Blog do Flavio Gomes
Automobilismo brasileiro

OS PILOTOS

SÃO PAULO (3 de 4) – Estou escrevendo muito, prometo ser mais breve. Já ouvi de muitos pilotos, muitos, uma queixa mais do que pertinente. A molecada que corre hoje é ruim demais. E totalmente despreparada. Longe, muito longe, de ser o caso de Sondermann, que teve uma carreira sólida, que andou de kart, que […]

SÃO PAULO (3 de 4) – Estou escrevendo muito, prometo ser mais breve.

Já ouvi de muitos pilotos, muitos, uma queixa mais do que pertinente. A molecada que corre hoje é ruim demais. E totalmente despreparada. Longe, muito longe, de ser o caso de Sondermann, que teve uma carreira sólida, que andou de kart, que correu na F-Renault (foi lá que o conheci, em 2002), que fez um monte de coisa.

O fim das categorias de base está levando alguns garotos do kart para os caça-níqueis (Stock Jr., Mini Challenge, sei lá o que mais) e, depois, para a Montana e a Stock. Muitas vezes, passa-se também por regionais de Marcas, ou de carros bacanas. Em nenhuma dessas categorias se aprende alguma coisa.

Não há mais uma padrão, isso é claro. Um plano de carreira. Hoje, é importante ter bons relacionamentos. “Network”. Para arrancar dinheiro de empresas dispostas a agradar um ou outro, fazer negócios. É o pai que tem a firma que distribui não sei o quê, e tem um filhote que gosta de carro, e aí fecha um patrocínio com um fornecedor, garante o business do vendedor desde que ele banque a brincadeira do rebento, e assim vamos. Virar piloto é fácil. Tirar carteirinha na CBA não demanda muito esforço. Quase nenhum. As exigências técnicas são sobrepostas pela capacidade financeira.

O resultado é que só chegam a correr nas categorias mais endinheiradas aqueles que são mais… endinheirados.

Com toda a carga de preconceito que esta minha próxima assertiva carrega, reconheçamos nela algum traço de realidade: garotinho endinheirado, filhinho de papai, que nunca precisou tirar nota boa na escola e nunca andou de ônibus, é geralmente um ser insuportável. Arrogante, metido a besta, acostumado com a impunidade.

De novo, recorro por antecipação aos pilotos de verdade para que me defendam.

Mas procurem conhecer o tipo de gente que forma, hoje, o universo das corridas midiático-corporativas que compõem a elite do automobilismo nacional. Eu costumo brincar que o centro desse universo são os escritórios bacanas dos marqueteiros da Vila Olímpia. Estou errado?

Bem, esse comportamento que se vê nas ruas das maiores cidades, nas baladas mais exclusivas, nos Porsches e Ferraris, nas lojas de importados da Avenida Europa, diante das vitrines do Iguatemi, se reproduz nas pistas. Há uma total falta de respeito pelos adversários, um total desconhecimento de princípios básicos de esportividade e decência na competição. São agressivos, hostis, intolerantes, impacientes. Perguntem aos pilotos o que eles acham de seus colegas. Procurem em fóruns, ou facebooks, ou orkuts, ou twitters, as trocas de gentilezas entre pilotos. Procurem saber o que um pensa do outro. Leiam estes depoimentos aqui, tomados pelo Américo Teixeira Jr. com a molecada da Copa Vicar em 2009. Vejam o depoimento do Cássio Homem de Mello no blog do Victor Martins.

A maioria não tem a menor — repito, a menor — condição de guiar esses carros. Pode até adquirir, com o tempo. Mas eles chegam despreparados, crus, sem escola, sem nada. Acham que do kart indoor para uma Maserati que o papi-milionário aluga é um passinho só. E não é.

O Brasil não tem pilotos, em resumo. Hoje, corrida de carro se resume a um conjunto de eventos corporativos. É hobby de gente rica. Que joga pólo, aquele de cavalo, num fim de semana; no outro, vai para Portugal andar de Porsche. Eu sei que pode parecer meio rude dizer essas coisas. Mas ninguém precisa se ofender. Se eu fosse milionário, também iria para Portugal andar de Porsche — dispensaria o pólo, porém, que acho uma babaquice. Mas, antes, me prepararia para isso. Faria cursos de pilotagem. Começaria lá embaixo. Aprenderia.

A molecada acha que não precisa aprender nada. Sem citar nomes, nem episódios específicos, afirmo sem nenhum medo de errar que a maioria dos acidentes graves que se veem por aí são motivados por toques desnecessários ou desleais, típicos de quem não tem experiência nenhuma de nada, de quem não mede consequências, de quem pega o carrinho do papi-milionário no fim de semana e vai para a estrada mais próxima com algum tonto no banco do carona para gravar o velocímetro e colocar no YouTube.

E, de vez em quando, corre em autódromos.