Blog do Flavio Gomes
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O que acho (2)

SÃO PAULO (jantar é preciso) – Sem grandes introduções, vamos a algumas reflexões. – Ninguém tem o direito de considerar alguém “desleal” ou de dizer que recorre a “baixarias” baseado apenas em imagens de TV. Falta conhecimento, vivência e paciência a muita gente. Julgar pessoas de maneira tão definitiva é um equívoco. – Alonso não […]

SÃO PAULO (jantar é preciso) – Sem grandes introduções, vamos a algumas reflexões.

– Ninguém tem o direito de considerar alguém “desleal” ou de dizer que recorre a “baixarias” baseado apenas em imagens de TV. Falta conhecimento, vivência e paciência a muita gente. Julgar pessoas de maneira tão definitiva é um equívoco.

– Alonso não é desleal, nem comete baixarias. É apenas um sujeito competitivo. Que vem sendo sistematicamente bombardeado pela imprensa (que tem peso) e pela equipe (que conta mais ainda) porque surgiu um rapaz, Hamilton, de quem ninguém esperava tanto.

– Alonso entendeu que terá de usar as armas que tem. No limite da legalidade. O que fez ontem não fere as leis. Não lhe restou muita gente em quem confiar na McLaren. Talvez tenha sobrado apenas o fisioterapeuta, que tem a cara de Evo Morales e lhe faz sinais da mureta. Alonso agiu em favor dele mesmo. Já que não tem ninguém que o defenda na equipe que o contratou, procura, qual um cavaleiro solitário, vencer por si e para si.

– Hamilton não tem culpa nenhuma se o mundo resolveu bajulá-lo e protegê-lo. É um cara legal e decente. Mas isso não apaga o fato de que foi ele quem deflagrou a crise. Foi ele que não cumpriu o combinado e não deixou Alonso passar. Foi ele que embaralhou a estratégia da McLaren. Foi ele que atrapalhou o companheiro, que tem sido absolutamente correto no difícil relacionamento interno num mundo conhecido por sua antropofagia. Alonso usou suas armas: um amigo na mureta dos boxes, membro de seu exército de Brancaleone que não deve ter mais de meia-dúzia de soldados.


“Evo Morales”, o aliado solitário de Alonso, abraçado por Ron Dennis

– O que Alonso fez não tem nada de ilegal. Não há artigos no regulamento que dizem quanto tempo um piloto deve ficar parado nos boxes. Considerando que Hamilton virou um inimigo interno, um adversário a ser batido, um piloto “de outra equipe”, Fernando foi duro, mas agiu dentro da lei. “Ultrapassou” Hamilton nos boxes parando o carro. Fez o que faria, por exemplo, numa disputa de posição em corrida: tentaria impedir o adversário de ultrapassá-lo. Sem mandar ninguém para fora da pista. Freando antes, jogando com o possível erro do rival.


A “fila” no pit da McLaren: nenhuma regra estabelece tempo mínimo para paradas

– É desleal fazer o que Alonso fez? Devolvo a pergunta: é leal combinar algo antes de um treino e não cumprir, como Hamilton fez? Hamilton deu o recado: não deixo ele passar porque se fizer isso me dou mal. Aqui é cada um por si. Alonso respondeu: não saio agora porque se sair posso perder a pole. Aqui é cada um por si.


Hamilton, como sempre, saindo antes de Alonso: combinado não é caro, e ele não cumpriu

– E o que têm a ver os comissários da FIA com a estratégia de pilotos de uma mesma equipe? Como podem se achar no direito de dizer qual o comportamento mais adequado de cada um, de contestar decisões individuais tomadas no calor de cinco ou dez segundos? A FIA acerta bastante. Mas vive cometendo injustiças, como contra Alonso em Monza no ano passado, ou contra Schumacher em Mônaco (sim, porque os comissários simplesmente ignoraram a possibilidade de erro do alemão; na dúvida, pró-réu, diz o Direito; naquele caso, na dúvida, pau no Schumacher).

– Alonso está só na equipe. Hamilton desobedece uma ordem e posa de santo, e como santo é tratado. Esqueçam. Não é santo. É competitivo. Por isso não saiu da frente de Alonso, embora fosse o combinado. Escorou-se na impunidade dos que são amados. A mim ninguém reprime. Sou imune. Faço o que quero. Mas não é bem assim. Equipe é equipe. Ou joga para o time, ou não. E ele jogou para ele mesmo. E por isso Alonso fez a mesma coisa. Alonso já percebeu que não é parte da equipe, que está só, e só tem Evo Morales, aquele que lhe dá sinais da mureta.

– Mas nada disso teria acontecido se não fosse esse sistema esdrúxulo de classificação, que força os pilotos a gastarem metade do tempo reservado à definição dos dez primeiros fazendo nada. Podem inventar o que quiserem, mas nunca haverá sistema mais justo e claro do que soltar todos na pista, estabelecer uma duração da sessão e premiar os mais rápidos.

– O que dói, e o que importa. Alonso e Hamilton são dois jovens absurdamente talentosos no que fazem. Garotos parecidos nas habilidades e ambições. Mas foram parar num universo deformado, que não perdoa erros e tem seu próprio código de ética, que recompensa os vencedores, usem eles os métodos que usarem. Um universo paralelo que estimula o ódio e a competição. Alonso e Hamilton, de tão parecidos, poderiam ser os melhores amigos do mundo. Parceiros, companheiros, solidários, iguais, admiradores mútuos. Foram cair na F-1, porém. Onde tudo se faz para ver a caveira do outro. Onde amizades não nascem mais.


Alonso desolado: um jovem que perde um amigo porque o ambiente não gosta de amizades

– Por fim, uma despretensiosa previsão: Alonso não fica na McLaren no ano que vem. Ninguém aguenta tamanho inferno. E uma despretensiosa constatação: Fernandinho deu uma de Piquet ontem. Se fosse brasileiro, seria incensado por estas glebas como astuto e destemido, aquele que luta contra tudo e contra todos.

– E quer saber? Estou gastando tempo demais com esse assunto. É apenas uma corrida de carros.