Blog do Flavio Gomes
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Gira mondo, gira (quinta)

SÃO PAULO (quem diria que tal manifesto viria dele) – O governador de São Paulo se chama Cláudio Lembo e se assemelha a uma múmia com duas taturanas à guisa de sobrancelhas. Desde que me conheço por gente ele exerce algum cargo. Não tenho opinião nenhuma formada sobre tal figura. Não tinha. Lembo deu uma […]

SÃO PAULO (quem diria que tal manifesto viria dele) – O governador de São Paulo se chama Cláudio Lembo e se assemelha a uma múmia com duas taturanas à guisa de sobrancelhas. Desde que me conheço por gente ele exerce algum cargo. Não tenho opinião nenhuma formada sobre tal figura.

Não tinha.

Lembo deu uma entrevista a Mônica Bergamo que a “Folha” publica hoje. Foi manchete do jornal. É coisa rara um declaratório de figura menor da política brasileira virar manchete na “Folha”. Mas Lembo resolveu falar.

A entrevista é boa e Lembo, cuja idade desconheço (às vezes o Manual faz falta) mas é suficiente para não temer dizer, fez um manifesto que a esquerda brasileira não tem conseguido fazer ultimamente com sua verborragia panfletária que carece de atualização e, muitas vezes, de sinceridade.

Selecionei trechos, que solto ao vento:

Eu me assusto com toda a realidade social brasileira. Acho que tudo isso foi um grande alerta para o Brasil. A situação social e o câncer do crime é muito maior do que se imaginava. Este é o grande produto desses dias todos de conflito. (…) O crime organizado trabalha com a droga. A droga é um produto caro, consumido por grandes segmentos da sociedade. Enquanto houver consumidor de drogas, haverá crime organizado no tráfico. É assim aqui, na Itália, nos EUA, na Espanha. O crime se alimenta do consumidor de drogas.

O Brasil está desintegrado e perdeu seus valores cívicos. É ridículo falar isso mas o Brasil só acredita na camisa da seleção, que é símbolo de vitória. É um país que só conheceu derrotas. Derrotas sociais…Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa.

Não há nada mais dramático do que as entrevistas da Folha [com socialites, artistas, empresários e celebridades] desta quarta-feira. Na sua linda casa, dizem que vão sair às ruas fazendo protesto. Vai fazer protesto nada! Vai é para o melhor restaurante cinco estrelas junto com outras figuras da política brasileira fazer o bom jantar. (…) Nossa burguesia devia é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país.

O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a inquisição de 1500 até 1821. Então você tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é o que está na sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que é dúbio. (…) É um país que quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA. Então é um país cínico. É disso que nós temos que ter consciência. O cinismo nacional mata o Brasil. Este país tem que deixar de ser cínico.

O que eu vi [nas entrevistas para a Folha] foram dondocas de São Paulo dizendo coisinhas lindas. Não podiam dizer tanta tolice. Todos são bonzinhos publicamente. E depois exploram a sociedade, seus serviçais, exploram todos os serviços públicos. Querem estar sempre nos palácios dos governos porque querem ter benesses do governo. (…) A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações.

Creio que votaria nesse sujeito, com cara de múmia e sobrancelhas de taturana. O problema do Brasil é sua gente que não sabe cuidar da sua gente. É meu vizinho que acha um absurdo o que eu pago para minha empregada “porque inflaciona o mercado”. É meu amigo que tem firma registrada em outra cidade para pagar menos ISS e reclama do buraco que quebrou a roda de seu carro blindado. É o palhaço que vai para Miami e acha aquilo tudo muito civilizado porque todo mundo pára no sinal vermelho e na placa de stop, e respeita a faixa de pedestres e não joga nada pela janela do carro porque é tudo muito civilizado, e aqui faz tudo ao contrário. É o cara que trafega pelo acostamento na estrada. É o cara que dá dinheiro para o guarda não multá-lo. É o cara que paga para zerarem os pontos de sua carteira. É o cara que acha um absurdo ter radar para pegar seu excesso de velocidade. É o cara que mora em São Paulo e anda com carro emplacado em Curitiba ou em Palmas. É o cara que coloca engate no carro para bater no carro de trás. É o cara que cafunga toneladas de pó por semana e se indigna com o moleque que rouba seu relógio na esquina para cafungar igual. É o cara que compra uma Hilux, esconde na fazenda e diz para o seguro que roubaram. É o médico que pergunta com recibo ou sem recibo? É o cara que faz tudo isso e acha execráveis os políticos que fazem o que eles fariam, e só não fazem porque não conseguiram ser políticos.

O problema do Brasil somos nós.