Blog do Flavio Gomes
Automobilismo brasileiro

25 DE MAIO DE 1969

SÃO PAULO (portas que se abrem) – Tomo a liberdade de reproduzir, na íntegra, texto do Ricardo Achcar sobre 25 de maio de 1969. Leiam e entenderão. Quem mandou foi o Sidney Cardoso. Todos os aplausos e obrigados a esses pioneiros. Sem eles, a história brasileira no automobilismo não seria a que foi. *** Dia […]

SÃO PAULO (portas que se abrem) – Tomo a liberdade de reproduzir, na íntegra, texto do Ricardo Achcar sobre 25 de maio de 1969. Leiam e entenderão. Quem mandou foi o Sidney Cardoso. Todos os aplausos e obrigados a esses pioneiros. Sem eles, a história brasileira no automobilismo não seria a que foi.

***

Dia 25 de maio de 1969 é uma data interessante no calendário temporal do esporte motor. Muito pouca gente ainda pode ter qualquer recordação sobre o fato que vou descrever nestas linhas. Mas as conseqüências para o Brasil, quer seja em termos de divulgação do país, afirmação esportiva e presença no cenário da velocidade, não têm parâmetro igual, mesmo em se considerando que o Brasil tenha sido um dia etapa dos Grand Prix da eterna Gávea, e, igualmente, do inolvidável Francisco “CHICO” Landi, de quem ainda tenho a esperança de ver uma estátua comemorativa na porta de um autódromo brasileiro que se mereça.

Um prestigioso almoço promovido pela revista “4 Rodas”, que convidara Sir Stirling Moss, permitiu que um piloto abordasse o campeão Inglês e lhe dissesse à queima-roupa que existiam pilotos brasileiros capazes de pulverizar os ingleses. Sir Moss achou graça e aceitou o desafio de testar dois pilotos na Inglaterra. Lá foram quatro, em fevereiro de 1969. Dois foram de fato escolhidos. A um, Sir Moss daria o carro; o outro teria 50% do valor a título de estímulo.

Mais ainda, Sir Stirling Moss aceitara convocar a equipe SMART- Stirling Moss Automobile Racing Team – sempre preservada no corpo de suas atividades, para dar igualmente suporte moral (indispensável) aos pilotos e sua tentativa de reavivar sua equipe que ficara fora das pistas após seu acidente.

Chegamos à Inglaterra patrocinados no mínimo do sustento com dois meses de campeonato iniciado. Sir Moss ficou indignado: “Como vocês pretendem ter destaque num campeonato desta envergadura chegando com dois meses de atraso?”. Valerie Val Pirie, administradora da equipe, nos salvou: “Stirling, dá mais trabalho mandar estes caras de volta…”.

E todos entraram na briga com vontade de ver a SMART outra vez brilhando nas pistas.

Nas oficinas de Edward “Ed” Rossler, mecânico sul-africano que sempre acompanhara Sir Moss em todas as provas nas pistas, agora sócio dele em outras atividades da equipe, sentia-se estranho vestindo novamente o macacão de competição naquele mundo novo. Ele e todos os mecânicos adotaram os pilotos, vindos sabe-se lá de onde, mas que pareciam gente como eles. Gente do Brasil! Coisa nunca vista.

E veio aquela tarde ensolarada a dez minutos da fábrica da Lotus. Snetterton fervilhava de gente na pista, carretas, reboques, Mini Morris e Aston Martins brilhavam ao sol do verão mais perfeito que houve na Inglaterra, o verão de 1969 ao som dos Beatles e Chelsea Road no auge da pândega.

Sir Moss, careca jeitoso e forte, e Achcar e outros ajudavam a descer da caminhonete o carro de Luiz Pereira Bueno. Outros auxiliavam escorregar o monoposto de Ricardo Achcar. Val Pirie corria do grupo para a torre de controle e paddock, em busca de regularizar a documentação. Ed Rossler trocava balbúcias com o português Ferreirinha, e tudo ia se ajeitando.

Tempos tomados e carros alinhados, fora dada a partida.

25 de maio de 1969.

Dos boxes, os muitos que ficaram sentiram o forte cheiro da gasolina de alta octanagem, o queimar da borracha no asfalto quente e a poeira infinitamente deslumbrante que transformavam as silhuetas dos carros em fantasmas que se esvaíam ao horizonte.

Naquele turbilhão de poeira, cheiro e emoção, na carlinga duas bandeiras tão pequenas quanto nunca vistas singravam mares de asfalto das pistas da Inglaterra.

O Brasil ficou por conta de seus cidadãos exportados, indivíduos que acreditaram estar galgando a primeira trilha “bandeirante” do que seria uma avenida de campeões do mundo.

Mas foi também graças à rainha, pela via de seus súditos, que de fato ajudaram muito a iluminar os caminhos verdes e amarelos sem volta.

25 de maio de 1969, um pedacinho do Brasil que se esvai na memória do tempo.

Se esvai na memória do tempo?

O reconhecimento é a memória do coração!

Ricardo Achcar