Blog do Flavio Gomes
Brasil

MUNDINHO BESTA

SÃO PAULO (assim é) – Acho que todos aqui acompanharam os acontecimentos envolvendo o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) nesta semana. Entrevistado pela cantora Preta Gil no programa CQC, da Bandeirantes, deu respostas atravessadas expondo mais uma vez, publicamente, sua homofobia e suas convicções de cunho racista. Aqui, antes de entrar no assunto propriamente dito deste […]

SÃO PAULO (assim é) – Acho que todos aqui acompanharam os acontecimentos envolvendo o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) nesta semana. Entrevistado pela cantora Preta Gil no programa CQC, da Bandeirantes, deu respostas atravessadas expondo mais uma vez, publicamente, sua homofobia e suas convicções de cunho racista.

Aqui, antes de entrar no assunto propriamente dito deste post, um parêntese. É deprimente saber que esse cara seja, há seis legislaturas, pago com o meu dinheiro. Deprimente. Basta uma olhada rápida em sua folha corrida para saber de quem se trata. Militar, defende a ditadura, a tortura, espancamento de usuários de drogas e homossexuais, ataca negros, gays e índios. Alguns anos atrás, disse que o então presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ser fuzilado. Está aqui, não estou inventando nada.

No meu mundo ideal, que jamais existirá, eu não pagaria o salário deste ser desprezível porque ele estaria preso. No Brasil, homofobia e racismo são crimes previstos em lei. Se a lei fosse cumprida, ele seria processado, julgado, condenado e, portanto, não poderia ser candidato a nada. Mas nada acontece com esse tipo de criminoso aqui. Nem os bananas de seus colegas de parlamento têm coragem de cassá-lo. Eu jamais conseguiria conviver com alguém assim em ambiente algum. Jamais trocaria uma palavra com ele. Tem gente com quem não vale a pena perder tempo. Gente que não precisava existir.

Mas ele existe e é candidato em todas as eleições, e se elegeu deputado federal pelo Rio no ano passado com 120.646 votos. Num universo de 9.572.486 eleitores, teve os votos de 1,3%. É um alento saber que no Rio apenas 1,3% da população é idiota o bastante para eleger um sujeito desses. Mas se elegeu. E o alento acaba aí. E assim fecham-se os parênteses.

Eu estava dando uma sapeada no Twitter hoje à tarde e Bolsonaro tem sido assunto recorrente de vários usuários da rede social, tamanha a indignação que suas declarações causaram. O cara é indefensável, e nessas horas não há espaço para ser tolerante com a intolerância. É uma contradição, ser intolerante para combater a intolerância, mas é assim que é. O mundo jamais vai melhorar enquanto houver uma pessoa, uma só, que pense como esta ameba engravatada.

Pois lá pelas tantas pinga uma mensagem respondendo a alguma postagem que eu tinha colocado antes comentando o caso Bolsonaro — no Twitter, para quem não sabe, qualquer pessoa pode se dirigir a você se colocar, na mensagem, seu “endereço”. No meu caso, @flaviogomes69. Assim, você acaba lendo mensagens mesmo se elas tenham sido postadas por quem não faz parte da lista das pessoas que você segue.

Foi o caso. Veio assinada por @veterancarclub a seguinte mensagem: “Bolsonaro talvez seja o melhor deputado do Brasil”. Me assustei, na hora. O Veteran Car Club, nascido no Rio, é uma entidade supostamente séria, que agrega colecionadores de carros de todo o país e tem seus braços regionais espalhados por alguns Estados brasileiros. A “tuitada” elogiando o deputado homofóbico veio de uma conta “jurídica”, por assim dizer. Não foi a opinião de uma pessoa, mas sim de uma entidade, de um clube respeitável. Entrei na página deste Veteran no Twitter e descobri que ela pertence à seção de Novo Hamburgo (RS) da entidade.

Imediatamente, perguntei ao emissor da mensagem, pelo Twitter, se aquela opinião tinha sido emitida em nome do Veteran ou se era uma “idiotice própria”. Sim, porque às vezes tem gente tonta o bastante para acessar uma conta institucional e escrever bobagens como se falasse em nome da instituição. E a instituição nem sabe. A resposta veio rapidamente: “Em nome de clube de macho… Não temos medo da mídia.” Não adianta procurar essas respostas na página. O clube de macho apagou. Mas na imagem aí embaixo, gravada na hora por blogueiros-tuiteiros atentos, dá para ver o tom do diálogo.

Assustei-me de novo. O Veteran pensa assim? Havia outra mensagem na sequência da “time-line”, “retuitada” (ou seja, de autoria de outra pessoa, mas “espalhada” pela conta do Veteran), que dizia: “Tem muita gente assustada com o dep. Bolsonaro exatamente porque no Brasil estamos perdendo o costume de ouvir cabra macho opinar”. O autor era um tal de @LUIZGAMA. Foi quando perguntei quem é que estava escrevendo ali em nome do Veteran de Novo Hamburgo. A resposta: Diogo Boos.

