Blog do Flavio Gomes
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O sequestro de Fangio

SÃO PAULO (será que alguém ainda não sabe?) – Por ter chamado Medici de sanguinário, alguns dias atrás, de novo a patrulha se assanhou e disparou comparações tolas com Fidel, Chávez, etc. Não falei em Fidel, nem em Chávez. Apenas disse que os pilotos poderiam ter se recusado a receber seus troféus em Brasília em […]

SÃO PAULO (será que alguém ainda não sabe?) – Por ter chamado Medici de sanguinário, alguns dias atrás, de novo a patrulha se assanhou e disparou comparações tolas com Fidel, Chávez, etc.

Não falei em Fidel, nem em Chávez. Apenas disse que os pilotos poderiam ter se recusado a receber seus troféus em Brasília em 1974, numa atitude de cunho político-humanitário que, certamente, teria repercussão internacional e talvez ajudasse a contar ao mundo a merda que estava acontecendo aqui.

Como aconteceu em 1958 com Fangio em Havana. Um grupo de revolucionários do Movimento 26 de Julio sequestrou o pentacampeão mundial para chamar a atenção do mundo para o puteiro em que Fulgêncio Batista transformou Cuba naqueles tempos — basicamente, um bordel para americanos se locupletarem às custas da miséria do povo cubano.

Fangio estava lá para disputar o GP de Cuba, uma prova que não fazia parte do Mundial de F-1, mas arrastava os principais pilotos da Europa para a ilha. Era um evento e tanto.

A história do sequestro pode ser lida em detalhes aqui, na dica enviada pelo nosso correspondente em Santiago, Jason Vôngoli. É divertidíssima. Antes de levar o piloto ao cativeiro, por exemplo, um sequestrador passou em casa para apresentá-lo à mulher e ao filho pequeno.

Fangio ficou amigo dos caras e foi devolvido a diplomatas argentinos depois da corrida. Com isso, o movimento ganhou mesmo muita publicidade. “Chueco” nunca se queixou do que aconteceu, ao contrário. Os sequestradores não eram exatamente a turma de Fidel, mas ajudaram com suas tavessuras, e no ano seguinte finalmente caíram de podre Batista e sua laia, derrubados pelos barbudos da Sierra Maestra (eu tinha escrito Canastra, thanks Joaquim!).

No museu de Fangio em Balcarce, na Argentina, está este troféu enviado pelo governo de Cuba em 1991. Na plaqueta lê-se a inscrição:

A Fangio,
Por su singular victoria cubana
en los 35 años de su retención patriótica

Resumindo: quem tiver a paciência de ler o relato todo no link indicado por Vôngoli entenderá o que eu quis dizer com a história de recusar o troféu em Brasília. Trata-se, apenas, de assumir posições. Cito Gramsci:

Odeio os indiferentes.
Acredito que viver
significa tomar partido.
Indiferença é apatia,
parasitismo, covardia.
Não é vida.
Por isso, abomino os indiferentes.
Desprezo os indiferentes,
também, porque me provocam
tédio as suas lamúrias
de eternos inocentes.
Vivo, sou militante.
Por isso, detesto
quem não toma partido.
Odeio os indiferentes.

É isso.