Blog do Flavio Gomes
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A morte

PORTO ALEGRE – Me telefonaram quando os dois pilotos ainda estavam dentro de seus carros. Estou bem longe de São Paulo, resolvendo outras coisas, aproveitando uma folga. De qualquer forma, dificilmente iria a Interlagos para a Stock, e por isso só saberia assim mesmo, por telefone. O acidente está aqui. Vi agora há pouco. Mas […]

PORTO ALEGRE – Me telefonaram quando os dois pilotos ainda estavam dentro de seus carros. Estou bem longe de São Paulo, resolvendo outras coisas, aproveitando uma folga. De qualquer forma, dificilmente iria a Interlagos para a Stock, e por isso só saberia assim mesmo, por telefone.

O acidente está aqui. Vi agora há pouco. Mas os relatos do Ceregatti, do Victor Martins e do Bruno Vicaria, no autódromo, deixaram poucas dúvidas sobre o que aconteceu.

A Subida do Café não é mais nem menos perigosa que outros trechos de outros autódromos. Ninguém morre numa corrida por apenas um fator. É como acidente de avião. Uma sequência de fatos que redunda em algo grave. Ou não.

Escapar ali, na subida, acelerando, não é raro. Ruim é ricochetear e voltar para a pista. Às vezes o carro apenas “lambe” os pneus e por lá fica. Em outras, pode até voltar, e se não tiver ninguém atrás, nada acontece.

Ocorre que era uma relargada, e Rafael Sperafico estava bem na frente, com um monte de gente subindo a ladeira, motores cheios, um espremendo o outro, como sempre acontece nas provas da Stock.

Não sei se ele foi tocado, o que o levou aos pneus. Sei que pelas imagens Renato Russo teve pouquíssimo tempo para reagir e bateu acelerando. Bem onde fica o piloto. Um pouco mais para a frente, um pouco mais para trás, talvez não resultasse numa fatalidade.

Sempre que morre alguém em corridas a tendência é achar um assassino. Foi assim com Senna: o muro, a área de escape, o asfalto, a curva, Patrick Head, Frank Williams. Na verdade Ayrton morreu porque a barra de suspensão entrou pela viseira. Foi o desfecho de uma sequência de fatos que teve, sim, como personagens o muro, a área de escape, o asfalto, a curva, Patrick Head, Frank Williams.

Com Rafael foi a mesma coisa. Poderia ter sido uma batida banal se ele estivesse em último, ou se todos conseguissem desviar. A Stock não é assassina, nem a Subida do Café, nem Renato Russo, nem ninguém.

Mas acidentes ensinam e é preciso aprender com eles, não deixá-los para trás. Os carros da Stock e da Stock Light não são um primor de segurança. A célula de sobrevivência exibe certa fragilidade, é evidente. Mas dificilmente Rafael sobreviveria mesmo num carro bem mais seguro e resistente, porque a batida foi forte demais, e bem onde ele estava.

Acidentes ensinam, como disse, mas no caso deste há mais a se estudar além de sua dinâmica, causas e consequências, estudo que pode determinar medidas posteriores para evitar repetições. Há que se pensar, também, sobre a qualidade dos pilotos que guiam esses carros. Alguns muito jovens, inexperientes, agressivos em excesso. A Stock (e a Light) é um jogo de bate-bate que, na maioria das vezes, não dá em nada além de carenagens rachadas e pilotos fazendo beicinho. Na maioria das vezes. Não em todas. Corrida de carro é uma brincadeira perigosa. E por isso não pode ser encarada como brincadeira.

Fica sempre um gosto amargo na boca da gente que gosta de automobilismo quando um dos “nossos” se vai. Não conhecia Rafael, mas conheço razoavelmente bem os gêmeos Ricardo e Rodrigo, da época da F-3000, sempre sorridentes e solícitos.

Seus sorrisos vão demorar a voltar, o tempo vai demorar a passar, mas a vida seguirá seu rumo em alta velocidade, como sempre foi.

Que este domingo sirva de lição aos pilotos. Mais do que qualquer um, são eles que precisam refletir sobre o que querem e sobre o que fazem de suas vidas. E com as vidas dos outros.

Foto: Oelcio Francisco