Blog do Flavio Gomes
Cultura

O Anjo

Há 25 anos morreu Nelson Rodrigues. Existem alguns anos em que o mundo surta e começa a matar quem não devia. 1980 foi um desses, com Lennon e Nelson. 1994 foi outro, com Senna e Tom Jobim. Anos bestas. Nelson era um reacionário de primeira e eu o odiaria, provavelmente, se tivesse 20 anos em […]

Há 25 anos morreu Nelson Rodrigues. Existem alguns anos em que o mundo surta e começa a matar quem não devia. 1980 foi um desses, com Lennon e Nelson. 1994 foi outro, com Senna e Tom Jobim. Anos bestas.

Nelson era um reacionário de primeira e eu o odiaria, provavelmente, se tivesse 20 anos em 1970. Mas como tinha só seis, nem sabia quem era.

O tempo se encarrega do extermínio dos ódios, e por isso ler o que Nelson disse ou escreveu hoje só me causa admiração. Sua biografia, “O Anjo Pornográfico”, de Ruy Castro, é uma obra-prima da literatura brasileira. Quando terminei de ler, anos atrás, estava apaixonado por Nelson.

Paixão estranha, porque assisti a algumas peças escritas por ele e não consegui gostar de nenhuma. Seu rancor com a esquerda, com figuras como dom Hélder, sua intolerância com a juventude e com as mudanças que o mundo viveu na virada dos anos 60 para os 70, seu mau-humor atávico, tudo compunha um perfil que me faria, fácil, detestá-lo. Ainda bem que não tinha idade para odiá-lo, quando vivo. Perderia a chance de conhecer e entender uma figura que jamais poderá ser entendida na estreiteza do maniqueísmo.

Nelson escrevia como poucos. E refletia como ninguém. Sua obra era a expressão da perplexidade diante de um mundo que se tornava a cada dia mais incompreensível.

Como hoje.

“Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.” Nelson Rodrigues (1912-1980)