Blog do Flavio Gomes
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Meus baús

SÃO PAULO (A Chapa, 1967) – Schumacher é certamente o nome próprio que mais escrevi na vida. Sua aposentadoria, de certa forma, é um alívio porque a combinação das letras é ingrata, o nome é grande, 11 letras, apenas três vogais. Só não é pior do que Cosworth, nome que detesto escrever, erro sempre. Melhor, […]

SÃO PAULO (A Chapa, 1967) – Schumacher é certamente o nome próprio que mais escrevi na vida. Sua aposentadoria, de certa forma, é um alívio porque a combinação das letras é ingrata, o nome é grande, 11 letras, apenas três vogais. Só não é pior do que Cosworth, nome que detesto escrever, erro sempre.

Melhor, bem melhor, lidar com nomes sonoros e simples como Kubica, ou Alonso, ou simplesmente Kimi.

Bem, é a semana da aposentadoria, e fui atrás de um documento histórico, ao menos para mim. A primeira vez que escrevi “Schumacher” na vida.

Aqui faz-se necessário um retrospecto. A Jordan anunciou que ele iria correr no lugar de Gachot numa terça-feira, 20 de agosto de 1991. Foi quando ele andou em Silverstone apenas para saber onde acelerava e onde freava. Nesse dia eu embarquei para a Bélgica. Trabalhava na “Folha”. No dia seguinte, não saiu uma linha no jornal sobre o assunto, até porque em tempos de Senna, que interesse haveria num substituto de Gachot na estreante Jordan?

O jornal só iria mencionar Schumacher na edição de sábado, 24 de agosto. Portanto, a primeira vez que escrevi seu nome foi na tarde de sexta, dia 23, na sala de imprensa de Spa. No primeiro andar, onde ficavam as máquinas de telex. Sim, eu ainda usava telex, porque na minha primeira corrida com um computador, um Toshiba T1000, no México, ele pifou. E fiquei traumatizado.

Aí está, senhoras e senhores, o fac-símile de minha primeira matéria sobre Michael Schumacher.

Não sei se dá para ler direito, mas eu abria dizendo que ele nunca tinha guiado um F-1 na vida e sua experiência em Spa se resumia a uma volta de bicicleta. Aí, a frase de efeito: “Michael surpreendeu o mundo da F-1”. Depois, chamo o cara de “revelação do ano” e digo que seu currículo o credenciava a ser o “melhor piloto germânico dos últimos tempos”. Aí, dizia no final que Michael era “a alegria de Bernie Ecclestone — louco para que a Alemanha produza um ‘top driver’ capaz de popularizar ainda mais a F-1 no país”.

No dia 25, domingo, a edição da “Folha” tinha Senna como grande destaque, claro. Afinal, fizera a pole superando o favorito Mansell, ainda não sabia o que iria fazer em 1992, o Mundial pegava fogo. Schumacher, a quem eu já amaldiçoava pelo tamanho do nome, mereceu um mísero parágrafo numa matéria sobre as manifestações pela libertação de Gachot, engaiolado na Inglaterra.

“Voltou a dar um show”, escrevi. “Nunca dei tantas entrevistas na minha vida”, ele falou. No dia seguinte, Senna ganhou, Mansell quebrou e o brasileiro praticamente assegurou o título. Schumacher mereceu deste que vos fala míseras cinco linhas no pé de uma matéria sobre o pobre De Cesaris, que estava em segundo fazendo um corridão até quebrar, a duas voltas do final.

Mas o cara explodiu, assumiu o lugar de Moreno em Monza e começou a incomodar Piquet. No Estoril, sua segunda corrida pela Benetton, Schumacher era já uma pedra no sapato do tricampeão. Cada vez que alguém confrontava seus tempos com o do alemão, Nelson espumava. Na edição do dia 22 de setembro, em pé de guerra com a Benetton, Piquet dizia: “Ele está usando um carro que foi acertado pelo Moreno e por mim. Quando tiver que fazer isso sozinho, vamos ver se ele é bom”.

Foi em Portugal que agendei com a assessoria da Benetton uma entrevista com Schumacher, o que a gente chamava de “ping-pong” no jornal, perguntas e respostas. Fi-la no dia 28 de setembro de 1991 em Barcelona, a primeira de tantas. Ruim, como de costume, porque sou péssimo entrevistador. No fim, pergunto: você tem algum ídolo? E ele, direto, sem pestanejar: “Sim, tenho. Desde 1980, quando eu tinha 11 anos e o vi pela primeira vez: Ayrton Senna”.