraria […]

astonpredioRIO (pff) – Eu, realmente, acho que as pessoas estão perdendo a mão. Recebi um release de uma assessoria de imprensa — muito bem escritinho, por sinal, enxuto, direto, pouca coisa a reparar, uma pontuação errada aqui, outra ali, mas nada de muito grave — me informando e/ou oferecendo um imóvel em… Miami.

Eu jamais compraria sequer um bangalô feito de Lego em Miami, mas tudo bem. Ninguém é obrigado a saber disso. Desconfio que a mensagem me foi enviada mais pela grife do empreendimento do que, propriamente, pela suposição de alguém de que eu um dia pudesse ter a intenção de comprar um apartamento numa cidade jeca de um país idem. Além do mais, não tenho dinheiro para isso — o valor inicial é de 500 mil trumps.

“Após desembolsar US$ 125 milhões em um terreno em Downtown, a Aston Martin — conhecida pela excelência em carros esportivos de alto desempenho — ingressou de forma glamourosa no mercado imobiliário com a construção do Aston Martin Residences”, começa o texto.

Então que a marca inglesa de automóveis resolveu ingressar “de forma glamourosa” no mercado imobiliário… Puxa vida.

Mas que carajo está acontecendo no mundo?

Outro dia, mesmo, me mandaram uma propaganda de um prédio assinado por Pininfarina. Em São Paulo. Resolvi desconsiderar. Não vou divulgar uma merda dessas, decidi. Não posso cair nessa cilada, não posso ser partícipe dessa enganação coletiva. Alguém realmente acha, pensei, que outro alguém vai acreditar que a Pininfarina, que desenha carros há séculos, se envolveu no projeto e na construção de um prédio tão ridículo quanto qualquer outro para enfeiar ainda mais a cidade?

É o caso deste patético Aston Martin Residences, edifício que, de acordo com o comunicado/anúncio que recebi, “possui a forma de um veleiro”.

Puta que pariu. Um veleiro.

A Aston Martin, que agora pertence a chineses, ou indianos, sei lá, nunca fez um veleiro na vida. Aston Martin é a marca do carro do James Bond. Ponto, parágrafo. Veleiro? Prédio? Prédio em forma de veleiro?

Puta que pariu.

[bannergoogle]Vão entregar esse troço horrendo em 2021. São 66 andares, 390 apartamentos, oito coberturas. “O projeto inclui heliporto no topo, estações de carregamentos para carros elétricos, piscina infinita no terraço localizada no 55º andar, Fitness Spa e Fitness Center. Há ainda sala de meditação e suítes de tratamento, galeria de arte e lobby art no 53º andar, cinema privativo, golfe virtual, salão de beleza, entre outras mordomias, sem contar que, para quem gosta de animais, o prédio é pet friendly.”

Puxa. Quanta coisa boa. Vou sugerir que o térreo seja decorado com quadros de Romero Britto — é a cara de Miami e de aberrações estilísticas como essa, vai combinar.

O que tem de Aston Martin aí? Nada. Apenas a empulhação de dizer a um eventual comprador que uma coluna, ou um vitrô, ou uma parede, ou o design de uma maçaneta, ou o formato de uma esquadria, ou a aerodinâmica de um chuveiro lembram um… adivinhou, Aston Martin! E vão acreditar, porque provavelmente é verdade, talvez alguém na fábrica tenha recebido a tarefa de, entre uma suspensão e um suporte de radiador, desenhar uma torneira. “É para um prédio em Miami”, informará o supervisor. E o engenheiro não vai perguntar muita coisa, e vai projetar a melhor torneira possível.

A indústria do embuste vai de vento em popa.