Blog do Flavio Gomes
Automobilismo brasileiro

TRISTES MIL MILHAS

SÃO PAULO (deu pena) – Não vou ficar aqui malhando ninguém especificamente. Faria isso, em condições normais. Neste caso em particular, era só mirar a bazuca em Antonio Hermann, dono da corrida, e disparar. Afinal, Mil Milhas com 23 carros no grid (foi o que contei na foto) é algo ridículo. Com ninguém na arquibancada, […]

SÃO PAULO (deu pena) – Não vou ficar aqui malhando ninguém especificamente. Faria isso, em condições normais. Neste caso em particular, era só mirar a bazuca em Antonio Hermann, dono da corrida, e disparar. Afinal, Mil Milhas com 23 carros no grid (foi o que contei na foto) é algo ridículo. Com ninguém na arquibancada, idem. O grid da Superclassic, sábado, tinha 33 — fomos gentilmente convidados a participar do “racing weekend”, e aceitamos com a maior alegria e gratidão. E seriam 34 para “nós” contra 22 para “eles” se o Carlão, do Puma preto, tivesse corrido em sua categoria de origem — a nossa.

Não se trata, claro, de um embate entre “nós” e “eles” — o barco do automobilismo nacional está com um rombo no casco e estamos todos dentro dele. Mencionei a Superclassic apenas para se ter uma idéia de como foi fraca e pobre a edição deste ano da corrida que, um dia, foi a mais importante do Brasil. E funcionou como núcleo do automobilismo brasileiro por anos a fio, até que alguma crise de data incerta e razão não-sabida — do Centauro, seu clube organizador, do esporte, do governo, da inflação, da puta que o pariu — a atirou na rota da decadência, levando-a a Curitiba e Brasília antes de cair nas mãos de Hermann, que se esforçou para salvá-la do limbo, justiça seja feita.

Óbvio que o esforço não foi o suficiente, até porque esforço e boa-vontade sozinhos não bastam, é preciso ter apoio, mídia, contatos, divulgação e, fundamentalmente, carros e pilotos. E disposição para gastar, porque já que pegou a prova, tem de saber que ela não se organiza e nem acontece sozinha, à base da combustão espontânea. Custa dinheiro, se o projeto é de médio/longo prazo.

Só que neste ano, depois que a Le Mans Series desistiu de vir correr aqui, Hermann parece ter se esquecido de que havia uma corrida para realizar. A prova de 2007 foi fenomenal, com os carros mais espetaculares do mundo, e mesmo assim Interlagos ficou às moscas. Isso deve ter desanimado demais o promotor. Eu desanimaria. Aí veio a crise do sistema financeiro, a crise virou desculpa para tudo, e a prova de 2008 acabou sendo um desastre de participações, interesse da comunidade automobilística e de público. As fotos abaixo, do Rodrigo Ruiz, falam por si.

Hermann, se ler isso aqui, vai ficar puto e se sentir injustiçado. Afinal, deve ter gasto dinheiro, e mesmo uma corrida mequetrefe dessas custa caro, sei disso. E vai se sentir injustiçado, também, porque realmente batalhou nos últimos dois anos para fazer das Mil Milhas algo relevante de novo. Então, é sacanagem vir um jornalista fedelho qualquer cagar regra sobre a prova, sem saber como é difícil realizá-la, quanto se gasta, como é duro etc e tal.

Bem, eu lamento. Lamento porque Hermann vai ficar puto, e é um cara por quem tenho profundo respeito e de quem gosto muito pessoalmente, apesar de nossos poucos contatos. Mas lamento, principalmente, que ele não tenha conseguido o que queria, ressuscitar as Mil Milhas. Essa corrida aí das fotos não faz jus ao passado e à história da prova. É triste de ver, e é triste constatar que não deu certo.

E se não deu certo, é porque erros foram cometidos. Cabe a ele e seus auxiliares, agora, detectá-los. E corrigi-los, se pretende continuar à frente das Mil Milhas. Para fazer isso que correu ontem, domingo, em Interlagos, é melhor não fazer nada. Não gasta dinheiro, não passa nervoso e, principalmente, se poupa da tristeza de ver um grid e uma arquibancada vazios. Quem gosta de corridas, como Hermann, fica deprimido com essas coisas.

Ah, e para não dizer que não falei das flores, a prova foi vencida pelo trio Raul Boesel/Max Wilson/Marcel Visconde, com um Porsche 911 GT3 RSR, depois de 368 voltas em 11h00min015 (a distância original era de 372 voltas, mas estourou o limite de 11 horas por causa da chuva). A vantagem do trio para o Mitsubishi Eclipse do trio Geraldo Piquet/Eduardo Souza Ramos/Leandro Almeida, segundo colocado, foi de 23 voltas. O relato da prova, do amigão Milton Alves, está no site oficial da prova, na área de “Notícias”.