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Perder, perder

MONTEVIDÉU (como sempre) – Reproduzo matéria do “Correio Popular”, de Campinas, sobre o fechamento do kartódromo do Taquaral. Belíssimo o artigo da editora de Esportes do jornal, Laine Turati, que fecha a página. É o automobilismo brasileiro, minha gente. Kartódromo do Taquaral vive últimos dias de glória Por determinação da Justiça, pista terá de ser […]

MONTEVIDÉU (como sempre) – Reproduzo matéria do “Correio Popular”, de Campinas, sobre o fechamento do kartódromo do Taquaral. Belíssimo o artigo da editora de Esportes do jornal, Laine Turati, que fecha a página.

É o automobilismo brasileiro, minha gente.

Kartódromo do Taquaral vive últimos dias de glória

Por determinação da Justiça, pista terá de ser fechada dia 31, após 35 anos de história; Prefeitura não pretende construir outro circuito

Adriana Giachini
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
amaral@rac.com.br

Da mesma forma que os pais observam os primeiros passos do filho: telespectadores silenciosos, mas incrivelmente extasiados. Assim, o Kartódromo Afrânio Ferreira Jr., na Lagoa do Taquaral, presencia, há 35 anos, o surgimento de grandes pilotos do automobilismo brasileiro.

Dois deles, em especial. Na década de 70, um então desconhecido Ayrton Senna costumava vir a Campinas apenas para correr na pista — eleita por ele uma de suas preferidas. Na década de 90, Felipe Massa acrescentou novo ingrediente à história do local: foi aqui que o menino gordinho, mas extremamente determinado, venceu a primeira corrida da carreira.

Nomes famosos, por sinal, não faltam na trajetória do, por enquanto, único kartódromo de Campinas. Fundado em 1972 e elogiado por Nelson Piquet, Emerson Fittipaldi e Rubens Barrichello, o espaço está próximo de desfecho triste: por ordem da Justiça, só pode funcionar até 31 de dezembro deste ano.

A Prefeitura assinou, em 2006, com a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TCAC), prometendo o fechamento da pista. E já tem planos: construir na área um moderno playground, nos moldes internacionais e adaptado a crianças portadoras de deficiência física.

“Será um espaço de lazer com grande acessibilidade e inédito no Brasil”, defende a diretora de esportes do município, Vanda Regina de Almeida. “O fechamento é uma ordem da Justiça de um processo iniciado em 1992. Não há nada que possamos fazer, infelizmente. Caso não cumpra, a Prefeitura corre o risco de ser multada”, diz ela.

No ano passado, atual administração e Promotoria de Justiça do Meio Ambiente assinaram o TCAC permitindo que o caso fosse arquivado. “Existia um conflito entre moradores e o funcionamento do kartódromo e a Prefeitura decidiu pelo acordo, encerrando as funções do local”, defende o promotor do caso, José Roberto Albejante, em versão diferente daquela dada pela Prefeitura de Campinas.

O Secretário de Assuntos Jurídicos, Carlos Henrique Pinto, contradiz o promotor. “Eu estava lá na assinatura do contrato e a Prefeitura praticamente não teve escolha. Esse processo vem correndo desde a década de 90”.

Para assinar o TCAC, o governo pediu a liberação do ano de 2007 para que os pilotos apresentassem projeto de um novo kartódromo. “Só que a Prefeitura entende que não é prioridade construir um outro, porque temos projetos para esportes mais populares e que atinjam maior quantidade de pessoas. Eles (os pilotos) não nos procuraram para propor uma alternativa”, argumenta Vanda.

Insatisfeita com a decisão, a Associação dos Pilotos de Kart de Campinas — hoje rebatizada Campinas Motor Clube — entrou na Justiça tentando uma reversão. O intento é, ao menos, adiar o fim e conseguir mais um ano de competições, até que tenham tempo para construir um novo. “A decisão da Justiça nos pune por um processo de 92. Isso não é justo, já que muita coisa mudou. Hoje usamos motores quase imperceptíveis e esperamos bom senso”, pede Carlos Ferreira, atual presidente da entidade.

Se nada mudar, domingo próximo, dia 16, poderá ser a oportunidade para quem gosta do esporte. É a data das 3 Horas de Kart, prova que encerra a temporada 2007. A Associação tem média de 50 pilotos por corrida. A competição proporciona 200 empregos indiretos.

Polêmica sobre barulho se arrasta há mais de 15 anos

A polêmica envolvendo o Kartódromo do Taquaral vem desde 1992 — 20 anos depois de sua fundação, quando a região ainda era pouco habitada. Insatisfeitos com o barulho dos motores dos veículos, os moradores procuraram a Prefeitura que, por sua vez, baixou um decreto proibindo o uso do local.

Na época, os pilotos entraram com recurso, mas a Justiça deu ganho de causa à Prefeitura e a pista ficou interditada entre 1998 e 2001. A administração anterior à atual, entretanto, voltou a permitir competições no local – em paralelo ao trâmite do processo na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente.

A condição de uso era que o barulho não ultrapasse o limite máximo de ruído de 85 decibéis. “Nós deixamos de usar os motores dois tempos para usar os quatro tempos, que são bem menos barulhentos. Medimos o ruído novamente e ficou abaixo dos 70 decibéis. Ou seja, o trânsito de ônibus e motos provoca mais incômodo do que nossas corridas”, defende Carlos Marcelino, piloto e ex-presidente do Campinas Motor Clube.

