Blog do Flavio Gomes
Automobilismo internacional

IS JUST WAITING (2)

LE MANS (aos trancos) – Receio que vocês vão se encher de mim neste fim de semana. Qualquer porcaria que vejo acho sensacional e fico com vontade de escrever. Mas no fundo isso é bom. Fiz coberturas divertidas assim quando fui a Indianápolis pela primeira vez e quando estive numa etapa do Mundial de Rali […]

LE MANS (aos trancos) – Receio que vocês vão se encher de mim neste fim de semana. Qualquer porcaria que vejo acho sensacional e fico com vontade de escrever.

Mas no fundo isso é bom. Fiz coberturas divertidas assim quando fui a Indianápolis pela primeira vez e quando estive numa etapa do Mundial de Rali na Argentina. É tudo novidade, e é bom quando percebo que ainda existem coisas que me despertam curiosidade e me espantam sinceramente.

Como disse abaixo, vim a convite da Audi. A Audi convida um monte de gente, do mundo inteiro. Explica-se. Metade do orçamento anual de “motorsport” dos quatrargólicos é despejado aqui, nesta única corrida. O resto vai para DTM e para meu DKW, o #96, que recebe uma verba anual de 2 bilhões de marcos orientais.

Eu disse, também abaixo, que o que a Audi faz aqui assusta pela grandiosidade. Quando se vê tudo, chega-se a uma conclusão. O único resultado aceitável para tamanha gastança e esforço é vencer. E não dá para dizer que não vem dando certo. Desde 1999, quando os caras entraram em Le Mans, foram dez vitórias em 13 edições.

Não sei quanto gastam. Mas os áudicos vivem comparando a corrida de Sarthe à F-1 na seguinte proporção: o que se faz aqui em 24 horas, a F-1 faz num ano. É quase verdade. A corrida bate nos 5.500 km da tarde de sábado à chegada no domingo, um pouco mais, um pouco menos, dependendo das entradas de safety-car, do clima e da rotação de Júpiter. Uma temporada completa de F-1, considerando apenas as 20 corridas e calculando que cada uma tem mais ou menos 300 km, estampa no hodômetro de seus carros uns 6 mil km, arredondando. Mas com trocas de motor, câmbio e componentes de todos os tipos.

De fato, enfiar 24 horas num carro de corrida sem tirar de dentro, parando apenas para abastecer e trocar pneus, é uma experiência que serve para alguma coisa. Le Mans sempre serviu à indústria automobilística como laboratório dos mais úteis. Ford, Ferrari, Porsche, Mercedes, Toyota, Peugeot, Audi, Nissan e tantas outras encaram esta prova assim.

Hoje no começo da tarde entrevistamos Wolfgang Ullrich, chefe da bagaça, para falar dessa coisa toda. Abaixo um resuminho, com tradução livre das perguntas porque em inglês nem sempre consigo dizer as coisas como digo em português. Tem perguntas do Rodrigo França e da Elô Orazem, também, mas as deles com tradução literal, porque senão me matam.

Por que se empenhar tanto numa prova de apenas 24 horas? Qual é o grande encanto de Le Mans?
Porque é a única corrida do mundo disputada o tempo todo em altíssima velocidade que não te dá a chance de errar em nada. É preciso 100% de confiabilidade. Tudo tem de ser perfeito, os pit stops, o acerto do carro, a pilotagem, tudo. E acontece muita coisa que você não consegue prever, o que nos leva a tomar decisões rápidas e difíceis. É a maior aventura do automobilismo mundial. É como disputar uma temporada inteira de F-1 em 24 horas.

Qual a origem da opção por um carro híbrido?
A decisão foi tomada porque consideramos que esse será o futuro do automóvel. E dá a base daquilo qua vamos oferecer aos nossos clientes nos próximos anos.

(Eu) Mas me diga uma coisa, Wolfy. Não era mais fácil trazer o carro do ano passado, que enrabou todo mundo, em vez de arriscar com uma tecnologia nova e complicada, que não se sabe se vai dar certo?
No automobilismo, se você fica parado cinco minutos, os outros te passam. Claro que há um risco. Mas isso é que é especial em Le Mans. E quando uma aposta dessas dá certo, você já se coloca automaticamente à frente de seus adversários.

