Blog do Flavio Gomes
Gira mondo

London, London…

Tenho um amigo que vive me dizendo, e acho que vários concordam: o mundo está ficando mesmo muito chato. Chato, e com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que não nos damos conta daquilo que realmente importa. A história das Kombis é apenas uma delas. Relaxa, não falarei de Kombi agora. Não agora. Falo de […]

Tenho um amigo que vive me dizendo, e acho que vários concordam: o mundo está ficando mesmo muito chato. Chato, e com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que não nos damos conta daquilo que realmente importa. A história das Kombis é apenas uma delas. Relaxa, não falarei de Kombi agora. Não agora.

Falo de Londres. Parece que deu em todos os jornais, mas não vi e só fui alertado pelo amigo/internauta/etc. Aliandro Miranda, de Paracambi (o mesmo que me deu a dica do carro do Rubinho largado num galpão, que mostramos no Limite).

Londres acabou, semana passada, com um de seus símbolos: o doubledecker. Os ônibus de dois andares com cara de calhambeque, motorista e cobrador saíram das ruas. Foram mais de 50 anos de serviços prestados, desde 1954. A última viagem regular aconteceu entre Marble Arch e Streatham Hill na sexta-feira, linha 159.

Motivo? A pentelhação costumeira dos politicamente corretos: faz barulho, polui, não tem acesso adequado para deficientes, é pouco produtivo.

Ora, e daí? Tirando o acesso a deficientes, o resto não tem a menor importância. O mundo não ficará mais enfumaçado ou mais barulhento por causa de alguns ônibus. Quanto aos deficientes, Londres é uma cidade muito bem-servida de acessos em outros ônibus, nos táxis e até no seu metrô velho e encardido (mesmo assim, desafio alguém de cadeira de rodas a chegar a um trem em algumas estações; nem por isso vão fechar o metrô).

Aí tiram os Routemasters (é a marca deles) das ruas, e em seu lugar colocam outros ônibus de dois andares quadradões, sem charme ou história. Caixotes horrorosos. No mês passado, o “Evening Standard” fez uma pesquisa sobre a decisão de aposentá-los. 81% de seus leitores foram contra tal absurdo. Porra, para que serve o povo, senão para consultá-lo e atendê-lo? Cagaram para o povo.

Um dos grandes charmes de Londres era subir e descer nos doubledeckers em movimento, levar esporro do cobrador de vez em quando, ouvir a sinetinha, o ronco grave do motor, o barulhinho da máquina de bilhetes.

Os doubledeckers começaram a funcionar depois da Segunda Guerra para substituir os bondes de Londres. Foram projetados por engenheiros reaproveitados da indústria bélica especialmente para a cidade. Sua morte foi anunciada há 20 anos com a chegada dos quadradões sem cobrador. Em 1996 as autoridades londrinas estabeleceram uma carência de cinco anos para tirá-los de circulação alegando que muita gente se machucava ao sair deles em movimento. Pombas, azar de quem se machuca. Em ônibus nenhum está escrito que o sujeito tem de pular com o bicho andando. Quebrou a perna? Problema da senhora, mora?

Ken Livingstone, que assumiu a Prefeitura em 2000, resolveu reformar a frota e recusou-se a matar os doubledeckers. Eles ganhariam uma sobrevida pelo menos até 2016, data estabelecida pelos pentelhos da União Européia para que todos os ônibus do continente tenham acessos específicos para cadeiras de rodas.

Mas não rolou o prazo. Há dois anos, eram 500 Routemasters rodando alegremente pelas ruas londrinas. Agora, vão ficar apenas 16, fazendo uma rota turística sem grande importância.

Londres, Londres, não és mais a mesma. Quem viu, viu. Quem andou, andou.