Blog do Flavio Gomes
Brasil

AINDA A LEI

SÃO PAULO (é difícil) – Era só o que faltava, tem gente me tratando de “defensor do automobilismo”, “guardião do nome Fittipaldi” e coisas do gênero pelo post logo abaixo. Noto que a cada dia que passa mais difícil é se fazer entender. Vou começar a escrever em tópicos, apenas, se possível em não mais […]

SÃO PAULO (é difícil) – Era só o que faltava, tem gente me tratando de “defensor do automobilismo”, “guardião do nome Fittipaldi” e coisas do gênero pelo post logo abaixo.

Noto que a cada dia que passa mais difícil é se fazer entender. Vou começar a escrever em tópicos, apenas, se possível em não mais que 140 caracteres. Vamos ver…

– Meninos e meninas, NÃO SOU A FAVOR de os Fittipaldi recorrerem à Lei de Incentivo do Esporte para captar recursos para o netinho correr.

– Como escrevi abaixo, EU TERIA VERGONHA NA CARA na condição de um Fittipaldi, ou de um jogador de pólo, ou de um cantor ou cantora famoso, e jamais recorreria à renúncia fiscal dos outros para financiar minha carreira, meu show, meu blog.

– Acho a Lei de Incentivo ao Esporte uma ABERRAÇÃO, na medida em que coloca no mesmo balaio o financiamento de coisas pouquíssimo importantes como uma carreira de um piloto ou um campeonato de pólo e atividades de cunho social, de inclusão através do esporte, de auxílio a modalidades e instituições paupérrimas, uma vez que a aprovação dos projetos se dá através de uma Comissão Técnica que, pelo visto, analisa apenas ASPECTOS TÉCNICOS DAS PROPOSTAS, e não sua real NECESSIDADE.

– Uma proposta tecnicamente bem elaborada SERÁ APROVADA SEMPRE, porque essa Comissão Técnica avalia os projetos tecnicamente, se preenchem todos os pré-requisitos, se apresentam todos os documentos, O QUE É UM ERRO, mas é assim.

– Apesar disso, essa Comissão Técnica tem, no próprio texto da lei (DECRETO N° 6.180, DE 03 DE AGOSTO DE 2007, que regulamenta a Lei N° 11.438, de 29 de dezembro de 2006, que trata dos incentivos e benefícios para fomentar as atividades de caráter desportivo), uma forma de vetar barbaridades como financiar via renuncia fiscal a carreira de um piloto nos EUA ou um campeonato de pólo, MAS NÃO O FAZ POR PREGUIÇA, MALEMOLÊNCIA, FALTA DE COMPROMISSO COM O QUE É PÚBLICO. O Artigo 24 é claro, e reproduzo com grifo meu:

Art. 24. É vedada a concessão de incentivo a projeto desportivo:
I – que venha a ser desenvolvido em circuito privado, assim considerado aquele em que o público destinatário seja previamente definido, em razão de vínculo comercial ou econômico  com o patrocinador, doador ou proponente; e
II – em que haja comprovada capacidade de atrair investimentos, independente dos
incentivos de que trata este Decreto.

Não sou especialista em legislação, mas entendo que o item I veda a concessão de incentivos a eventos fechados e particulares. Exemplo: vou fazer uma corrida de carros antigos aberta apenas a proprietários de Lada, com arquibancadas liberadas apenas aos funcionários da fábrica de biscoitos que me patrocina; ou: quero patrocínio para realizar uma prova de kart na Granja Vianna entre os ex-funcionários do Grande Prêmio patrocinada por uma marca de pneus.

O item II, no entanto, se essa Comissão Técnica fosse composta por gente com um mínimo de preocupação social, o que não parece ser o caso, eliminaria a proposta dos Fittipaldi, do clube de pólo, de todo e qualquer projeto visando a carreira de um piloto em qualquer categoria, de provas de hipismo (não teve uma daquela Onassis contemplada pela lei?), das centenas de picaretagens que devem pingar no ministério todos os dias para avaliação, elaboradas por escritórios especializados em fazer isso — acontece o mesmo na área cultural, está cheio de gente famosa QUE NÃO PRECISA buscando incentivos fiscais para fazer shows, peças, publicações.

O problema é que esse item II, por ser meio vago, pode ser contestado por quem propõe. É óbvio que os Fittipaldi, o clube de pólo e a Maria Bethânia, para mencionar um exemplo cultural, têm comprovada capacidade de atrair investimentos. Mas eles podem simplesmente dizer que não, que não têm, e como contestar senão recorrendo ao seu código de ética pessoal? E podem alegar que se o badminton e a natação podem recorrer a esses recursos, o automobilismo também pode. E é verdade.

Por isso esses projetos PASSAM na Comissão Técnica, e por isso gente que NÃO PRECISA disso pede, porque o mundo é dos espertos, não? E os espertos acham que têm o direito de pleitear o mesmo que o clubinho lá de Piraporinha do Bom Jesus, que precisa fazer uma quadrinha de futebol de salão para atender a comunidade, ou comprar meia-dúzia de bolas de vôlei.

Uma lei que incentive a prática esportiva e o fomento ao esporte não seria por si só uma ideia ruim, e o mesmo vale para a área cultural, se ela contemplasse APENAS OS QUE VERDADEIRAMENTE precisam recorrer a ela. Só que a lei, como escrevi acima, do jeito que foi elaborada, é uma ABERRAÇÃO que abre a todos, INCLUSIVE AOS QUE NÃO PRECISAM, a possibilidade de catar dinheiro por aí, dinheiro que poderia ser usado, se fossem pagos os impostos, inclusive para fomentar o esporte no país.

Diante de uma lei dessas, QUALQUER UM pode se achar no direito de tungar os cofres públicos, mesmo que indiretamente, para satisfazer seus projetos pessoais. Isso inclui, claro, os jogadores de pólo e os pilotos de corrida. Mas não só eles. Por isso que escrevi abaixo que demonizar o automobilismo é populismo barato. Uma lei dessas, para servir ao que deveria se propor, PASSA PELA ENVERGADURA MORAL de quem quer fazer uso dela, seja ele um dono de academia de judô nos cafundós do judas, seja um glorioso piloto montado na grana. Resumindo, é preciso mais envergadura moral de quem pede do que de quem concede.

E envergadura moral, no Brasil, é artigo raro.