Blog do Flavio Gomes
Futebol

SP TOUR

SÃO PAULO (desligando) – Tem poucas coisas que gosto mais de fazer do que levar os Gominhos ao Canindé. E quando eles arrastam os amiguinhos, é melhor ainda. A gente empresta camisetas da Lusa a todos, entram de graça porque no Canindé criança com camisa da Lusa não paga, e assim essa garotada que não […]

SÃO PAULO (desligando) – Tem poucas coisas que gosto mais de fazer do que levar os Gominhos ao Canindé. E quando eles arrastam os amiguinhos, é melhor ainda. A gente empresta camisetas da Lusa a todos, entram de graça porque no Canindé criança com camisa da Lusa não paga, e assim essa garotada que não tem o hábito de ir a estádios, porque nem sempre os pais podem levar e tal, fica conhecendo futebol de verdade.

Futebol de verdade é sem cadeirinha na arquibancada, é bunda no concreto, salgadinho de procedência duvidosa, copinho de água que muda de preço do primeiro para o segundo tempo, e xingar jogador e juiz e ser ouvido. Procure xingar um jogador lá do alto do anel superior do Morumbi. Ele nunca vai te ouvir. No Canindé, ouve.

E ganhamos, e foi ótimo.

Aí, na hora de ir embora, resolvi fazer um tour pela cidade com a petizada, cinco moleques entre 10 e 13 anos. Querem ver a cracolândia?, perguntei. Vamos lá, é bom conhecer o mundo real de perto. Eles ficaram meio assim, talvez se contarem aos pais, nunca mais me deixem levá-los ao Canindé, mas se for assim, paciência.

E quando estava chegando na avenida Tiradentes, em vez de tomar a esquerda para seguir pelo Anhangabaú fui à direita para os lados da Estação da Luz.

Conheço bem aquela área, trabalhei no Centro/Campos Elíseos por oito anos. Não era esse cenário aterrador, de hordas de maltrapilhos vagando pelas ruas com cobertores nas costas, se acabando no crack, algo que a Prefeitura e o governo do Estado fingem que não é com eles, e assim essa massa de gente sem esperança e sem futuro só fez crescer nas últimas duas décadas, sem que nenhuma ação concreta fosse tomada. Agora é tarde, lamento dizer.

Passei de carro pelas ruas da cracolândia, menos perigosas do que se imagina, porque os viciados são quase inofensivos em sua noia, só querem fumar em paz, se matar em paz, porque ninguém vai mesmo salvá-los. Mostrei que nem todos que circulam por ali são viciados, que há vida normal, bares, comércio, escolas, crianças jogando bola na rua, expliquei que os viciados são os menos culpados, procurei evitar qualquer demonização das maiores vítimas dessa barbárie que é a droga em São Paulo.

Depois mostrei o edifício Andraus, contei que pegou fogo e que um piloto de helicóptero foi um puta herói no resgate das pessoas no teto, crianças gostam de heróis, e seguindo um pouco mais passei diante da sede da “Folha”, e expliquei que os Campos Elíseos eram chiquérrimos há 40 ou 50 anos, e que quem começou a estragar tudo foi o Maluf com o Minhocão, e fui até o Minhocão, essa aberração arquitetônica e urbanística que acabou com o Centro, e mostrei os lindos prédios que o Minhocão fodeu, e passei pelo Arouche, indiquei as bancas de flores, mostrei O Gato que Ri, o restaurante que a gente ia uma vez a cada seis meses quando sobrava um troquinho do salário do meu pai, e a área perto da Praça da República que é frequentada pela comunidade GLS, e o antigo Caetano de Campos, colégio que virou Secretaria da Educação, e o prédio onde Gil e Caetano moravam quando fugiram da ditadura, e todos estão estudando a ditadura, por isso foi uma puta algazarra no carro.

Aí mostrei o Edifício Itália e o Copan, a avenida São Luís e seus prédios suntuosos, a biblioteca Mário de Andrade, a antiga sede do “Estadão”, onde consegui meu primeiro emprego quando ali já era o “Diário Popular”, e o Edifício Viaduto de João Artacho Jurado, o arquiteto que não era arquiteto, mas era um gênio, com seu monumental salão de festas no terraço, e passamos diante da Câmara dos Vereadores, e havia um acampamento do Movimento dos Sem Teto do Centro bem em frente, e eu falando sem parar, e eles também, e aí me pediram para tomar milkshake, e deu tempo de, no caminho, passar atrás do antigo prédio da Record em Moema e explicar o que aconteceu com o Banco PanAmericano. Não sei se eles entenderam, porque eu mesmo não entendo direito essas tragédias de muitos dígitos.

Na lanchonete, perguntei se tinham gostado do passeio, e eles disseram que foi da hora.