Blog do Flavio Gomes
Brasil

ZERO ESPERANÇA

SÃO PAULO (já deu) – Ando bastante de moto em São Paulo. Não é algo fácil, nem tranquilo. Mas muitas vezes, é necessário pelo absurdo do trânsito numa cidade totalmente fora de controle. Ando pelo que se chama de “corredor”, também. Aquele espaço entre os carros. Só quando eles estão parados, devo dizer, o que […]

SÃO PAULO (já deu) – Ando bastante de moto em São Paulo. Não é algo fácil, nem tranquilo. Mas muitas vezes, é necessário pelo absurdo do trânsito numa cidade totalmente fora de controle. Ando pelo que se chama de “corredor”, também. Aquele espaço entre os carros. Só quando eles estão parados, devo dizer, o que necessariamente não me absolve. E ando devagar, tenho medo de bater nos espelhos dos carros, a ponto de irritar a maioria dos motoqueiros que têm o azar de ficar atrás de mim. Mas procuro não atrapalhar. Saio da frente assim que pinta uma brecha. Não quero encrenca. Na verdade, chamar de moto minha lambretinha é um exagero. É uma scooter que me serve bem para pequenos trajetos. Nunca passei por nenhum perrengue com motoristas de carros, ônibus, táxis, SUVs, nada. Os problemas são recorrentes com os motoqueiros. Sim, em sua imensa maioria, motoboys. Cheios de pressa, plenos de falta de educação, sem noção alguma de cidadania, segurança, respeito. Verdadeiros animais motorizados, que fazem o que bem entendem diante da total e absoluta inação do poder público. O poder público, em São Paulo, espalha radares pelas avenidas. Eles sabem se seu carro não fez a inspeção da Controlar, ou se estão rodando no horário do rodízio. Leem placas, fotografam, enchem os cofres da Prefeitura. Mas não leem placas de motos. Não reprimem o tráfego em altíssima velocidade pelos corredores. Os motoqueiros são seres à parte na cidade. Têm suas próprias leis, e seguem-nas da maneira que consideram adequadas. Veem todos os outros seres como inimigos em potencial, sejam eles motoristas, pedestres, outros motoqueiros. Lamento dizer, é triste pra caralho, mas acho que nunca notei um único gesto amistoso de um motoqueiro em São Paulo. Um único. É triste demais. Não são todos? Não. Mas são quase todos. E isso é triste pra caralho.

Me mandaram esse vídeo aí embaixo. O autor tem 491 vídeos publicados no YouTube. Tem nome e sobrenome. Tem loja de escapamentos, site e tudo. Tem nome, sobrenome e endereço. Tem 491 vídeos publicados no YouTube. Quando se leem os comentários postados nesses vídeos, de gente sinceramente admirada e excitada pelo que está vendo, perde-se totalmente a esperança em qualquer coisa. Quando se presta atenção nos monólogos do autor a bordo de sua moto quando resolve “botar terror” nas ruas e estradas, idem.

São 491 vídeos. Nome e sobrenome. Alguns mostram até que o rapaz tem lá suas ideias, alerta contra as drogas, contra o preconceito, contra o crime. Não vi todos, claro, foi por amostragem. Talvez tenha bom coração, família, mulher, filhos, sei lá. Não tenho a menor ideia. Mas um vídeo só, apenas um, esse aí embaixo, deveria ser suficiente para que as autoridades da cidade impedissem-no de dirigir qualquer coisa motorizada. Qualquer coisa. Não estou discutindo caráter, bondade, maldade, nada, nada disso. Não sei quem ele é, não tenho o menor interesse em conhecê-lo, espero apenas nunca cruzar com ele na rua, porque provavelmente vou me assustar, cair da lambreta e me estatelar no asfalto. Quem faz o que esse rapaz faz nesse vídeo aí embaixo é claramente alguém que não tem a mais remota noção do que é ser um cidadão que vive em coletividade. Ele não é único, claro. São milhões, e também ocupam carros, ônibus, táxis, scooters. Somos uma cidade de milhões de cretinos, idiotas, irresponsáveis, egoístas, estúpidos. Alguns deles postam 491 vídeos no YouTube. E fica tudo por isso mesmo. Donde se conclui que cretinos, idiotas, irresponsáveis, egoístas e estúpidos também são facilmente encontráveis entre as autoridades da cidade, medrosas, covardes, patéticas. Na cidade onde não pode gritar na feira, usar celular no banco, comer pastel, levar bandeira ao estádio, vender hot dog na rua, cantar na calçada, fumar no bar, deitar no banco da praça ou dar sopa a moradores de rua, andar no “corredor” da 23 de Maio a 150 km/h pode. Se uma polícia de uma cidade como São Paulo é incapaz de fazer algo contra alguém que faz o que esse rapaz faz no trânsito, nas ruas e nas estradas, fazendo o favor de dar nome, sobrenome e endereço para quem quiser encontrá-lo, esqueçam. Isso aqui não tem jeito, mais.

Parece que o vídeo foi tirado do ar, mas dá para ver aqui.