Blog do Flavio Gomes
Automobilismo internacional

A MORTE DO #43

NATAL (mundo em extinção) – Ao ver essa foto, os mais jovens talvez façam uma associação imediata com o filme “Cars”, da Pixar, e nada além disso. Normal. O ídolo do protagonista Relâmpago McQueen era ele, o #43, chamado de “The King” na versão original. Mas esse Plymouth é muito mais do que um carrinho de […]

NATAL (mundo em extinção) – Ao ver essa foto, os mais jovens talvez façam uma associação imediata com o filme “Cars”, da Pixar, e nada além disso. Normal. O ídolo do protagonista Relâmpago McQueen era ele, o #43, chamado de “The King” na versão original. Mas esse Plymouth é muito mais do que um carrinho de desenho animado. É o carro — melhor seria dizer o número — mais famoso da história da Nascar, consagrado por Richard Petty, que inspirou o personagem e o batizou (seu apelido também é “The King”) nas telas dos cinemas.

Petty, com seu chapéu de caubói, suas botas espalhafatosas e esporas cintilantes, é um ícone das corridas americanas. Parou de competir há algum tempo, em 1992, aos 55 anos. Ganhou sete vezes o título da Nascar, é recordista da categoria com 200 vitórias, sete delas nas 500 Milhas de Daytona, fez 127 poles e disputou nada menos do que 1.185 provas desde 1958.

A Petty Enterprises, ao longo das últimas seis décadas, precisamente desde 1949, se transformou na mais querida e popular equipe da Nascar. Além dos sete títulos de Richard, faturou mais três com seu pai, Lee, que começou a saga da família nas pistas depois da Segunda Guerra. O time tem, no total, 268 vitórias.

Mas a última delas aconteceu uma década atrás, em abril de 1999, com John Andretti em Martinsville. E o derradeiro título, de 1979, vai completar 30 anos. É muito tempo longe das glórias. E, por isso, em junho do ano passado o controle da equipe foi vendido por Richard “The King” para uma certa Boston Ventures (o “certa” é por minha conta; talvez seja uma firma conhecidíssima), um fundo de investimento, fabricante de dinheiro fácil, que prometeu injetar um caminhão de grana para fazer ainda mais grana nas pistas, mas se arrebentou com a crise financeira já íntima de todos nós. E, assim, a Petty Enterprises foi para o vinagre. Acabou.

Estuda-se uma fusão de araque com outra equipe, a GEM (Gillett Evernham Motorsports), que deve incorporar ao seu patrimônio o direito de usar o #43. A Petty deve finalizar, até o fim do mês, a demissão dos cerca de 40 funcionários que ainda trabalham nas suas garagens de Mooresville, na Carolina do Norte, e fechar as portas definitivamente. Se sobrar algo, vai ser em Orlando, onde Petty mantém sua “Driving Experience” junto dos parques da Disney. Um brinquedo para gente grande, onde qualquer um pode dar umas voltas num Nascar velho num oval de mentirinha.

“Fim de uma era”, é o que anuncia em letras garrafais o site oficial da Nascar. É algo quase inacreditável. Seria como se, no futebol, o Corinthians, o Flamengo ou a Portuguesa anunciassem o encerramento de suas atividades. Ou se, na F-1, a Ferrari decidisse parar de correr e de fabricar automóveis. Uma tragédia esportiva. O fim dos tempos.

A tal da crise está por trás da hecatombe que aflige o esporte-motor, tendo sido justificativa para as deserções recentes da Honda, da Suzuki, da Subaru, da Audi e da Kawasaki (esta a confirmar), e é pano de fundo, de certa forma, para as exclusões dos GPs do Canadá e da França do calendário da F-1.

No caso específico do fim da Petty, não se pode acusar diretamente nenhuma montadora, dirigente incompetente ou CEO acovardado. O time simplesmente estava nas mãos de uma financeira que derreteu. Foi uma morte menos agônica.

Mas, nem por isso, menos dolorosa.