Blog do Flavio Gomes
Pequim 2008

CAIU DO CIELO

PEQUIM (dourada) – Para um país que reconhecidamente não tem política esportiva, e que sofre do mal crônico de possuir dirigentes que não entendem nada de nada, qualquer medalha numa Olimpíada tem valor acima da média. Uma medalha de ouro, então, tem um peso que se colocada no pescoço de um presidente de confederação qualquer […]

PEQUIM (dourada) – Para um país que reconhecidamente não tem política esportiva, e que sofre do mal crônico de possuir dirigentes que não entendem nada de nada, qualquer medalha numa Olimpíada tem valor acima da média. Uma medalha de ouro, então, tem um peso que se colocada no pescoço de um presidente de confederação qualquer deveria atirá-lo de nariz ao chão. A maioria deles, pelo menos.

Não sei se é o caso de Coaracy Nunes Filho, presidente da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos), que agora há pouco no Cubo pendurou o ouro no pescoço deste admirável Cesar Cielo, atleta vinculado ao Pinheiros que há três anos vive em Auburn, Alabama, Estados Unidos. Onde treina, treina, treina e, por isso se tornou campeão olímpico nos 50 m livre, a prova mais rápida da natação nos Jogos.

O pai de Cesar, quinta-feira, já havia descascado o dirigente, no dia em que o filho ganhou a primeira medalha em Pequim, bronze nos 100 m livre. Disse que a CBDA nunca deu nada ao menino, e que se ele é o que é, deve tudo a ele mesmo, à família e etc e tal. Ele estava puto, também, porque Coaracy teria prometido não sei quantos ingressos para os familiares acompanharem as provas, os ingressos não apareceram, ele foi obrigado a comprar e por aí vai.

Às vezes noto que o esporte brasileiro é cheio de ressentimentos. Que afloram nesses momentos de júbilo total, e também vêm à tona junto com cada derrota, como está acontecendo com o basquete feminino agora — disso falo depois.

Cielo conquistou a 18ª medalha de ouro da história olímpica do Brasil, a primeira da natação. Os mais entendidos, e não estou entre eles, já diziam desde o Pan que se tinha alguém com chances de ouro em Pequim era Cielo, e não o “Vai, Thiagôôô!” (pobre Thiago Pereira; está pagando pela antipatia que sua mãe gritante desperta em muita gente). Seus tempos eram muito competitivos, ao contrário dos de Thiago que, comparados aos melhores do mundo, limitavam muito suas possibilidades de medalha.

No Pan, Cielo ganhou três ouros (50 m livre, 100 m livre e revezamento 4 x 100 m livre) e uma prata (4 x 100 m medley). Bem menos que as oito de Thiago (seis de ouro, uma de prata e uma de bronze), um nadador mais versátil e que tem parentes mais estridentes.

Cesar é um velocista nato. Como um piloto de F-1, foi baixando seus tempos na piscina do Cubo a cada eliminatória. No “Q1”, anteontem, fez 21s47 e foi o primeiro da sua série. No “Q2”, ontem, cravou 21s34 e, igualmente, ganhou a bateria. Hoje, na final (o “Q3”, aquele da pole…), bateu o dedo no cronômetro aos 21s30. É recorde olímpico, marca muito próxima do recorde mundial, 21s28 — do australiano Eamon Sullivan, que ficou em sexto hoje.

Cesar chorou muito na piscina e no pódio. Cada lágrima derramada é mais do que justa, representa cada braçada solitária que deu nos últimos anos em busca de um sonho olímpico que pode até ser efêmero, mas era o dele, e os sonhos têm de ser perseguidos, sejam quais forem. Quando realizados, tanto melhor. Quando não, paciência. O que vale é sonhar. Já dizia Confúcio ao seu fiel discípulo Gah-Fang-Yotong, numa de suas excursões turísticas pela CVC: “Numa longa jornada, mais importante é o caminho que se percorre do que o destino que desejamos conhecer”. E deu um croque na cabeça de Gah-Fang-Yotong porque o hotel do pacote não tinha banheiro no quarto.

Ao contrário do que todo mundo vai dizer hoje nos noticiários da TV e nas exaltadas colunas dos jornais, não foi a “nossa natação” e nem o “nosso Cesar Cielo” que pendurou o ouro no pescoço esta manhã no Cubo. Muitos quererão tirar uma lasquinha, se sentir “parte do processo”, igualmente medalhados.

Não se deixem levar por falsas divisões de mérito. Não há uma natação “nossa”, nem o Cesar é de todo mundo. A medalha é fruto do trabalho dele, só dele. Para o Brasil, caiu do Cielo.