Blog do Flavio Gomes
Motoland

SAN DIEGO

  SÃO PAULO (vida longa!) – Antes de mais nada, me penitencio. Adoro motos, mas sou uma nulidade em motociclismo, apesar de o motociclismo no Brasil ter uma história riquíssima. Minhas referências, porém, vão pouco além de Adú Celso, Denísio Casarini, Jacaré… Esses caras que nos anos 70 eram famosos e destemidos, e apareciam nos jornais. […]

 

SÃO PAULO (vida longa!) – Antes de mais nada, me penitencio. Adoro motos, mas sou uma nulidade em motociclismo, apesar de o motociclismo no Brasil ter uma história riquíssima. Minhas referências, porém, vão pouco além de Adú Celso, Denísio Casarini, Jacaré… Esses caras que nos anos 70 eram famosos e destemidos, e apareciam nos jornais.

Por isso, por total e imperdoável ignorância, não conhecia Diego Moreno Escalona. E fui conhecê-lo hoje, meio sem querer. Estava levando minha lambreta xing-ling a uma oficina na Lapa quando passei diante de uma loja de motos que tinha, na porta, um Zé do Caixão verde para vender. Parei para dar uma olhada e entrei num dos lugares mais encantadores da cidade, a San Diego Motos.

Quando estacionei, passei direto pelo Zé — depois dediquei a ele alguns minutos e fiquei com os dedos coçando, mas isso se resolve depois. Porque lá dentro havia uma monstruosa coleção de motos, a maior parte dos anos 70, que me deixou de queixo caído. Várias Suzuki GT, uma 750 Four Cafe Racer esplêndida, algumas Yamahas históricas e impecáveis, muitas BMWs, Nortons, NSUs, Guzzis, um verdadeiro museu aberto, daqueles que deveriam ter filas na porta para visitação.

E não é museu nenhum, é só a loja/oficina de Don Diego, que me reconheceu sabe-se lá como, essas coisas da TV, e ficamos horas passeando no meio de tudo aquilo, ele falando e eu ouvindo suas histórias como um menino que acaba de ganhar um tíquete para a fabulosa fábrica de chocolates Wonka.

Diego é espanhol e está há mais de 50 anos no Brasil. Trabalhou na Lambretta e foi piloto nos anos 60 e 70. Piloto dos bons, diga-se. Guarda seus troféus, suas fotos e suas memórias na loja. É um absurdo eu não saber nada de sua vida. Uma enciclopédia, um dos nomes mais importantes da história do motociclismo brasileiro.

E eu lá com cara de tonto. E babando em cada uma daquelas motos, algumas deixadas para vender por seus proprietários, outras, a maioria, da coleção particular de Diego e seus cabelos brancos. “Esta chegou aqui, não era nada”, diz, com seu forte sotaque, apontando para uma Suzuki 500 laranja. “Essa aqui eu fiz inteira”, e mostra uma Sunbeam. “Aquela ali…”, e outra, e mais outra, e todas maravilhosas.

Lá em cima, no mezanino, algumas Horex, uma moto soviética sem marca, uma Leonette (foi ótimo ver ao vivo, ajudou a tomar uma decisão; mas isso é outra coisa), uma Pasco (eu não sabia que tinha sido a sucessora da Lambretta no Brasil) zerada, três Ducati desmontadas, e motos de corrida, e motos pré-Guerra, e peças e mais peças, bielas e pistões zero, lanternas, faróis, quadros, muita coisa de Suzuki, sua marca predileta, e a cereja do bolo, a Mobylette do filho Zezinho, “um foguete”, tricampeão no fim dos anos 70. Do jeitinho que estava quando corria.

Diego chama suas motos de “máquinas”. “Essa máquina chegou aqui em…”, “…aquela máquina é única no Brasil…”, “…e quando comprei essa máquina…”, “…aí o cara me ofereceu outra máquina…”, e fala delas como se fossem filhotes, e são mesmo. Meninas queridas. Numa dessas fotos aí em cima tem uma Suzuki cinquentinha em fase final de restauração. “É 71. O cara apareceu com essa máquina e disse que tinha a nota fiscal. Pedi pra ver a nota fiscal e descobri que quem vendeu essa máquina fui eu, ela foi comprada na minha loja…”, e Diego está restaurando parafuso por parafuso, a garotinha tornou à casa, cada uma daquelas motos é uma vida, uma história.

Foi uma aula, dessas inesperadas. Que, no fim, são as melhores.