Blog do Flavio Gomes
Indy, IRL, ChampCar...

FIO DA NAVALHA

SÃO PAULO (mas acontece) – O problema de se fazer uma corrida de rua numa cidade inviável como São Paulo é esse. Qualquer probleminha vira uma merda do tamanho do mundo. OK, choveu. Mas não choveu tanto assim. Forte, mesmo, uns 20 minutos. Meia hora, talvez. Eu estava lá com meus dois moleques, no camarote […]

SÃO PAULO (mas acontece) – O problema de se fazer uma corrida de rua numa cidade inviável como São Paulo é esse. Qualquer probleminha vira uma merda do tamanho do mundo.

OK, choveu. Mas não choveu tanto assim. Forte, mesmo, uns 20 minutos. Meia hora, talvez. Eu estava lá com meus dois moleques, no camarote da Prefeitura, a convite de um amigo que trabalha com o prefeito. Fui embora às 14h30 com chuva bem fraca, sabendo que daquele mato não sairia mais nenhum cachorro.

Eram mais de 17h quando resolveram suspender tudo. Ou seja: mais de duas horas de chuva fraca não foram suficientes para que a pista, alagada, “desalagasse”. Existe “desalagar”? OK, vamos mudar: mais de duas horas não foram suficientes para que a água escoasse, para que as poças sumissem.

E por quê? Porque a pista fica em São Paulo, foi construída sob os mais rígidos conceitos paulistanos de engenharia. Conceitos que fazem com que cinco minutos de chuva sejam suficientes para alagar tudo, para formar enormes poças, entupir bueiros e acabar com a paciência de quem vive aqui. A água, no asfalto paulistano, simplesmente não escoa. Não escoa porque as avenidas são mal construídas, o que explica as poças no meio de seu leito de rodagem. Porque é cascata que o asfalto é igual ao de Interlagos, que seca rapidinho. Porque é cascata que as obras de drenagem que o prefeito diz ter feito existam de verdade. O prefeito, há meses, só pensa no partido que fundou, não na cidade que afundou.

São Paulo, em resumo, não é lugar para corrida de rua. Não enquanto for uma cidade tão vulnerável a qualquer desarranjo meteorológico, a qualquer caminhão tombado, a qualquer manifestação de massa.

Mas a corrida existe desde o ano passado — foi boa, inclusive, embora tudo tenha sido feito às pressas, meio nas coxas —, deve ter dado dinheiro para alguns, e não se pode negar que todos os envolvidos se esforçam para que as coisas deem certo. Só que é tudo muito no fio da navalha. Em 2010, todos lembram do ridículo que foi o piso pintado no Sambódromo, que faziam os carros sambarem. A chuva também atrapalhou, mas no fim das contas deu para fazer a prova. Porém, é um risco grande demais ficar torcendo para que nada de errado aconteça. Está provado que chuva, nesta cidade, tem os efeitos de um tornado nos EUA ou de um tsunami no Japão. Assim, é preciso pensar na chuva. E não é fazendo festinha de revista de celebridades que os organizadores vão conseguir realizar uma corrida de verdade.

Esse é outro grave problema da Indy em São Paulo. É um evento promovido por um grupo de comunicação, a Bandeirantes, que assim como os demais sócios na organização o trata como um acontecimento social, não como um evento de um esporte de risco. Todo o esforço que deveria ser empreendido no sentido de viabilizá-lo tecnicamente é desperdiçado com futilidades — como levar um inacreditável cantor adolescente para interpretar o Hino Nacional como se estivesse numa arena de rodeio no interior de Goiás; me disseram que é bem famoso e que seu cachê para rebolar e ser vaiado pelo pessoal na arquibancada não deve ter sido barato.

Na TV e nas emissoras de rádio da Bandeirantes não há críticas, a corrida é uma festa, um evento impecável que “para São Paulo”, “importantíssimo para a cidade” e tal. Uma tremenda xaropada. O papel de imprensa, que deveria ser primordial numa empresa de comunicação, é trocado pelo de promotor. E aí é um festival de boçalidades no ar que irrita qualquer monge.

Amanhã, a corrida que para São Paulo vai parar mesmo, porque a solução encontrada foi realizá-la às 9h de uma segunda-feira, dia útil. Isso se não chover.

Ainda bem que pelo menos a direção de prova fez o que tinha de fazer. Como a pista não secava e a água continuava a empoçar mesmo sob chuva fraca, seria um perigo absurdo colocar aqueles carros para andar entre muros sem aderência e visibilidade nenhuma, num asfalto ondulado e escorregadio.

Tomara que não chova amanhã e que tudo corra bem, apesar de todo o mal que o evento vai fazer à rotina da cidade — que não deve ser muito pior que uma jamanta enguiçada na Marginal, algo que acontece todos os dias. A meteorologia não é muito otimista. Diz que chove o dia todo.

De qualquer forma, acontecendo ou não a corrida de nome quilométrico, as lições de 2010 e 2011 não podem ser esquecidas. A chuva de ontem esteve longe de ser um desastre natural. Não deveria ter inviabilizado a prova. Se isso aconteceu, é porque a pista tem alguma coisa de errado. Havia um bom público no Anhembi. Gente que ficou bem chateada com o que aconteceu.

Sim, acontece. Mas não deveria. Talvez quando os promotores perceberem que corrida de carros vai muito além dos camarotes VIPs e das banalidades que contaminam o Brasil, essa etapa paulistana da Indy passe a ser levada a sério.