Conheço esse rapaz. Colecionava, ou coleciona, DKWs. Alguns anos atrás o encontrei no Sambódromo. Trocávamos e-mails, afinal tínhamos algo em comum, os carros. Muito simpático, boa gente, mesmo. Tenho até uma foto ao seu lado e de outros amigos. E por isso assustei-me mais ainda. É dirigente do Veteran de Novo Hamburgo, certamente. Presidente ou vice, talvez. Pelo site do clube, não consegui descobrir. Mas fiquei besta. Será que os sócios do Veteran de NH compactuam de suas opiniões? Dão a ele, via Twitter, o direito de expressar sua opinião como se fosse a do clube? Esse cara, com seu raciocínio distorcido que faz apologia de alguém como Bolsonaro, o defensor de espancamentos de gays e de índios, propositor do fuzilamento do ex-presidente FHC, representa os demais associados do clube? O clube, em última análise, defende a homofobia e cultiva o racismo como Bolsonaro, defendido pelo emissor das mensagens?

Boos, segundo uma entrevista concedida ao portal Autoclassic em 2007, é advogado e ligado à Defesa Civil, entidade nobre, voluntariosa, importante. Se define como alguém que tem “como característica ser uma pessoa que adora fazer amigos e conviver em sociedade”. Há negros no Veteran de NH? Há homossexuais? Eles são aceitos pelo dirigente Boos, que reputa Bolsonaro, o defensor do fuzilamento de FHC, como um dos melhores deputados do Brasil? Alguém que admira as ideias de Bolsonaro pode se considerar apto a conviver em sociedade? Negros, índios e homossexuais fazem parte dessa sociedade?

Convivo com colecionadores de carros antigos há muito tempo. Em geral, são pessoas mais velhas, conservadoras, se parecem muito pouco comigo politicamente, mas já me acostumei. Eu comecei cedo, comprei meu primeiro antigo aos 23 anos, sou uma espécie de mascote das minhas queridas turmas de velhinhos, apesar de já estar perto dos 47. Evito discussões ideológicas para não me aborrecer. Nossos encontros são sempre amistosos, divertidos, falamos de carros, da vida, contamos histórias. Me conhecem, sabem o que penso, há um respeito mútuo.

Este Boos, no entanto, é mais novo que eu. Tem 40 anos, é um garoto, quase. Me parecia gentil, afável. É engraçado que quando nos relacionamos com certas “tribos”, tendemos à condescendência, por nossos gostos em comum. Assim, se um cara tem um DKW, só pode ser boa gente. Se torce para a Portuguesa, idem. Se tem o mesmo pensamento ideológico que o meu, também. Claro que não é assim. Ter um DKW não impede que o sujeito seja um filho da puta. Torcer para a Portuguesa não impede que seja um escroto. Votar no Lula não significa que seja um vestal. Mas a gente acaba idealizando um pouco nossos pares, e por isso fechamos os olhos para muitos comportamentos que, em “estranhos”, condenaríamos.

Ocorre que não se pode mais fechar os olhos para algumas coisas. A internet tem escancarado personalidades. As pessoas, agora, se manifestam para milhares, suas opiniões e posturas são compartilhadas e multiplicadas. Duvido que todos no Veteran de NH pensem e ajam como este Boos, o fã de Bolsonaro. Eu, se pertencesse ao clube, pediria explicações. Ou me desfiliaria. Como disse lá no início, compactuar com os ideais do deputado homofóbico é algo definitivo. Em algumas questões, o mundo é dividido, sim, em bons e maus. Não há meio termo. Uma coisa é discutir posição política, ideologia, gosto musical, religião. Pode-se ser de esquerda ou de direita, liberal ou conservador, pode-se achar que Luan Santana é melhor que Pink Floyd, pode-se professar o catolicismo, o budismo, o ateísmo. O mundo é feito de diferenças, ainda bem. Mas alguns temas são por demais claros, algumas atitudes são por demais inaceitáveis, não dão margem a discussão. Nazistas, racistas, torturadores, homofóbicos, estupradores, pedófilos não podem ser defendidos em hipótese alguma. Quem defende Bolsonaro se inclui em algumas dessas categorias. Não há meio termo.

O Sul, às vezes, me assusta. Recentemente, houve o caso do atropelamento dos ciclistas em Porto Alegre. Não foram poucos os que acharam que aquele animal acéfalo fez o que tinha de fazer. Tais reações se reproduzem, sim, em outros Estados do país. Mas de uma forma menos ostensiva, talvez. Não estou dizendo, aqui, que o Sul é racista e homofóbico. Estou dizendo, apenas, que alguns episódios localizados são muito preocupantes — e peço a quem é do Sul que comente essa impressão, se for possível. São Paulo também padece do mesmo mal, falo disso toda hora, aqui. As recentes agressões a homossexuais na avenida Paulista e adjacências envergonham quem vive nesta cidade.

Vivemos num mundo cheio de intolerâncias, hostil, agressivo, violento. Elogiar alguém como este deputado indefensável só piora as coisas. Fazê-lo em nome de uma comunidade, como foi o caso de Boos na condição de representante dos colecionadores associados ao Veteran de NH, piora ainda mais — e se estes não concordam com as posições de seu porta-voz no Twitter, que se manifestem.

Da minha parte, tudo que posso dizer é que viver, ultimamente, tem sido um intenso acumular de decepções com os seres humanos. Quando meu primeiro filho nasceu, escrevi para ele. Dei-lhe as boas vindas ao mundo, um mundo que não era exatamente um bom lugar para se viver, mas era o que tínhamos.

Acho que tem saído bem pior que a encomenda.