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MOSCOU (sim, chega) – Consta nos apontamentos que há exatos 60 anos, num 10 de julho em 1958, João Gilberto entrou nos estúdios da Odeon no Rio para gravar “Chega de Saudade”, compacto que segundo os historiadores musicais é o marco inicial da Bossa Nova. Talvez a única contribuição realmente relevante do Brasil para o […]

MOSCOU (sim, chega) – Consta nos apontamentos que há exatos 60 anos, num 10 de julho em 1958, João Gilberto entrou nos estúdios da Odeon no Rio para gravar “Chega de Saudade”, compacto que segundo os historiadores musicais é o marco inicial da Bossa Nova.

Talvez a única contribuição realmente relevante do Brasil para o mundo, foi o que concluí outro dia depois de visitar mais um museu em Moscou, possivelmente o do Cosmonauta, ou o da Grande Guerra Patriótica. Eu olhava tudo aquilo e me admirava com o tanto de história que este país tem, com o tanto de realizações que pode apresentar aos estrangeiros em cada esquina, em cada prédio, enquanto que o Brasil… O Brasil teria o quê para mostrar?, é o que me perguntava em silêncio.

Mudando o tempo verbal, o Brasil tem o quê para mostrar ao mundo como fruto de sua história, além da iniquidade diária praticada desde 1500?

[bannergoogle]Sendo rigoroso, quase nada muito substancial. O Brasil não ganhou guerras que tenham mudado o destino do planeta — a única de que foi protagonista, a do Paraguai, mais envergonha do que orgulha qualquer um que conheça um pouco de história –, não mandou ninguém para o espaço (o rapaz que foi de carona plantou feijões num copinho), não tem prêmios Nobel, não descobriu nada essencial na ciência, não tem nenhum nome entre os gigantes da literatura universal, enfim, quando o Apocalipse enfim vier e alguém tiver de redigir verbetes sobre cada nação para registrar em poucas linhas, como pedem estes novos tempos e pedirão ainda mais os próximos, o que de mais expressivo cada uma delas deixou como legado, talvez ao Brasil sejam reservadas menções genéricas ao carnaval, a um certo estilo de jogar futebol, a Santos Dumont (mas os americanos talvez entrem com recurso) e à Bossa Nova.

Dessas, não tenho dúvidas de que a mais importante é a Bossa Nova. O carnaval não nasceu aqui (aí, no caso), o estilo peculiar no jogo da bola foi-se perdendo ao longo dos tempos e o avião, se não fosse inventado pelo mineiro de Palmira em sua longa temporada parisiense, acabaria sendo-o por algum outro.

Mas a Bossa Nova, não. Não entendo nada de música, mas sinto que ela só poderia mesmo ter brotado no Brasil, mais especificamente no Rio, mais especificamente ainda naquela pequena porção de terra compreendida entre o Leme e o final do Leblon, delimitada pela lagoa Rodrigo de Freitas ao fundo e por alguns morros imponentes nas extremidades.

É o que o Brasil terá deixado ao mundo, afinal. E querem saber? Talvez nem seja assim tão pouco.

* A gravação acima, que não sei de que ano é, é de João com a filha Bebel. A gravação original do disco está aqui.