A associação de pilotos bancou a reforma na pista, ampliada em 300m, e é responsável pela manutenção e preservação da área. A principal queixa dos pilotos é o fato de terem sido surpreendidos com a decisão do fechamento, já que, também no ano passado, uma audiência pública realizada em 30 de agosto entre eles, representantes da Prefeitura e moradores do bairro decidiu que o kartódromo seria mantido. Quatro meses depois, o governo voltou atrás e assinou o TCAC com a Promotoria.

“Fomos pegos de surpresa porque achamos que tudo tinha sido esclarecido. Agora o mais triste é que ninguém está respeitando a tradição que a cidade tem nesse esporte. Eu, por exemplo, sou tricampeão brasileiro e penta no paulista. Os pilotos de Campinas têm oito títulos mundiais. O que vamos fazer?”, questiona. (AG/AAN)

Pista homenageia jovem promessa campineira

O kartódromo Afrânio Ferreira Júnior foi inaugurado em novembro de 1972, apenas dez dias após a criação do Parque Portugal ou Lagoa do Taquaral, como ficou conhecido ao longo dos anos. O nome da pista, dado em 76, homenageia o piloto considerado grande promessa do automobilismo campineiro, morto precocemente aos 24 anos, vítima de acidente de carro na Rodovia Anhangüera.

Afraninho é até hoje lembrado pelo estilo arrojado e agressivo. Diz-se que, certa vez, o então menino Ayrton Senna impressionou-se com a qualidade do campineiro. Os dois competiram em dia de chuva — em categorias diferentes, pela diferença de idade. Em sua corrida, Senna teria cometido um erro banal, pela falta de experiência com a pista molhada, e ao ver a habilidade de Afraninho, prometeu a si mesmo não errar mais por causa do mau tempo.

Na época em que Afraninho corria, o kartódromo era a sensação na cidade e as pessoas preenchiam todos os espaços possíveis para acompanhar o pegas. Até que em 92 veio a ordem do então prefeito Jacó Bittar para fechá-lo, alegando que o barulhos dos motores estava acima do permitido — laudos apontaram 93 decibéis enquanto o permitido era 85.

Desde então, o local virou palco de divergências. Em 1992, Bittar mandou fechar. No ano seguinte, Magalhães Teixeira reabriu, mas com restrições, limitando, por exemplo, o número de corridas por ano. Em 1997, durante o governo de Francisco Amaral, o então secretário municipal de esportes, Antônio de Pádua Báfero — hoje diretor de esportes — anunciou que construiria no local uma pista sintética de atletismo e o prefeito decretou novo fechamento.

O kartódromo permaneceu inativo durante três anos e noves meses até que, em 2001, na gestão Izalene Tiene, os pilotos conseguiram reabrir o local. Na época, laudos comprovaram que os novos motores eram menos prejudiciais ao meio ambiente e que o índice de ruído não ultrapassava os 70 decibéis, mas a novela continuou.

No início deste ano, pós a assinatura do termo de compromisso com a Promotoria, em dezembro de 2006, o então Secretário de Cultura, Esportes e Lazer divulgou que iria construir no local um teatro de bolso, com capacidade para aproximadamente 500 pessoas. Com a criação da Secretaria de Esportes, o foco é encontrar parceiros para a construção de um playground no local. (AG/AAN)

PONTO DE VISTA

LAINE TURATI – Editora de Esportes

Perder, perder e perder

Dizem que se perde para ganhar. Que os altos e baixos dão dinamismo à vida. Começo a duvidar do sentido destas palavras quando as insiro no contexto do esporte campineiro. Nem lembro quando foi a última vez que a cidade ganhou alguma coisa. Já a minha memória recente está repleta de episódios de perdas. Cito os fiascos em ordem crescente nos Jogos Abertos, a ausência de espetáculos esportivos, o envelhecimento de ídolos locais à espera de herdeiros — não por falta de sucessores, mas de incentivadores —, uma pista de atletismo que nunca existiu. Hoje, acrescento à lista o fechamento do Kartódromo Afrânio Ferreira Júnior, no Taquaral.

Quinze anos e seis prefeitos depois, a história do kartódromo campineiro chega ao fim. Baixa mais do que anunciada. Pouco importa se o kartódromo, inaugurado em 72, chegou antes ou depois de a região ser densamente habitada. É fato que o ronco dos carros tornou-se um problema, assim como é igualmente verídico que houve tempo de sobra para tratar da construção de um outro kartódromo em área mais adequada.

Há os que vão dizer que o universo de pilotos na cidade é pequeno, que as provas não atraem mais do que 200 pessoas ao kartódromo e que uma parcela tão tímida de campineiros não merece atenção. As freqüentes perdas na área esportiva deram vida a um perigoso conformismo. Mesmo que o kartódromo fosse subaproveitado, o que nunca foi, nada justificaria liquidar um espaço que por 35 anos acolheu esportistas — não interessa quais e nem quantos.

A mesma administração que apoiou a intenção de construir um autódromo na cidade, em 2005, hoje assiste incólume ao fechamento de um pequeno kartódromo. O que é mais uma perda, se há tantos anos a cidade não ganha nada? No caso do kartódromo, a questão é mais séria. Campinas não deixou de conquistar, simplesmente desistiu do que tinha.