Blog do Flavio Gomes
Automobilismo internacional

IS JUST WAITING (12)

LE MANS (fominha…) – O domínio de uma marca numa competição, qualquer uma, tem os dois lados da moeda. Tem a chatice de se saber quem vai ganhar. Mas tem, também, a beleza do trabalho dos vencedores. A Audi tem sido assim desde 1999, quando estreou em Le Mans. Os caras sabem fazer carros de […]

LE MANS (fominha…) – O domínio de uma marca numa competição, qualquer uma, tem os dois lados da moeda. Tem a chatice de se saber quem vai ganhar. Mas tem, também, a beleza do trabalho dos vencedores. A Audi tem sido assim desde 1999, quando estreou em Le Mans. Os caras sabem fazer carros de corrida. A tradição da marca vem de antes da Guerra, com os Auto Union de Rosemeyer & cia. Essa herança foi resgatada nos anos 80, quando a Audi decidiu entrar no Mundial de Rali, depois em provas de Turismo, depois nos EUA com protótipos não muito sofisticados, e por fim em Le Mans.

Já são dez vitórias em 13 participações. A maioria delas com a equipe de Reinhold Joest, com quem a Audi se associou no fim dos anos 90. Joest é um ex-piloto alemão hoje com 75 anos que correu um tempão de Porsche e, em 1978, formou uma equipe. Na prática, é ele que cuida da parte operacional do time que a Audi abastece com carros, dinheiro, tecnologia e pilotos. Para entender, seria como se a Mercedes contratasse, digamos, Ross Brawn para montar uma estrutura de equipe de F-1 e tocá-la com seu nome.

Oh, ela já faz isso! Pronto, entenderam.

A Audi sempre inscreve um ou dois carros como Audi North America, para puxar o saco dos americanos e vender mais carros lá. No fundo, é tudo a mesma coisa. E quando não ganha o pessoal de Joest, ganha o pessoal das Américas. A distribuição é democrática, cinco para o alemão, quatro para os americanos, e uma, em 2004, para um time que correu com bandeira japonesa — mas carro alemão, claro.

As únicas derrotas, desde 1999, foram para a BMW, a Bentley e a Peugeot. No primeiro ano, era natural que isso acontecesse. Mas deu terceiro e quarto, resultado alvissareiro para uma estreia. O triunfo da Bentley, que não é conhecida exatamente por fazer grandes esportivos — na verdade, é o Rolls Royce de pobre —, tem uma explicação. Em 2003, a Audi não inscreveu equipe oficial do jeito que a gente conhece. Tinha lá três carrinhos, um com bandeira japonesa, outro com estampa americana, um terceiro britânico.

A VW, dona das duas, deicidiu alocar o que havia de melhor sendo feito em Ingolstadt para dar uma levantada na Bentley. Até os pilotos, como Kristensen e Capello. Ganhou o carrão verde escuro. E quem tocou a equipe? Joest. Dizer que o Speed 8 era um Audi disfarçado, com sotaque britânico, não chega a ser uma mentira totalmente deslavada. É uma mentirinha. Ou uma verdadezinha.

De 2004 a 2008, sem tirar de dentro, a Audi levou tudo. Perdeu em 2009 para aquele que acabaria sendo seu grande adversário, o leãozinho da Peugeot com seu inacreditavelmente lindo 908 HDi, um capeta em forma de guri. Voltou a vencer em 2010 e 2011, e a do ano passado foi uma corrida maravilhosa, com 13s separando as quatro argolas dos leões. Isso depois de a Audi perder dois de seus três carros antes da meia-noite, em acidentes bobos e graves.

No momento em que escrevo, as 24 Horas de Le Mans/2012 acabam de entrar no domingo. Já são 9 horas de corrida. Lotterer está em primeiro com o e-tron #1, com 138 voltas e 12 pit stops realizados. McNish é o segundo com o e-tron #2 a 2min07s do parceiro, mas uma parada a menos. Rockenfeller, uma volta atrás, é o terceiro com o ultra #4. Esse aí é “americano”. O quarto carro, #3, modelo ultra, não híbrido, está nas mãos de Loic Duval na sexta posição, com 131 voltas. À frente dele, dois “intrusos” da Rebellion, os Lola-Toyota que agora estão nas mãos de Heidfeld (em quarto) e Belicchi (em quinto). Ambos, daqui a poucas horas, serão ultrapassados pelo quarto prateado. A lógica indica que o dia amanheça em Le Mans com quatro Audis nas quatro primeiras posições.

É meio chato? É. É injusto? Não. A Audi gasta muito, é verdade, em Le Mans. A Peugeot também gastava, a Toyota passará a gastar e a Porsche, que pretende vir forte em 2014, já está gastando. E por que, há de perguntar alguém, a Audi não se mete com a F-1?

Quando se vem aqui ver de perto o que eles fazem, dá para entender. A Audi tem objetivos muito claros quando despeja seus Reich Marks numa corrida de 24 horas. O primeiro é óbvio: faturar com a publicidade que gira em torno da corrida e capitalizar os resultados junto aos seus clientes e futuros consumidores. Pega bem ganhar Le Mans. O segundo é desenvolver tecnologias novas que poderão ser aplicadas em carros de rua. E mesmo que não possam, dizer o tempo todo que sim, Le Mans é laboratório, já tiramos muita coisa daqui que hoje está no seu Audizinho aí na garagem e você nem sabe. Isso também pega bem.

Le Mans é mais barato. Talvez não muito, mas é mais barato que uma temporada inteira de F-1 quando se considera o orçamento de um time como a Ferrari, por exemplo. E enche menos o saco. Todo mundo que corre em Le Mans é visto com simpatia, são aventureiros destemidos, guerreiros da noite, essas baboseiras nas quais eu também acredito e engulo porque acho, mesmo, que são todos destemidos e guerreiros. Na verdade, eu adoraria correr isso aqui, ou qualquer prova de 24 horas. Na F-1, nem sempre os personagens são simpáticos. O ambiente lá é dos mais carregados e sacanas. Aqui, pela dificuldade da prova, vive-se um clima de maior camaradagem e solidariedade — embora, claro, a competição exista e as rivalidades, também.

Na ponta do lápis, uma marca como a Audi considera que vale mais a pena torrar metade do que tem para gastar em corridas em 24 horas do que ficar se arrastando mundo afora de março a novembro. A Peugeot fez o mesmo, quando largou a F-1. A Toyota, como se percebe, idem. E é assim. Le Mans virou território dos quatrargólicos. Até alguém chegar e derrotá-los.

Não será hoje. E vou jantar. Volto pela manhã.