Blog do Flavio Gomes
Automobilismo internacional

HELLÉ NICE

SÃO PAULO (gata infeliz) – Faz algum tempo que o Ricardo Divila mandou estas fotos e uma pequena história da linda Hellé Nice, a francesa que ficou famosa como dançarina na louca Paris dos anos 20 mas, depois, foi mordida pelo bichinho das corridas. Era para eu ter publicado em março, o mês das meninas. Mas […]

SÃO PAULO (gata infeliz) – Faz algum tempo que o Ricardo Divila mandou estas fotos e uma pequena história da linda Hellé Nice, a francesa que ficou famosa como dançarina na louca Paris dos anos 20 mas, depois, foi mordida pelo bichinho das corridas. Era para eu ter publicado em março, o mês das meninas. Mas fui deixando, e março passou.

Pois bem.

Nascida Mariette Hélène Delangle em 1900, Hellé Nice, seu nome artístico, era um sucesso. Amada e desejada, um dia tomou um tombo de esqui, machucou o joelho e resolveu abraçar de vez uma improvável carreira de piloto. Correu na Europa, nos EUA, e em 1936 se inscreveu para duas provas no Brasil. A primeira, no Trampolim do Diabo, na Gávea. Nessa pequena galeria aí em cima tem algumas fotos do circuito carioca. Numa delas, a da largada no Leblon, seu carro é o número 2. Tem uma foto de 1937, também, do Auto Union de Hans Stuck, num dos cotovelos da Rocinha. Hellé Nice não terminou a corrida no Rio. Dias depois, estava em São Paulo para uma prova num circuito montado no Jardim América.

Nessa corrida, Hellé Nice sofreu um grave acidente ao disputar posição com Manuel de Teffé. Seu carro bateu provavelmente em algum bloco de feno, perdeu o controle e foi catapultado em direção ao público. Quatro espectadores morreram e mais de 30 ficaram feridos. Nice voou do carro e caiu em cima de um soldado, que também foi desta para a melhor, mas amorteceu a queda da deusa.

Depois de três dias em coma, dada como morta, a francesa começou a acordar e se recuperou. Virou heroína no Brasil. Se você conhece alguma Elenice ou Helenice, saiba que sua amiga tem esse nome por causa da nossa bela bailarina.

De volta à Europa, Hellé Nice nunca mais foi a mesma como piloto. Mas era uma linda, tinha vários amantes e namorados, e durante a Guerra saiu de cena e mudou-se para Nice. A França vivia seus piores dias, ocupada pelos nazistas e controlada pelos colaboracionistas de Vichy. Fim da Guerra, as competições sendo retomadas aos poucos e, em 1949, Hellé foi inscrita para o Rali de Monte Carlo. Foi quando começou sua desgraça. Na grande festa preparada para sua volta, o almofadinha Louis Chiron irrompeu diante dos convidados e, alto e bom som, acusou a francesa de ser uma agente da Gestapo, apontando seu dedo manicurado para a pilota.

Foi um bafafá danado. Chiron nunca provou suas acusações, mas a vida de Hellé Nice acabou. Há quem diga que o monegasco, grande piloto, estava com ciúmes das atenções dedicadas à rival. Um bundão, em resumo. Porque se é verdade que muitos pilotos franceses se juntaram à Resistência na Guerra enquanto Hellé Nice vivia no bem-bom na Côte D’Azur, o mesmo pode-se dizer de Chiron, que passou os anos do conflito refugiado na Suíça comendo chocolate e tomando leite de vaquinha.

Arruinada, esquecida, Hellé Nice foi abandonado por todos, inclusive sua família. Quando a mãe morreu, deixou o pouco que tinha para a irmã mais nova Solange, com quem ela não se dava. Morreu sozinha em 1984 num fétido apartamento em Nice, vivendo provavelmente da caridade de uma instituição chamada La Roue Tourne, criada para ajudar artistas pobres e aposentados. Enterrada na pequena vila onde nasceu, Aunay-sous-Auneau, a irmã não pagou sequer a inscrição de seu nome no mausoléu da família.

E por que contar essa história? Por nada. É apenas uma boa história, de uma linda garota abandonada pelo mundo. Um mundo que abandona uma garota não vale muita coisa.