Blog do Flavio Gomes
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EL CORDOBÉS (4)

CÓRDOBA (piso-sabão) – Começa a chover. A chover pra caralho, que vem a ser uma medida precisa para “chuva forte pra caralho”. Não tenho guarda-chuva. Nunca ando com guarda-chuva. O Zacca, da Pirelli, saca uma sombrinha de sua mochila, mas ele mesmo a considera meio ridícula, por ser de sua mulher, com motivos pouco condizentes […]

CÓRDOBA (piso-sabão) – Começa a chover. A chover pra caralho, que vem a ser uma medida precisa para “chuva forte pra caralho”. Não tenho guarda-chuva. Nunca ando com guarda-chuva. O Zacca, da Pirelli, saca uma sombrinha de sua mochila, mas ele mesmo a considera meio ridícula, por ser de sua mulher, com motivos pouco condizentes com a virilidade daquele grupo que mal consegue parar em pé na lama escorregadia.

Há faixas plásticas do Automóvel Clube Argentino penduradas nas cercas que delimitam a pista. É lá mesmo. Arrancamos uns 5 metros de plástico e cobrimos nossas mochilas e nossas cabeças-ocas. Eu estava com meu computador nas costas. Uma besta quadrada, evidentemente. Achava que iria escrever o quê, ali, no meio do mato?

Encontramos uma pequena elevação do lado esquerdo da pista. Ali vira nossa “sala de imprensa”. A chuva aperta. Ficamos de frente para uma curva de alta. O povo se acotovela junto às fitas vermelhas e verdes. Muita gente atravessa a pista, sabendo que há um intervalo seguro entre um carro e outro.

Mas é todo mundo muito solidário. Ao primeiro ronco lá longe, começam a vir os gritos: “Auto! Auto!”. E todos saem da frente, porque lá vem algum piloto alucinado, de lado, tracionando as quatro, desprezando a água e o barro, num pau de dar medo. Pilotos completamente malucos, “sangue ruim”, como definiu o Tiago da “AutoEsporte”.

E lá vem Solberg. Espalhando lama por todos os lados. Carimbando as roupas de todos que pulam e vibram à sua passagem. “Subaruuuu!”, gritam, como loucos. Aquele carro que passa à nossa frente não é apenas um carro. É um símbolo. Que parece ter vida própria.

Chove mais forte ainda. Loeb ainda não passou. Voltam os gritos de “auto, auto!”, surge um farol. Saco minha camerinha mambembe e disparo o botão de vídeo. A qualidade é tão mambembe quando a do cinegrafista, mas gravo aqueles poucos segundos na memória digital da dita cuja como se registrasse a chegada do homem à Lua.

Loeb é foda. A gente percebe na tocada que é um piloto diferente da maioria. Ignora as dificuldades e guia como se estivesse sozinho no planeta. Mas é um perigo da porra. As pessoas se arriscam para ver o carro de perto, se possível fosse tocariam nele, morreriam atropeladas por ele e encontrariam suas 17 virgens no paraíso com um sorriso no rosto e barro no cabelo.

Faz-se silêncio. O treino da turma da “primeira divisão” acabou. Mais um pouco e passa rasgando o carro “000”, que antecede o “00” e o “0”, que são carros da organização cuja missão é “limpar” a pista para reiniciar as atividades. Quando digo “limpar”, é apenas força de expressão. Eles vêm no cacete para avisar ao distinto público que é melhor cair fora do leito carroçável porque senão todos encontrarão as 17 virgens antes do tempo, mas graças aos carros da N4.

Assim, é hora de tomar o rumo de casa, porque os pés estão congelados, a fome bateu. Dá tempo, ainda, de clicar um par de Fiats (os que deram origem ao Laika), um 2CV furgão abandonado no mato e de parar na banquinha do gaúcho para comprar três miniaturas por 50 pesos.



E foi só o primeiro dia. O rali ainda nem começou. Mas, para mim, já valeu por uma vida.