(Eu) E me diga outra coisa, Wolfy… Quando a Peugeot saiu vocês não ficaram meio tristes, porque não teriam com quem brigar?
A gente ficou, mas pelo respeito que temos pela Peugeot, uma grande adversária, e pelos muitos amigos que fizemos nesses anos todos. Sempre tivemos ótimas relações com eles. Quando você derrota alguém tão bom quanto a Peugeot é que você vê como é forte.

(Eu) Sei, sei… Mas, Wolfy… Ganhar é bom, claro, mas você não acha que se vocês ganharem todas vão acabar assustando os rivais e ninguém mais vai querer correr aqui?
Ganhar muito não é a mesma coisa que ganhar sempre. Espero que não, que ninguém se assuste. A Toyota veio este ano, é um competidor muito forte.

Vocês vão estar na corrida do Brasil? Com quantos carros?
Sim, estaremos lá. Com dois carros. Se serão os ultra ou os e-tron, ainda não decidimos.

O que é mais difícil no papel de chefe de uma equipe tão grande?
É manter todos felizes.

(Eu) Wolfy, Wolfy, vocês ficam falando aí de lá vem o quattro, quattro aqui, quattro acolá, e essa tração aí é inspirada, derivada, copiada e xerocada do Candango. Munga para vocês, germânicos. Fala aí… Se não fossem os DKWs vocês estariam ainda fabricando Fusquinhas, não? No máximo Variants e Kombis.
A DKW foi muito importante na história da Audi. Um carro com motor DKW dois tempos, três cilindros, chegou a correr aqui. Monza, não foi?

(Eu) Não, Wolfy, foi outro, uma trapizonga de alumínio que durou 200 metros...
Sim, sim, feito por franceses, mas com motor dois tempos, nos anos 50… Você tem razão, não foi um Monza. Mas de qualquer forma, a herança da DKW é muito importante para nós.

(Eu) Eu tenho nove DKWs.
(Sorriso amarelo e silêncio, fim de entrevista, reações que interpretei como “tem louco pra tudo no mundo, mas pelo menos esse louco é simpático e gosta da marca, só não posso me esquecer de pedir exame de sanidade mental dos convidados no ano que vem)

A Audi, em resumo, é meio dona desta corrida. Para se ter uma ideia do que faz aqui, tem lounges, gardens, arenas, tribunas, vans que levam gente de um lado para o outro, lojas, tudo que se imaginar. O que mais me impressionou foi o hotel que os alemães montam só para a corrida. Eles alugam um parque de exposições vizinho ao autódromo, uma espécie de Anhembi em miniatura, e lá dentro, em não sei quantos blocos, montam mais de mil quartos com divisórias, cada quarto com uma cama, uma mesa, uma luminária e um cesto de lixo. Banheiros e chuveiros do lado de fora. Quem vem? Donos de Audi do mundo inteiro, que pagam uma bala para assistir à corrida e entrar em todos lounges, gardens e arenas. Comem e bebem à vontade. Para todos (estou em “todos”) alguns presentinhos espetaculares, como uma miniatura do e-tron, uma jaqueta e um iPod, ou iPad, ou iTouch, nunca sei qual “i” é, conectado à internet o tempo todo e cheio de aplicativos, entre eles webcams nos lounges, gardens, arenas e tudo mais, para saber qual está bombando e onde tem lugar para sentar.

Em resumo, esta corrida explica por que a Audi nem pensa em entrar na F-1. Os caras querem vender carros. E exploram as 24 Horas como ninguém. E graças a ela, vendem carros. Simples assim.

Vou comer um negócio, e daqui a pouco volto para contar como foi a parada dos pilotos no centro da cidade hoje de tarde. Nas imagens lá em cima, o Dindo Capello (que pediu para tirar uma foto comigo), minhas noivas francesas e as coisinhas do quarto. O iFuck, antes que perguntem, será devolvido ao final do evento.